A visão para um corredor tecnológico na Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau começa a ganhar forma, com centros de dados para suportar redes de computação inteligente e projectos inovadores para desenvolver um novo modelo de economia digital
Texto Tiago Azevedo
Uma viagem pela região da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau não está completa sem se conhecer os avanços tecnológicos e os corredores da inovação que percorrem as várias cidades da província de Guangdong. Desde robôs humanóides a carros eléctricos, casas inteligentes e centros de aceleradores de partículas, são vários os projectos que colocam Guangdong na vanguarda da tecnologia.
As “Linhas Gerais do Planeamento para o Desenvolvimento da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau”, publicadas em 2019, frisaram a necessidade de estabelecer um corredor de inovação tecnológica ligando as cidades de Cantão, Shenzhen, Hong Kong e Macau. Estas quatro cidades centrais devem funcionar como “motores essenciais” do projecto da Grande Baía, segundo as directrizes do Governo Central.
O objectivo, de acordo com o documento, é criar um centro internacional de inovação tecnológica, aprofundando a cooperação entre Guangdong, Hong Kong e Macau, para desenvolver a Grande Baía como “a locomotiva da inovação tecnológica mundial e de indústrias emergentes”.
Numa mistura de projectos suficientemente amadurecidos com produtos e tecnologias que ainda procuram espaço no mercado, a Grande Baía caminha a passos largos para se transformar num centro internacional de inovação tecnológica de influência mundial.
Foi essa a realidade que uma delegação de jornalistas de Macau foi conhecer, num périplo pela Grande Baía, organizado pelo Comissariado do Ministério dos Negócios Estrangeiros da China na Região Administrativa Especial de Macau (RAEM), com o apoio do Gabinete de Ligação do Governo Popular Central na RAEM.
Num discurso no primeiro dia da visita, a directora-geral do Gabinete de Relações Exteriores de Guangdong, Liu Chenzi, recordou que a Grande Baía deve ser um “centro estratégico” nesta nova fase de desenvolvimento nacional, cujo progresso deve incorporar medidas “pioneiras e de elevada qualidade”.
“Guangdong irá continuar a trabalhar conjuntamente com Hong Kong e Macau para promover e acelerar o desenvolvimento da Grande Baía, tornando esta zona numa região de classe mundial”, frisou a dirigente.
Olhos em Macau
São vários os projectos tecnológicos que ganham forma de norte a sul de Guangdong, muitos deles com o objectivo de entrarem no mercado de Macau.
Na era da robótica associada a sistemas cada vez mais inteligentes, a UBTECH Robotics – um dos cinco principais fabricantes de robôs humanóides a nível global – está apostada em fazer da sua tecnologia uma realidade do dia-a-dia não só das instituições, mas também das famílias. De robôs de interacção com crianças e de apoio ao ensino a sistemas autónomos de ajuda a idosos, a empresa preconiza “levar um robô a cada família”.
Fundada em 2012, na cidade de Shenzhen, a UBTECH foi responsável por lançar no mercado chinês o primeiro robô humanóide em tamanho real, designado Walker.
Actualmente, a UBTECH possui uma vasta rede de tecnologias robóticas humanóides totalmente integradas, com base em sistemas de inteligência artificial, colaborando com cerca de 900 empresas em mais de 50 países e regiões a nível global.
Só no campo do ensino, a empresa providencia materiais educativos sobre inteligência artificial a mais de 3000 escolas no Interior da China, bem como a instituições em mais de 30 países e regiões. “Somos actualmente um dos principais fornecedores mundiais de materiais didácticos em termos de inteligência artificial”, sublinhou Michael Tam, director de marca da UBTECH.
Em declarações aos jornalistas de Macau, o mesmo responsável realçou que as gerações mais jovens “têm que aprender como funciona a inteligência artificial e quais as suas aplicações”.
“A inteligência artificial está a mudar o mundo, portanto, é importante que os mais jovens comecem desde cedo a aprender sobre tecnologia avançada e as suas aplicações”, referiu.
Michael Tam adiantou que a UBTECH está actualmente a negociar com as autoridades de Macau a possibilidade de fornecer materiais didácticos e robôs às escolas da RAEM.
“Estamos em negociações com várias entidades em Macau para entrar no sector da educação, incluindo as autoridades de Macau e as escolas locais”, frisou. Além disso, acrescentou, há outras oportunidades que podem ser exploradas no mercado da RAEM, como nos sectores do turismo e da logística. “Os nossos robôs podem ser usados na área do turismo e da prestação de serviços, ajudando, por exemplo, a resolver o problema da escassez de mão-de-obra”, disse o representante da UBTECH.
Sistemas inteligentes
Também a gigante de telecomunicações e fabricante de tecnologia Huawei procura oportunidades para se expandir em sectores específicos em Macau, nomeadamente nas áreas da construção, hotelaria e gestão de edifícios.
Em Shenzhen, a delegação de jornalistas da RAEM visitou o andar modelo das casas inteligentes da Huawei, um sistema que incorpora cada vez mais funcionalidades.
O uso de recursos que contam com conectividade através de redes sem fios e inteligência artificial começa a ser uma tendência, permitindo automatizar múltiplas tarefas e controlar diversos aparelhos à distância de um clique.
As tecnologias da Huawei nesta área podem ser aplicadas “não só em casas e hotéis, mas também na construção e gestão de edifícios e escritórios”, disse o vice-presidente do sistema de casas inteligentes da Huawei, Oliver Wu, em declarações à Revista Macau.
Embora mais conhecida pelos seus produtos no sector das telecomunicações, a Huawei lançou oficialmente o sistema de gestão inteligente de edifícios há cerca de três anos.
A indústria hoteleira poderá ser um sector chave para o sistema da Huawei. A tecnologia inteligente da empresa pode ajudar a “economizar o uso de energia” nos hotéis e permite configurar os quartos de forma mais exclusiva para cada hóspede.
“Neste momento, estamos a considerar oportunidades no mercado de Macau, mas ainda estamos numa fase embrionária”, salientou Oliver Wu, referindo que esta tecnologia já está em uso no Interior da China. “Estamos a estudar o mercado de Macau e a ver quais as melhores soluções, até porque Macau pode ser o ponto de partida para a expansão internacional neste segmento.”
No norte da província de Guangdong, a cidade de Shaoguan também pretende cooperar com Macau na área da alta tecnologia, nomeadamente no que toca a serviços relacionados com “big data”. A ideia foi defendida por responsáveis de Shaoguan no encontro com a delegação de jornalistas de Macau.
O Centro de Dados de Shaoguan – um dos oito pilares da rede integrada de computação nacional – espera fornecer os seus serviços a Hong Kong e Macau até 2025, funcionando como uma plataforma para o desenvolvimento da economia digital na Grande Baía. De acordo com as projecções dos responsáveis de Shaoguan, o valor da indústria de “big data” será superior a 80 mil milhões de renminbi em 2025, subindo para 200 mil milhões de renminbi cinco anos mais tarde.
O centro tem 3000 torres de servidores prontas a entrar em funcionamento, mas espera ter disponíveis cerca de 500.000 torres em 2025, providenciando alojamento para centros de dados urbanos de várias cidades na região, bem como para outras zonas do país.
Lu Qiwei, presidente da China Electronics & Eagle Soul Intelligent Interconnection (Shenzhen), empresa que gere o centro, destacou o potencial da cooperação com Macau. “Tal cooperação apresenta uma oportunidade significativa”, afirmou. “Estamos dispostos a explorar modelos para a cooperação ao nível da indústria de ‘big data’ entre Shaoguan e Macau.”
Parcerias na investigação
No que toca ao desenvolvimento e transformação tecnológica, as três regiões que compõem a Grande Baía possuem várias instituições de ensino superior, unidades de investigação científica e empresas de alta tecnologia, que garantem uma base sólida para a criação de um centro internacional de inovação.
A meta traçada pelas autoridades visa formar na Grande Baía, até 2035, “um sistema económico e um modelo de desenvolvimento baseado principalmente na inovação”, contribuindo para elevar a capacidade económica e tecnológica da região.
A Universidade de Macau (UM), por exemplo, está a colaborar em projectos de investigação com instituições na cidade de Dongguan.
A UM assinou um “protocolo abrangente” para que os seus estudantes possam realizar a tese de investigação no Laboratório de Materiais do Lago Songshan, diz o director do laboratório, Chen Dongmin. Cada programa específico pode ser coordenado independentemente por cada uma das faculdades da UM, adiantou o responsável.
De acordo com Chen Dongmin, no que toca a apoios financeiros, o laboratório tem duas estratégias para atrair investigadores: investigação aplicada e comercialização dos produtos e tecnologia. “O nosso objectivo é apoiar os investigadores na fase inicial do processo, ajudando a desenvolver os seus projectos até que tenham uma aplicação e atraiam investimento para que sejam comerciáveis”, explicou o director do laboratório.
Professores e investigadores da UM estão também a desenvolver projectos de investigação no Centro de Espalação de Neutrões da China, revelou Tony Tong, um dos investigadores do centro localizado em Dongguan.
O centro, cuja primeira fase envolveu um investimento de 2,3 mil milhões de renminbi, abriu portas em 2018, tornando-se no quarto centro do género a nível mundial. A construção da estação foi financiada pelo Governo Central, recebendo anualmente 200 milhões de renminbi para as suas operações.
A estação fornece uma plataforma de pesquisa científica avançada para projectos nos mais diversos campos, incluindo ciência e tecnologia de materiais, indústria química, física, ciências da vida e novas energias.
Segundo Tony Tong, o acelerador de partículas dispara feixes de neutrões a alta velocidade para extrair informação. O mecanismo é complexo, mas a missão é muito simples: ajudar os investigadores a descobrir os ingredientes básicos na composição de todos os materiais, acrescenta.
Os serviços que presta são gratuitos para todos os projectos que se candidatam a usar a estação, incluindo académicos, instituições e empresas que procuram efectuar uma investigação multidisciplinar. Ao longo dos anos, referiu o investigador, o número de candidaturas provenientes de Macau e Hong Kong tem vindo a aumentar, tendo o centro já recebido alguns projectos da UM.
De acordo com Tony Tong, o centro irá no futuro expandir a sua capacidade no que toca ao acelerador de neutrões, com um investimento adicional de 3 mil milhões de renminbi. Além disso, será também construído um complexo de raio-X para alargar as capacidades do centro, num plano que deverá custar cerca de 5 mil milhões de renminbi e demorar entre cinco e dez anos a construir.
Os investimentos são elevados, mas contam com forte apoio das autoridades e empenho dos empreendedores, num compromisso para tornar real o “corredor de inovação científica e tecnológica”, um dos pilares do plano gizado pelo Governo Central para o desenvolvimento da Grande Baía.