Criado nos anos 1950, o Óleo Analgésico Cheong Kun é reconhecido pela sua eficácia no alívio da dor e no tratamento de feridas. Resultado de uma receita passada ao longo de três gerações, o produto já chegou ao mundo da lusofonia
Texto Vitória Man Sok Wa
Há cerca de sete décadas que o Óleo Analgésico Cheong Kun é presença quase que obrigatória nas caixas de primeiros socorros das famílias em Macau. A fama do produto já galgou fronteiras e são muitos os turistas que também o apreciam. Motivos que justificaram que a empresa responsável pela sua produção, a Fábrica de Anodino Óleo Herbario Medicinal Chinesa Cheong Kun (Macau) Limitada, tenha recebido do Governo, em Janeiro, a Medalha de Mérito Industrial e Comercial, distinguindo os seus contributos para o desenvolvimento da medicina tradicional chinesa no território.
Ao longo de três gerações, o negócio passou de uma clínica de medicina tradicional chinesa com três empregados, durante a década de 1950, para uma fábrica que emprega actualmente 40 trabalhadores. A marca expandiu-se de Macau para outras partes da China e até mesmo para o espaço lusófono. A produção subiu de algumas centenas de unidades por ano para mais de um milhão de garrafas. Ainda assim, por decisão dos proprietários, o fabrico tem-se sempre mantido em Macau.
Todo este sucesso prende-se com as propriedades do óleo Cheong Kun: quando é aplicado em zonas afectadas seja por queimadura, úlcera, hemorragia ou reumatismo, o produto acelera o seu processo de recuperação, incluindo o estancamento de sangue. É fabricado à base de substâncias de origem vegetal, não produzindo efeitos de irritação na pele.
Origens na Praia do Manduco
O óleo carrega o nome do criador, Cheong Kun, nascido em 1921, no Interior da China. Mudou-se para Macau com a família quando ainda era jovem e foi no território que fez a sua formação em medicina tradicional chinesa, com um mestre local, tendo aberto a sua própria clínica na zona da Praia do Manduco durante a década de 1950.
A comunidade residente na área era maioritariamente constituída por pescadores. Era muita a procura por tratamentos para mazelas fruto do trabalho no mar, desde queimaduras a cortes e nódoas negras, entre outros ferimentos. Foi neste contexto que nasceu o Óleo Analgésico Cheong Kun.
De acordo com Cheong Lok Kei, neto do fundador, a receita original resultou de investigação levada a cabo pelo seu avô. O director-técnico da empresa recorda que, “no início, desde o fabrico até ao embalamento do produto, todo o processo era feito manualmente na clínica” de Cheong Kun. “Todos os anos, centenas de frascos eram disponibilizados, não só no estabelecimento, mas também em bancas de jornais e em pequenas lojas que vendiam presentes aos turistas”, conta. “Como resultado, a reputação do produto expandiu-se para além de Macau.”
Durante a década de 1970, o óleo Cheong Kun foi oficialmente reconhecido pelas autoridades de Hong Kong, que passaram a autorizar a sua importação. Já na década de 1980, para prevenir a contrafacção, a marca foi registada no Interior da China.
Em 1997, o já septuagenário Cheong Kun decidiu passar a empresa ao seu filho Cheong Kin Nang. “Quando o meu pai herdou o negócio, já tinha previsto que a regulamentação se iria tornar mais rigorosa após a cidade regressar à Pátria”, recorda Cheong Lok Kei. “Além disso, procurou elevar o negócio da família a novos patamares, nomeadamente em 2000, quando, após cerca de 50 anos, a produção passou da loja para uma fábrica com melhor qualidade e padrões modernos”, na zona do bairro de Tamagnini Barbosa.
Agradar a operários e turistas
Outro ponto de viragem para a empresa foi a expansão do mercado do turismo de Macau. “Entre 1950 e 1980, como havia mais operários em Macau, eles eram os nossos principais consumidores, mas depois de 2011, como a economia de Macau cresceu muito rapidamente, com novos investimentos externos, os nossos principais clientes passaram a ser turistas, desportistas e famílias”, recorda Cheong Lok Kei.
“Devido ao desenvolvimento da legislação do território na área da saúde, os nossos produtos passaram a estar disponíveis apenas em farmácias registadas”, incluindo farmácias chinesas, explica o responsável. “Em Macau, os nossos produtos são vendidos em 400 farmácias e, embora o óleo medicinal continue a ser um presente popular entre os turistas, já não está disponível em lojas de recordações.”
Em 2021, a empresa decidiu entrar no Interior da China, um dos maiores mercados do mundo. “Os nossos produtos estão actualmente disponíveis em farmácias de três províncias, bem como através das mais populares plataformas de compras digitais do país”, afirma Cheong Lok Kei.
O desenvolvimento da marca obrigou a uma expansão da capacidade de produção. Em Junho do ano passado, a fábrica da empresa foi transferida para Coloane. A nova unidade, com 2.000 metros quadrados, permitiu triplicar o volume de produção, mantendo patamares elevados de qualidade no fabrico.
De entre os novos mercados que fazem parte dos planos da empresa, o destaque vai para Singapura, opinião reforçada pela participação em duas feiras comerciais que tiveram lugar na cidade-Estado no ano passado. “Reconhecemos a popularidade do nosso produto no país”, diz Cheong Lok Kei. “Além disso, Singapura é um centro internacional, sendo uma porta importante para o produto se apresentar ao mundo.” O director-técnico diz que o objectivo passa por comercializar 10 mil unidades por ano. “Já concluímos o registo e o produto deverá estar disponível no país em Abril.”
O óleo medicinal está também em processo de candidatura para obter reconhecimento Halal, ou seja, para que possa ser utilizado por consumidores muçulmanos. Tal, explica Cheong Lok Kei, é particularmente relevante em Singapura e noutros países do sudeste asiático, onde existem importantes comunidades muçulmanas. “Este reconhecimento é importante, porque o mercado Halal mundial é enorme, envolve cerca de 1,8 mil milhões de pessoas.”
À conquista da lusofonia
O óleo Cheong Kun ainda não está disponível nas prateleiras em Singapura, mas já pode ser encontrado em pelo menos um país lusófono: Moçambique. Foi em 2018 que a marca começou a ser comercializada naquela nação africana de língua portuguesa, algo que constituiu um marco na história do sector da medicina tradicional chinesa em Macau.
“Nem eu nem os nossos funcionários falamos português”, conta Cheong Lok Kei com um sorriso. O director-técnico da empresa responsável pelo óleo Cheong Kun sublinha a importância em todo o processo do Parque Científico e Industrial de Medicina Tradicional Chinesa para a Cooperação entre Guangdong–Macau. “O parque dispõe de recursos humanos bilingues, bem como de contactos com hospitais e distribuidores nos países de língua portuguesa”, refere. “Da tradução de documentos ao registo no país, das negociações com distribuidores às promoções no mercado, o parque ajudou-nos a fazer tudo em português.”
O responsável explica que a entrada em Moçambique se fez primeiro através dos hospitais, para que os médicos e os consumidores locais conhecessem o produto pela sua utilização em tratamentos, ganhando assim confiança nas suas qualidades terapêuticas. A empresa beneficiou também de apoios ao nível do envio de médicos chineses a Moçambique para ensinar os colegas locais a utilizar o óleo medicinal em massagens e terapias de acupunctura.
Segundo Cheong Lok Kei, foram vendidas mais de 3000 garrafas de óleo Cheong Kun em Moçambique no primeiro ano. No entanto, devido à pandemia de COVID-19, o negócio no país africano abrandou, havendo agora um novo plano de retoma para este ano.
“Moçambique é a nossa primeira expansão para o mundo lusófono, onde estamos em missão experimental e promocional. O nosso objectivo é promover a medicina tradicional chinesa em mais países de língua portuguesa”, afirma o responsável, dando o exemplo do Brasil. “É um mercado grande, com muitos operadores, e a procura por produtos como os nossos tem muito potencial.”
Dar continuidade à marca
Cheong Lok Kei acredita que a Medalha de Mérito Industrial e Comercial recentemente atribuída pelo Governo de Macau à empresa responsável pelo óleo Cheong Kun premeia a resiliência de três gerações. “Acima de tudo, este produto conta a história do meu avô e do esforço do meu pai. Ao fim de tantos anos, é uma história que continua a não ficar para trás, que se tem tornado mais popular ano após ano”, diz o actual líder da empresa, sublinhando que o óleo Cheong Kun é “um produto especial de Macau”. E acrescenta: “Por isso, sinto a responsabilidade de dar continuidade a esta marca, tanto para Macau como para a minha família”.
O futuro, na sua opinião, passa pela aposta do Governo de Macau na indústria de “big health” de medicina tradicional chinesa, um dos quatro sectores escolhidos pelas autoridades locais para promover a diversificação económica do território.
“Dentro de cinco anos, prevejo que este sector vá prosperar no território, com produtos tradicionais e outros inovadores”, afirma Cheong Lok Kei. “Actualmente, muitas fábricas de medicamentos em Macau, incluindo a nossa, têm programas de formação e investigação com as universidades locais. Com a nossa vantagem de sermos uma cidade turística internacional, acredito que Macau pode ser um local promissor no campo da medicina tradicional chinesa.”