É a chave para o desenvolvimento económico de Cabo Verde. As autoridades cabo-verdianas elegeram o mar como um dos motores de crescimento do arquipélago, numa estratégia em que a Zona Económica Especial Marítima de São Vicente adquire uma importância fundamental. Mas Cabo Verde, diz o representante do país no Fórum de Macau, Nuno Furtado, quer mais: com a ajuda de Macau, quer tornar-se um posto avançado da iniciativa chinesa “Uma Faixa, Uma Rota”
Texto Marco Carvalho
O que pode um pequeno arquipélago vulcânico e, em grande medida, árido oferecer à segunda maior economia do mundo? A resposta, por muito envolvente que seja, nem sempre é tão óbvia como seria de supor, mas as autoridades cabo-verdianas estão apostadas em alterar um tal cenário.
Com uma posição geoestratégica privilegiada no coração do Oceano Atlântico, no centro das rotas comerciais que ligam a África, a América e a Europa, Cabo Verde tem no mar a sua maior riqueza e o mar é um dos pilares fundamentais do plano “Cabo Verde Ambição 2030”, a estratégia de desenvolvimento sustentável com que o Governo quer alavancar o crescimento económico do país.
Economia do mar e economia azul – que acrescenta à primeira o pressuposto da sustentabilidade – são conceitos chave nas políticas de desenvolvimento traçadas pelo Governo cabo-verdiano. O programa “Cabo Verde Ambição 2030” aposta forte em domínios como o turismo e a pesca, mas também no fomento de sectores menos tradicionais, como a inovação tecnológica e a agilização da economia digital.
“Esta é uma estratégia que está alinhada com os objectivos de desenvolvimento sustentável das Nações Unidas e Cabo Verde tem vindo a trabalhar de forma muito aprofundada no desenvolvimento sustentável do arquipélago”, salienta Nuno Furtado, delegado de Cabo Verde junto do Secretariado Permanente do Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa (Macau), também conhecido como Fórum de Macau. “Neste âmbito, o Governo elegeu como estratégia o desenvolvimento do turismo sustentável e o desenvolvimento da economia do mar, também numa perspectiva de sustentabilidade.”
Por outro lado, acrescenta Nuno Furtado, o Governo cabo-verdiano “elegeu a economia digital como uma forma de o país atrair mais investimento directo estrangeiro, através da construção de parques tecnológicos na Praia e na cidade do Mindelo”. “Por arrastamento, estes sectores vão também alavancar outras áreas estratégicas, com uma aposta muito forte na inovação e na economia digital”, afirma.
Âncora de desenvolvimento
Se a aposta no sector das pescas e do turismo se prefigura, em grande medida, como evidente numa nação integralmente insular, o forte potencial do arquipélago enquanto centro logístico transformou o projecto de implementação da Zona Económica Especial Marítima de São Vicente numa âncora estratégica do processo de desenvolvimento de Cabo Verde. O objectivo das autoridades cabo-verdianas é o de dotar a ilha de São Vicente das condições necessárias para transformar o arquipélago num posto avançado da iniciativa chinesa “Uma Faixa, uma Rota”.
A iniciativa “Uma Faixa, Uma Rota”, lançada há uma década, conta com o envolvimento de 152 países – de acordo com dados até Junho de 2023 –, tendo estado na base, desde 2013, de vários projectos visando uma maior interligação entre as nações participantes. Através da construção de rotas terrestres – a que se somariam marítimas –, a China pretende impulsionar uma maior ligação entre a Ásia, a Europa e a África, promovendo o comércio e os canais de transporte.
“A nossa presença em Macau, através do Fórum de Macau, é uma iniciativa muito importante, do ponto de vista da proximidade entre a China e os países lusófonos”
NUNO FURTADO
DELEGADO DE CABO VERDE JUNTO DO FÓRUM DE MACAU
“Continuamos a promover de uma forma muito próxima com o Governo chinês o desenvolvimento de projectos ligados ao sector do mar. Desde logo, com o estabelecimento da Zona Económica Especial Marítima em São Vicente, que é um projecto que contou com muito apoio do Governo chinês, tanto na elaboração, como nos estudos de viabilidade. Trouxemos aqui várias equipas de Cabo Verde, com o propósito de fazer com que percebam como funciona uma zona económica especial e o contributo que ela dá à economia marítima”, sustenta o representante de Cabo Verde junto do Fórum de Macau.
“É um projecto que se insere naquilo que podemos denominar como cooperação no âmbito da Faixa Marítima da Rota da Seda. Nós também fazemos parte desta Rota Marítima da Seda e, portanto, é no âmbito deste projecto que nós continuamos a dialogar com empresas estratégicas do sector marítimo da China e também com o próprio Governo Central, na prossecução de objectivos muito claros que têm que ver com o desenvolvimento da zona económica especial em São Vicente”, complementa Nuno Furtado.
Capacitação de recursos
A visão, inerente à implementação da Zona Económica Especial Marítima, de transformar Cabo Verde numa plataforma marítima e contribuir para a inserção do arquipélago na economia regional e mundial, eleva a um novo patamar a cooperação entre a nação africana e a China, que, de resto, tem sido um dos principais parceiros de desenvolvimento de Cabo Verde. A cooperação chinesa ajudou a dotar o país de infra-estruturas, mas também a capacitar o arquipélago através da formação de quadros qualificados, entre eles o próprio Nuno Furtado.
“Cabo Verde tem trabalhado de forma estratégica com a China em vários sectores, começando pelo sector das infra-estruturas, da formação e da educação, mas também na capacitação institucional, em domínios como a medicina. A China envia regularmente várias equipas de médicos para os hospitais do país”, refere o responsável. “Nós temos trabalhado também ao nível do ensino superior. Em Cabo Verde temos mais de 300 jovens que foram formados na China”, ilustra o delegado cabo-verdiano, antigo aluno da prestigiada Universidade Renmin, em Pequim, onde aprendeu o idioma chinês.
“A língua chinesa é, sem qualquer dúvida, uma componente importante na comunicação com as empresas chinesas. Facilita e é algo que cria um ambiente totalmente diferente de comunicação e de aproximação. É importante saber um pouco mais sobre a cultura chinesa. Facilita a integração dos delegados o mais rapidamente possível naquilo que é a sua missão de comunicação e de aproximação com o empresariado chinês”, assume Nuno Furtado.
Desde 1975, ano da independência de Cabo Verde, que as relações bilaterais entre os dois países têm sido sustentadas por um “espírito de cooperação e de amizade” que, defende Nuno Furtado, ganhou uma maior profundidade com a criação, há vinte anos, do Fórum de Macau.
Mundo de oportunidades
“A nossa presença em Macau, através do Fórum de Macau, é uma iniciativa muito importante, do ponto de vista da proximidade entre a China e os países lusófonos. A presença aqui constitui também uma forma de darmos suporte às relações bilaterais, porque estamos a falar de um território enorme e de países com missões diplomáticas muito reduzidas, como é o caso de Cabo Verde”, realça Nuno Furtado. “A presença de Cabo Verde nesta plataforma do Fórum de Macau é de extrema importância para poder alavancar aquilo que são as várias iniciativas que a China vem propondo aos nossos países.”
Segundo o responsável, a cooperação bilateral não se trata apenas da colaboração na iniciativa “Uma Faixa, uma Rota” ou no projecto da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau.
“Agora temos também o projecto em Hengqin, da Zona de Cooperação Aprofundada [entre Guangdong e Macau]. São várias as iniciativas em curso e, por vezes, uma missão diplomática sozinha e de reduzida dimensão não consegue dar resposta a todos estes impulsos”, aponta o delegado de Cabo Verde. “Daí que a nossa presença nesta zona do sul da China seja de extrema importância para nos podermos aproximar do empresariado chinês e para fortalecer a área da cooperação empresarial”, acrescenta.
Iniciativas inerentes ao desenvolvimento da Grande Baía e à Zona de Cooperação Aprofundada abrem portas a novas perspectivas de intercâmbio e de aprofundamento das relações, ainda que nem sempre seja evidente de que forma os países de língua portuguesa podem contribuir para a consolidação dos projectos.
“Temos andado a passos muito rápidos, sem consolidar exactamente aquilo que são as estratégias de intervenção dos países de língua portuguesa nestas iniciativas. Às vezes perde-se um bocado a orientação de como é que os países podem contribuir para uma maior participação nessas iniciativas”, sublinha Nuno Furtado.