Lojas com história

Vestir a felicidade em linhas de tradição

A confecção de trajes de casamento chineses é uma das tradições locais incluídas no Inventário do Património Cultural Intangível de Macau. A Loja de Bordados Choi Sang Long, já centenária, é um dos estabelecimentos que mantêm viva esta forma de arte: aqui, um vestido produzido de forma artesanal pode demorar mais de meio ano até estar pronto

Texto Cherry Chan
Fotografia Wong Sio Kuan

É numa das zonas mais antigas de Macau, a Rua dos Mercadores, que a tradição ainda é o que era. Aí se situa a Loja de Bordados Choi Sang Long, nome reputado localmente quando em causa está todo o universo de artigos necessários para celebrar um matrimónio auspicioso à maneira chinesa, a começar pela indumentária tradicional.

No interior do estabelecimento, predominam os tons de vermelho, pontuados por elementos em dourado. Afinal, são estas as cores preponderantes em qualquer boda chinesa, em particular o vermelho, por estar associado a momentos felizes e repletos de alegria – aquilo que se deseja a qualquer parelha de noivos para a sua vida futura em comum.

Atrás do balcão, está Wong Wing So, actual proprietário da loja. O septuagenário tomou conta do negócio familiar ainda na flor da idade, contando agora com cerca de meio século de experiência a vender felicidade a casais alheios.

A data da fundação da Choi Sang Long – cujo nome em chinês combina os caracteres alusivos a “colorido”, “negócio” e “prosperidade” – está já perdida nos anais da história. Certezas? Apenas que é um estabelecimento centenário.

No início, a loja não se dedicava à venda de vestuário e objectos cerimoniais de casamento: era um negócio de tingimento e comercialização de tecidos para o sudoeste asiático. O avô de Wong Wing So, então um funcionário da tinturaria, eventualmente assumiu a propriedade e deu início a uma empreitada que vai agora na terceira geração.

Foi a partir dos anos 1950, de forma gradual e já sob a gestão do pai do actual proprietário, que o estabelecimento passou a vender tanto indumentária formal de estilo ocidental como vestidos tradicionais chineses, acabando por se especializar em trajes matrimoniais. A especialização fazia sentido, já que nas imediações existiam outras lojas ligadas ao negócio dos casamentos, desde a produção de bolos tradicionais à comercialização de artigos em ouro, presença essencial numa boda chinesa.

De resto, a localização actual da loja não é a original, embora esta nunca tenha saído da Rua dos Mercadores. Segundo explica Wong Wing So, o estabelecimento teve de mudar de edifício, devido a um processo de reordenamento urbano durante a década de 1940. Apesar de um grave incêndio durante os anos 1990 que quase deitou tudo a perder, a Choi Sang Long conseguiu reerguer-se e reabrir portas meio ano após o desastre, portas essas que, três décadas depois, continuam a receber novos casais de noivos.

Por entre fénixes e dragões

A vetustez do estabelecimento é uma das razões que atrai à Choi Sang Long inúmeros nubentes, em busca de ofertar ao seu casamento uma patine de tradição, respeitando os costumes chineses. São muitos os passos a cumprir: na véspera ou madrugada do dia do matrimónio, a noiva participa numa cerimónia em que o seu cabelo é penteado usualmente pela mãe, simbolizando o caminho para uma vida adulta. Há depois a cerimónia de chá, em que os nubentes se ajoelham e servem chá aos pais e familiares de ambas as famílias, e ainda a cerimónia de preparação da cama para os já recém-casados, com recurso a lençóis vermelhos, para que o novo casal viva em harmonia, felicidade e… tenha rapidamente uma criança.

Para cada momento são necessários objectos específicos, carregados de simbolismo. “Os conjuntos cerimoniais de chá, os envelopes vermelhos ‘lai si’, o pente, os lençóis… podemos preparar tudo isso para os noivos”, diz Wong Wing So. No entanto, o que distingue a loja são mesmo os seus trajes de casamento, até porque este é considerado um dos elementos de maior importância para a celebração, carregando os desejos de uma união próspera e feliz.


“Quando fazemos um traje desde o início à mão, é frequente demorarmos quatro, cinco ou mesmo mais de seis meses a terminar”

WONG WING SO
PROPRIETÁRIO DA LOJA DE BORDADOS CHOI SANG LONG

Segundo explica o proprietário da Choi Sang Long, o vestido de casamento tradicional chinês é composto por duas partes: uma saia comprida conhecida por “qun” e a correspondente jaqueta, denominada de “gua”. Ambas as peças apresentam intricados padrões bordados onde se destacam as figuras de dragões e de fénixes. A escolha por estes animais mitológicos não é aleatória: na língua e cultura chinesas, o ditado “o dragão e a fénix trazem prosperidade” é foneticamente parecido com a expressão “amor duradouro”.

A tradição chinesa manda que os bordados sejam feitos utilizando fios de ouro e prata, seguindo técnicas artesanais, “o que requer mais tempo”, explica Wong Wing So. “Quando fazemos um traje desde o início à mão, é frequente demorarmos quatro, cinco ou mesmo mais de seis meses a terminar.” Tudo para que o produto final seja “muito pormenorizado e bonito”, assegurando a uniformidade e simetria dos padrões, a consistência dos bordados e a qualidade do trabalho, nota o proprietário da Choi Sang Long.

Há, depois, um outro método, utilizando lantejoulas. “Este consome menos tempo, uma vez que podemos juntar várias lantejoulas de uma só vez”, refere Wong Wing So.

Devido ao elevado custo associado aos trajes tradicionais, a Choi Sang Long recorre a outsourcing junto de empresas do Interior da China para parte da sua produção. Ainda assim, cada conjunto pode valer dezenas de milhares de patacas: quanto mais complexo e extenso o tipo de padrão bordado, mais cara se torna a peça. Daí que haja casais de noivos que prefiram alugar o traje ao invés de o adquirir.

Existe também a possibilidade de comprar vestidos produzidos em fábrica, cujo custo é menor, mas com impacto no que toca à qualidade e conforto finais. “Actualmente, já há alguns vestidos produzidos à máquina, mas quando os mostramos aos clientes, os vestidos são frequentemente considerados demasiado rígidos, fazendo com que as pessoas que os usam pareçam robôs”, comenta Wong Wing So.

O responsável nota que, apesar de o número de lojas que comercializam vestidos tradicionais de casamento ser limitado, continua a ser prática comum “que as noivas vistam estes trajes durante a cerimónia de oferta de chá aos membros mais idosos da família”. Segundo afiança, são vários os casos em que mãe e filha adquiriram o seu vestido na Choi Sang Long.

Elevado valor cultural

De acordo com o Instituto Cultural, a confecção de trajes de casamento chineses tem um “profundo valor cultural”, sendo uma “arte única”, transmitida ao longo de gerações. Em 2020, a prática foi adicionada ao Inventário do Património Cultural Intangível de Macau.

A Loja de Bordados Choi Sang Long fica situada na Rua dos Mercadores

Wong Wing So diz que, devido à distinção, “há mais pessoas interessadas nesta forma de produção artesanal e mais pessoas a discutir esta arte”. O responsável considera que tal é positivo: “Havendo mais atenção do público, a indústria desenvolver-se-á melhor”.

Em paralelo, o Governo de Macau tem vindo a apostar, de forma crescente, na promoção das zonas antigas da cidade e na divulgação das indústrias tradicionais do território, junto de locais e turistas. A Loja de Bordados Choi Sang Long consta em percursos de promoção do comércio tradicional sugeridos por entidades governamentais. “Estas promoções permitem que mais pessoas nos conheçam, e, naturalmente, isso ajuda-nos a ganhar popularidade”, sublinha Wong Wing So.

Olhando adiante, o responsável afirma que o futuro da arte de confecção de trajes de casamento chineses depende do interesse demonstrado pelas novas gerações. “Se estas tiverem vontade de continuar, então esta forma de artesanato pode prolongar-se”, vaticina.