Em Agosto, após mais de dois anos de renovação, reabriu portas o Grande Hotel, um edifício em tempos dos mais majestosos de Macau, no final da Avenida de Almeida Ribeiro. Para o início do próximo ano está prevista a abertura do Hotel Central, complexo que, no passado, foi o mais emblemático hotel da cidade
Texto Nelson Moura
Fotografia Wong Sio Kuan
De uma assentada, dois hotéis icónicos da Avenida de Almeida Ribeiro acordaram de um longo sono prolongado, com o Grande Hotel a abrir portas em Agosto deste ano e o Hotel Central a preparar-se para fazer o mesmo em Janeiro de 2024.
A Revista Macau mergulhou na longa história destes dois imóveis e conversou com os proprietários para saber mais sobre os esforços para modernizar os dois hotéis, bem como preservar as características arquitectónicas e os seus elementos históricos.
Apesar das alterações visíveis na paisagem da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM), o Hotel Central continua a ser o edifício mais alto da Avenida de Almeida Ribeiro, também conhecida como San Ma Lou, mantendo uma vista invejável do centro histórico de Macau, desde a Fortaleza do Monte às Ruínas de São Paulo e ao Porto Interior.
“É uma vista com mais de 100 anos. Vamos construir uma plataforma panorâmica para todas as pessoas poderem desfrutar desta vista”, diz à Revista Macau Simon Sio, secretário-geral da imobiliária Lek Hang.
Construído em 1928, o Hotel Central nasceu como Hotel Presidente, sendo rebaptizado com o seu nome actual em 1932.
Em 1937, o hotel recebeu investimento da Companhia Tai Heng, na altura a concessionária exclusiva da exploração de jogos de fortuna ou azar, controlada pelos comerciantes Fu Tak Iam e Kou Ho Neng. A Tai Heng procedeu a uma renovação do hotel e, nesse mesmo ano, abria o Hotel Central e Casino, oferecendo espaço de jogos de fortuna ou azar no seu quinto e sétimo andares. Na altura, foi o primeiro edifício em Macau com elevadores.
Como o jogo era ilegal na província de Guangdong, “os jogadores de Hong Kong logo inundaram a cidade, e, num piscar de olhos, o Hotel Central, localizado na Avenida de Almeida Ribeiro, e os casinos espalhados pelas estreitas vielas da Rua da Felicidade, Travessa do Auto Novo e Yee On Kok estavam lotados. Macau experimentou um ressurgimento económico, e a sua fama como o Monte Carlo do Oriente espalhou-se como fogo”, indica o livro “The Fu Tak Iam Story”.
Segundo a obra de Adrian Fu, havia uma intensa rivalidade entre os proprietários do Hotel Central e do então Hotel Internacional pelo glamoroso título de hotel mais alto da cidade.
Quando o magnata Huo Zhiting construiu o Hotel Internacional no final da San Ma Lou, ordenou que este tivesse nove andares, para que, quando fosse inaugurado em 1941, fosse mais alto do que o Hotel Central.
Isso levou os responsáveis do Hotel Central a ordenar imediatamente uma expansão e renovação do edifício, de maneira a acrescentar mais dois andares até 1942, tornando-o novamente a estrutura mais alta de Macau com 11 pisos.
Na década de 50, o Hotel Central contava também com um restaurante chamado Golden City, no sexto andar, um salão de dança e um bar, uma casa de chá de ópera chinesa e vários outros restaurantes, tornando-se rapidamente um pouso popular para a elite da cidade.
No entanto, no início da década de 1960, com a perda da sua concessão de jogo para a Sociedade de Turismo e Diversões de Macau (STDM), o casino do Hotel Central foi obrigado a encerrar, dando início ao declínio do hotel e a várias décadas de abandono.
No início de 2016, a Lek Hang entrou em cena com o novo proprietário, Simon Sio, a sublinhar os seus planos para renovar as instalações e reabrir o local como um novo hotel que irá preservar parte da história da cidade e ajudar a revitalizar a área do Largo do Senado.
“Eu conheço os proprietários originais há muito tempo. Na altura, os proprietários diziam que o edifício era muito velho e tinham receio que algo acontecesse. Era uma família muito grande, muitos proprietários. Um dia disseram-me que queriam vender, mas decidiram fazê-lo através de concurso por convite. Eu fui um dos convidados”, lembra Simon Sio.
“Submetemos um pedido e ganhámos em 2016, com uma proposta de 1,5 mil milhões de dólares de Hong Kong. Nessa altura, adquirimos apenas 64 por cento do imóvel à família Fu, com o restante nas mãos da família Kou. Depois, negociei com a família para adquirir também a parcela deles.”
Está previsto que os trabalhos de renovação do Hotel Central terminem este ano. O imóvel já possui licença de hotel e, após as necessárias inspecções pelas autoridades locais, a abertura deve ter lugar no início de 2024.
“O novo Hotel Central terá 114 quartos, vamos tentar oferecer o melhor serviço aos hóspedes. Queremos que se sintam como se estivessem a viver nos anos 30 e 40 do século passado”, aponta o secretário-geral da imobiliária Lek Hang.
A paixão que Simon Sio demonstra pelo Hotel Central é palpável e muito se deve ao facto de o empresário ter nascido e crescido mesmo ao lado do hotel.
“Eu nasci em 1959 e a minha família morava em frente, do outro lado da rua [do hotel]. Na altura, Macau era muito pobre. Muitas vezes, após voltar da escola, eu corria para dentro do hotel. Um dia apanharam-me e atiraram-me de lá para fora”, conta o agora proprietário do estabelecimento.
“O meu primeiro emprego foi no Banco Tai Fung [em frente ao hotel] e às vezes ia com os meus colegas almoçar ao restaurante do hotel, era o melhor naquele tempo. Já na altura eu imaginava que um dia ia comprar este hotel, pois desde pequeno que olhava para o gigante e tinha esse sonho”, recorda.
O renovar da história
Segundo Simon Sio, o interior do hotel estava em “muito mau estado” quando foi adquirido e muito trabalho de restauração e de suporte foi necessário para assegurar que a estrutura se mantinha segura durante as obras.
No total, o hotel foi alvo de duas remodelações, a primeira para assegurar que a estrutura em alicerces se mantinha estável, e a segunda com a intervenção de vário arquitectos de Macau, Hong Kong e do Interior da China para decidir como ressuscitar o icónico edifício sem o fazer perder as suas características originais.
Uma companhia de design de interiores de Shenzhen foi contratada para desenvolver o conceito de decoração interior, optando por um design vintage que adorna os 114 quartos do renovado hotel.
“Consultámos também um professor para saber melhor como recriar a história do hotel. Estamos também a produzir um documentário sobre o hotel e a Avenida de Almeida Ribeiro e a editar um livro sobre o Hotel Central”, revela Simon Sio.
A empresa trabalhou também em estreita colaboração com o Instituto Cultural de Macau, de maneira a estabelecer que características do exterior do hotel seriam mantidas.
“Toda a fachada será preservada e a sua estrutura e altura actuais serão mantidas. O letreiro original tem de ser mantido, o Instituto Cultural insiste que tem de ter os caracteres originais, do mesmo tamanho, da mesma cor. Queremos manter a memória original do hotel”, aponta o proprietário.
“Tivemos muitas reuniões, contactos e discussões com o Instituto Cultural sobre a melhor maneira de preservar o edifício, mas recebemos muita assistência da parte deles também”, assegura.
“Juntos podemos escrever uma nova página da sua história. Queremos que este ‘idoso’ de 100 anos viva mais 100 anos.”
Do meio ao fim da rua
A cerca de 500 metros do Hotel Central, localizado em frente ao complexo Ponte 16, encontra-se outro ex-libris da cidade agora renovado, o Grande Hotel. Projectado em 1937 pelo engenheiro português João Canavarro Nolasco e concluído em 1940, o Grande Hotel era considerado um dos edifícios mais majestosos da cidade naquela época.
Uma empreitada conjunta entre Fok Bo-choi, filho do empresário de Guangzhou Fok Chi-ting, e o seu primo, Wu Weiting, o hotel oferecia um restaurante de comida chinesa, um de comida ocidental, um cabeleireiro, um salão de dança e um bar, com um clube nocturno no terraço.
Um importante edifício de estilo modernista em Macau, o hotel com cerca de 40 metros de altura e nove pisos permaneceu desocupado durante décadas após ter sido encerrado em 1996. O edifício foi posteriormente vendido, parcialmente renovado e readquirido pelos seus actuais proprietários, Casa Hotel Management.
Esta empresa, gerida por três irmãs – Vivian Lu, Jessica Lu e Veronica Lu –, é actualmente responsável por nove hotéis low-cost, todos decorados com toques de Portugalidade.
“Os anteriores proprietários enfrentaram muitos problemas na remodelação e decidiram vender. O investimento para adquirir e renovar o hotel atingiu os 700 milhões de dólares de Hong Kong”, conta Vivian Lu à Revista Macau.
“Considerando a quantidade de hotéis de cinco e quatro estrelas que existe na cidade, vimos uma oportunidade de oferecer mais escolhas low-cost aos turistas. Uma escolha conveniente e mais acessível para se visitar Macau”, acrescenta.
“O factor histórico contou muito na decisão de comprar o Grande Hotel. Estava abandonado há muito tempo e em péssimo estado. Queríamos ressuscitar este ícone da cidade, mas adaptando-o ao nosso modelo de negócio”, destaca Vivian Lu. “A nossa ideia nunca foi ser o hotel mais luxuoso de Macau, mas criar uma oferta acessível e que permita a mais pessoas conhecer o centro histórico da cidade.”
Vivian Lu diz também que o projecto foi de encontro às pretensões da Direcção dos Serviços de Turismo, visto que um dos objectivos passa por criar maior dinâmica turística nas redondezas da Avenida de Almeida Ribeiro, considerando que a maioria do movimento de visitantes tem lugar junto do Largo do Senado.
“Ter o hotel aqui tem atraído mais pessoas para esta zona e para a área do Mercado de São Lourenço”, adianta Vivian Lu.
O processo de recuperação do Grande Hotel teve início em 2021 e foi no mínimo “desafiante”, conta a responsável. “Os requisitos urbanísticos em 1937 eram muito diferentes e, devido à idade e ao estado de conservação do edifício, muito trabalho teve de ser efectuado para ter a certeza que o edifício cumpria com todos os requisitos de segurança. Estudámos também várias fotografias históricas para conseguir perceber melhor como era o hotel”, recorda.
Desde o início, a empresa planeava manter a estrutura, dimensão, arquitectura e alguns detalhes interiores originais do Grande Hotel.
“O design interior é a nossa visão da fusão de elementos portugueses e chineses. O mais desafiante foi o exterior do hotel, pois foi necessário manter a fachada de pedra exactamente como era anteriormente. A fachada foi construída com pedra de calcário e, actualmente, é quase impossível arranjar alguém especializado neste tipo de construção”, realça Vivian Lu.
“Tivemos de procurar muito bem os artesãos que pudessem ajudar com o tipo de pedra usado no exterior do hotel. Tentámos vários métodos para que a pedra mantivesse o mesmo aspecto, mas acabou por não funcionar devido a certos problemas”, recorda.
Segundo Vivian Lu, os requisitos impostos pelo Instituto Cultural eram muitos e variados, principalmente no que toca à fachada e às janelas. “Por exemplo, o estilo da moldura das janelas teve de ser mantido. O tipo de fonte no nome do hotel tem de ser o mesmo também. Tivemos de procurar um mestre de caligrafia só para tratar disto”, revela a proprietária.
Apesar de o restaurante original do hotel ser uma das suas maiores atracções durante os seus tempos de glória, Vivian Lu diz que, após estudar a situação, a empresa decidiu não reabrir o espaço, pois “as ofertas de restauração na cidade são já consideráveis”.
O hotel possui actualmente quase 100 quartos e, apesar de várias obras de renovação ainda estarem em curso, os proprietários decidiram por uma abertura parcial a 18 de Agosto. A procura, diz a responsável, tem justificado a decisão da empresa em fazer renascer o Grande Hotel, numa altura em que o número de turistas em Macau continua a aumentar.