Chef, académico, autor premiado, enófilo confesso e hedonista assumido. Especialista nas técnicas e nos sabores da cozinha ocidental e apaixonado pela gastronomia portuguesa, David Wong viveu mil e uma vidas, dentro das cozinhas e fora delas. O sócio fundador da Associação Culinária de Macau acompanhou, ao longo das duas últimas décadas, a transformação do vibrante cenário gastronómico do território
Texto Marco Carvalho
David Wong Yuk Shan iniciou a sua caminhada no mundo dos temperos e dos sabores nas entranhas do restaurante chinês de que os pais eram proprietários em Kent, na Inglaterra, antes de se aventurar em cozinhas de França, de Macau e da Tailândia. Hoje, é um homem com muitas vidas e ainda mais facetas.
Nascido em Hong Kong e criado no Reino Unido, país para onde os pais migraram era ele criança de tenra idade, o actual director executivo da Academia de Restauração da Wynn cresceu entre rizomas de gengibre, garrafas de molho de ostra e ramos de cebolinho. Mas foi o subtil aroma do bouquet garni – o ramo de cheiros usado para temperar alguns dos mais delicados molhos, caldos e cozidos da tradição gastronómica francesa – que lhe abriu as portas de uma ditosa e bem-afortunada carreira entre tachos e panelas.
“Os meus pais tinham restaurantes no Reino Unido. O meu envolvimento nas lides da cozinha começou, por isso, literalmente quando nasci. Mudei-me para o Reino Unido quando tinha quatro anos e os meus pais tinham um restaurante chinês em Kent, que é uma região muito agradável do Sudeste de Inglaterra, conhecida como ‘o jardim do Reino Unido’. A minha infância foi passada neste mundo dos restaurantes”, recorda David Wong.
“Os meus pais são chineses, mas, na hora de aprender, o que aprendi foram as técnicas ocidentais. A comida chinesa que confecciono fica aquém da comida de estilo ocidental, até porque, basicamente, a minha formação é em gastronomia francesa. Trabalhei em França e muitos dos chefes com quem trabalhei tinham como foco a gastronomia francesa. O que aprendi foram os aspectos fundamentais da arte da cozinha”, explica.
Foi, no entanto, em Macau – onde chegou pela primeira vez em 1995 para assumir, durante um par de anos, as funções de sous-chef na cozinha do antigo hotel Mandarin Oriental – que os astros se alinharam definitivamente, colocando-o na rota do que acabaria por se tornar numa paixão: a gastronomia portuguesa.
Ingredientes para o sucesso
A viagem de descoberta que iniciou durante a primeira passagem pelo território – onde regressou em Janeiro de 2006 – após experiências profissionais em Singapura e na Tailândia, culminou em 2012 com a publicação de “The Art of Modern Portuguese Cuisine” (“A Arte da Cozinha Portuguesa Moderna”, em tradução livre), obra que foi agraciada com o prémio Gourmand para o Melhor Livro para Profissionais da Indústria da Alimentação.
“Macau ofereceu-me a oportunidade de provar pratos portugueses com bastante regularidade e acabei por me apaixonar pelo vinho português, pela comida portuguesa. Passei uma temporada em Portugal a pesquisar e a investigar, visitei vinhedos no Douro e no Alentejo. Comi imenso, bebi imenso, fiz bons amigos nas cozinhas e nas vinhas de Portugal. E isso ajudou ao resultado final, até porque procurei incluir no livro as recomendações deles, por exemplo, sobre que vinho deve ser servido com determinado prato”, explica David Wong.
A frescura dos alimentos é, no entender de David Wong, uma das subtilezas que continuam a dificultar a missão de alavancar Macau ao estatuto de destino incontornável no roteiro global do turismo gastronómico.
“Temos de importar praticamente tudo do Interior da China, do Japão, da Austrália e da Europa. Refiro-me, obviamente, a produtos frescos. E o processo de importação dos produtos faz com os alimentos percam essa frescura, mesmo que só demorem um ou dois dias a chegar a Macau.
Diversidade é, de resto, um conceito-chave para o antigo vice-coordenador do Departamento de Restauração do Instituto de Formação Turística de Macau (IFTM), organismo onde ao longo de mais de uma década aprofundou uma abordagem holística e integral do universo da gastronomia.
“Oferecer boa comida, hoje em dia, não é suficiente para fazer com que as pessoas regressem aos restaurantes. A competição é tanta e é tão feroz que boa comida não basta. Para que as pessoas regressem é necessário que se sintam em casa. É necessário que sejam bem recebidas, que o serviço seja excepcional. Este tipo de detalhes faz com que os clientes se sintam bem-vindos e este é um dos grandes desafios hoje em dia”, defende David Wong.
Diversificar a oferta
A designação de Macau como Cidade Criativa da UNESCO na área da Gastronomia, em 2017, fez incidir uma nova luz sobre a diversidade de culturas gastronómicas que fizeram do território um destino singular e constituiu um incentivo de relevo para a salvaguarda da cozinha macaense, refere o chef. Mas, ressalva, há ainda um longo caminho a trilhar para que Macau se possa afirmar como um destino para quem gosta da boa mesa e a gastronomia possa dar um contributo decisivo para a diversificação do tecido económico local.
“Para quem quer provar comida chinesa, Macau está entre os melhores locais do mundo. Há muitos restaurantes chineses de boa qualidade, há alguns japoneses, alguns italianos e alguns portugueses. Mas não há muito mais, salienta David Wong. “É necessário garantir uma maior diversidade para que um destino gastronómico possa ser verdadeiramente internacional. Por outro lado, é necessário que quem nos visita tenha um conhecimento mais amplo sobre a variedade de culturas gastronómicas que Macau proporciona, para que quem chega ao território se sinta impelido a ir além dos restaurantes chineses”, argumenta.
Criada com o objectivo de acompanhar a carreira e promover o aperfeiçoamento dos profissionais do sector, a Academia de Restauração da Wynn tem procurado também contribuir para o desígnio de diversificar o panorama da oferta gastronómica em Macau, através da organização de eventos e festivais temáticos. Um dos mais recentes teve a malagueta e a cerveja como protagonistas e o sucesso foi tal que o evento se deve repetir, com maior projecção, no próximo ano.
“Organizámos no início de Novembro a primeira edição da ‘Digressão Mundial da Malagueta’ em Macau, que incluía um concurso de pratos picantes, mas também acções de formação com os chefs presentes.
No certame participaram profissionais em representação de países como o México, Moçambique, a Índia, a Turquia ou a Tailândia”, elenca David Wong. “O evento foi tão bem-sucedido que o vamos voltar a organizá-lo, certamente ainda com maior dimensão”, remata o responsável.