A abertura do Complexo de Cuidados de Saúde das Ilhas representa um virar de página no que toca à prestação de cuidados de saúde no território, dizem especialistas do sector médico. A nova instituição deverá permitir não só o aliviar da pressão no sistema de saúde, mas também apoiar a formação de profissionais locais e promover o turismo de saúde
Texto Nelson Moura
É um marco para a área da saúde de Macau e uma garantia para o desenvolvimento sustentável do sector. É desta forma que especialistas do campo da medicina descrevem o papel do recém-inaugurado Complexo de Cuidados de Saúde das Ilhas – Centro Médico de Macau do Peking Union Medical College Hospital, conhecido também como Hospital Macau Union, que abriu portas, a título experimental, em Dezembro de 2023.
Aquando da abertura parcial do novo hospital, o Chefe do Executivo da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM), Ho Iat Seng, indicou que a instituição pretende aumentar a capacidade de tratamento de doenças graves e oferecer serviços médicos especializados no território.
O novo hospital marca “um novo capítulo e um novo marco nos serviços de saúde de Macau”, afirmou Ho Iat Seng, sublinhando que a prioridade das autoridades é “fornecer cuidados de saúde de alta qualidade e mais opções de serviços médicos aos residentes”.
O conceituado Peking Union Medical College Hospital, instituição com mais de 100 anos, foi convidado pelo Governo da RAEM para gerir o novo hospital. No ano passado, foi assinado um acordo de cooperação no âmbito dos serviços de cuidados de saúde, educação médica, estudos científicos, transformação dos respectivos resultados e “big health”.
Segundo Ho Iat Seng, esta estrutura é um “precedente para a cooperação entre Macau e o Interior da China na prestação de serviços de saúde”.
O Complexo de Cuidados de Saúde das Ilhas – que entrará em pleno funcionamento a 16 de Setembro deste ano – localiza-se na zona adjacente à Estrada do Istmo, no Cotai, num lote de terreno com cerca de 75.800 metros quadrados.
O empreendimento é constituído por sete edifícios e será construído em duas fases. A primeira fase do projecto incluiu a construção do Instituto de Enfermagem, Edifício Residencial para Trabalhadores, Hospital Geral, Edifício de Apoio Logístico, Edifício de Administração e Multi-Serviços, bem como o Edifício do Laboratório Central.
Iniciada em Outubro de 2019, a construção das principais estruturas da primeira fase foi concluída no final de 2022. O Hospital de Reabilitação, entretanto, fará parte da segunda fase de construção do complexo, com conclusão prevista para Abril de 2027.
Após a conclusão das duas fases, o complexo terá uma área bruta total de 430 mil metros quadrados, dispondo de 26 blocos operatórios, e mais de 1000 camas.
A 20 de Dezembro do ano passado, o Posto de Urgência das Ilhas do Centro Hospitalar Conde de São Januário passou a funcionar no rés-do-chão do edifício do novo hospital.
Aposta na formação
O Chefe do Executivo, no discurso de abertura, mencionou as valências e desafios do novo hospital. Além de dar prioridade à prestação de serviços médicos à população local e aumentar a capacidade da RAEM no tratamento de doenças complexas e graves, a instituição deve – tirando partido da notoriedade do Peking Union Medical College Hospital – “esforçar-se por se tornar num centro médico de primeira classe com influência internacional com base na Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau”.
Por outro lado, frisou Ho Iat Seng, aproveitando a tecnologia médica de ponta e a rica experiência do Peking Union Medical College Hospital, o hospital deve proporcionar formação e mais oportunidades de desenvolvimento aos profissionais de saúde do território, “promovendo a construção da equipa de quadros qualificados na área da saúde, no sentido de impulsionar conjuntamente o desenvolvimento de qualidade do sector de saúde local”.
Para o médico Fernando Gomes, o novo hospital irá, em primeiro lugar, ajudar a “colmatar problemas” na procura por serviços de cuidados de saúde em Macau.
“Nós sabemos que o Hospital Conde de São Januário não tem por onde crescer. A procura por parte da população nos últimos dez anos é notória. Não só por parte dos residentes, mas também trabalhadores não-residentes e até turistas”, diz à Revista Macau o presidente da Associação dos Médicos dos Serviços de Saúde. “Para crescer é preciso ter camas. É preciso ter espaço”, adianta.
Com o novo complexo, o número total de camas nos hospitais públicos e privados da RAEM aumentará cerca de 50 por cento, de acordo com dados oficiais.
Segundo a Secretária para os Assuntos Sociais e Cultura, Elsie Ao Ieong U, o novo complexo terá o dobro da área de todas as instalações de saúde existentes no território. As estimativas do Governo apontam para a redução do tempo médio de espera em Macau por consultas médicas de serviços primários para 3,6 semanas, referiu a mesma responsável.
Na cerimónia de abertura, Wu Wenming, director do Complexo de Saúde das Ilhas, indicou que o novo hospital irá proporcionar, gradualmente, serviços médicos especializados “mais diversificados e amplos”, incluindo exame de saúde, medicina estética, tratamento integrado de tumores e serviços de encaminhamento de doentes. Este ano, o complexo deve prestar serviços especializados de ambulatório e enfermaria, e, gradualmente, irá também providenciar exames de imagiologia e radiologia.
Operação inovadora
Ao abrigo do acordo de cooperação, o Peking Union Medical College Hospital irá introduzir serviços integrados de oncologia, incluindo radioterapia, bem como desenvolver especialidades em medicina estética, medicina tradicional chinesa e gestão de saúde.
Para Billy Chan, director do Centro de Educação em Simulação Médica da Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau, esta nova parceria público-privada acaba por ser “uma excelente escolha” e garante um modelo de operação “muito inovador” para Macau.
“Combina elementos públicos e privados de uma forma única e esperamos sinceramente que isto seja um factor de mudança para o turismo médico de Macau”, diz Billy Chan à Revista Macau.
“O público terá acesso muito fácil a cuidados de saúde de alto padrão. Acredito que o Hospital Macau Union, com a equipa de Pequim, irá realmente criar algo único e diferente em termos de serviços de elevada qualidade”, acrescenta.
O especialista diz esperar também que o novo hospital tenha como missão a formação de profissionais do sector da saúde. “Poderia ser um dia um hospital universitário de classe mundial, com o objectivo de desenvolvimento de competências e formação médica de alto nível”, destacou.
O subdirector da Comissão Nacional de Saúde, Lei Haichao, referiu, aquando da abertura parcial do complexo, que o Hospital Macau Union é exemplo de um “resultado valioso de cooperação estreita entre o Governo da RAEM e o Peking Union Medical College Hospital”, sendo um projecto “exemplar, simbólico, essencial e relacionado com a vida da população”.
Já o presidente da Comissão para o Desenvolvimento Estratégico do Complexo de Cuidados de Saúde das Ilhas, Zhao Yupei, disse, no seu discurso, que a abertura deste novo hospital criou “um novo modelo que permite aos hospitais do Interior da China operarem as suas instituições médicas no exterior”.
Na mesma ocasião, a presidente do Peking Union Medical College Hospital, Zhang Shuyang, frisou que a instituição médica estava “honrada” por assumir a missão de operar e gerir o novo hospital de Macau, sendo esta a primeira vez que a organização assume tal responsabilidade fora do Interior da China. Um dos focos, garantiu a responsável, será a formação de quadros qualificados, com uma estratégia assente no “ensino médico de elite, na cultura de marca característica e na experiência moderna de gestão hospitalar, acumulados ao longo de um século pelo Peking Union Medical College Hospital”.
Prioridade aos locais
Em Dezembro de 2023, o Hospital Macau Union lançou a segunda ronda de recrutamento para 80 funcionários administrativos e de saúde. Os cargos a serem preenchidos incluem técnicos de laboratório médico, radiologistas, fisioterapeutas, engenheiros médicos, engenheiros de informática, além de profissionais de direito, contabilidade, relações-públicas e recursos humanos.
A primeira campanha de recrutamento do hospital, que decorreu de 31 de Outubro a 10 de Novembro, envolveu 90 profissionais de saúde locais, incluindo médicos de clínica geral, enfermeiros, técnicos de radiologia, auxiliares técnicos de farmácia, auxiliares de enfermagem e auxiliares médicos.
Além dos 50 especialistas nomeados pelo Peking Union Medical College Hospital, principalmente para cargos de gestão, o Governo da RAEM pretende recrutar mais de 400 médicos, com prioridade para a contratação a nível local. Contudo, alguns “especialistas de topo em várias especialidades” poderão ser contratados além-fronteiras.
Elsie Ao Ieong U já tinha referido no ano passado que as autoridades só considerariam a contratação de pessoal no Interior da China ou no exterior “em caso de escassez de recursos humanos locais”.
A estratégia é aplaudida pelo deputado José Pereira Coutinho. Numa intervenção pública, o membro da Assembleia Legislativa destacou a intenção de contratar localmente como uma medida importante para promover o emprego local e oferecer oportunidades de trabalho para os residentes de Macau, principalmente os licenciados em medicina e enfermagem.
“Ao priorizar a contratação de residentes, o hospital contribui para o desenvolvimento da força de trabalho local e pode ajudar a aliviar a sobrecarga de trabalho do Centro Hospitalar Conde de São Januário, o qual é o principal hospital em Macau”, apontou José Pereira Coutinho. “Além disso, é essencial que os direitos e interesses dos idosos sejam acautelados quanto à prestação gratuita de cuidados de saúde nas Ilhas da Taipa e de Coloane.”
Fernando Gomes lembra que a especialização por parte de profissionais de saúde na RAEM “muitas vezes tem sido difícil” pela falta de espaço. A vinda de profissionais de fora deve ajudar a desenvolver as capacidades dos profissionais locais, acrescenta.
“Há aqui uma colaboração com um hospital de referência da capital. É uma parceria público-privada, uma experiência nova e ainda por cima de grande envergadura”, aponta o médico. “Existe uma abundância de recursos humanos no Interior da China, e penso que é importante existir uma transmissão de experiência e conhecimentos para os médicos locais.”
O estabelecimento médico vai funcionar com base num mecanismo de três níveis no que diz respeito a preços e serviços médicos. No primeiro e segundo níveis, serão prestados serviços públicos acessíveis aos residentes, enquanto no terceiro nível os preços dos serviços privados serão fixados conforme as taxas de mercado.
Turismo de saúde
Este ano é “o primeiro ano da implementação do plano ‘1+4’”, uma estratégia governamental para a diversificação económica que tem o sector do turismo como pedra basilar e aposta no desenvolvimento prioritário de quatro sectores, incluindo a indústria da “big health”.
Segundo o plano traçado pelas autoridades, será necessário tirar o maior proveito do Hospital Macau Union, procurando desenvolver uma estratégia de “saúde + turismo”, de forma a acelerar a construção do território como um “centro médico regional a nível nacional”.
As autoridades apontam para que a RAEM se torne num destino de turismo de saúde nos próximos anos, atraindo um maior número de visitantes não apenas do Interior da China, mas também de outras geografias.
Para Fernando Gomes, o aproveitamento do hospital como um elemento de aposta no turismo e saúde da região deverá ser um objectivo secundário, apoiando a meta de tornar Macau num centro de saúde regional no país. A prioridade, ressalvou, deve ser o reforço da prestação de cuidados de saúde à população local.
À Revista Macau, Billy Chan realça também que a ligação do hospital com a rede de transportes locais permitirá aos utentes um acesso facilitado a “cuidados de saúde de qualidade”.
A futura Linha Seac Pai Van, uma expansão da Linha do Metro Ligeiro de Macau, está prevista para entrar em funcionamento este ano, com uma das suas duas estações a incluir uma paragem junto ao Complexo de Cuidados de Saúde das Ilhas. Com a abertura da nova linha, o complexo estará conectado com a rede de metro que se estenderá da Barra, na península, até Seac Pai Van, e de futuro, também a Hengqin.