Com mais de 150 anos de história, a loja Hung Heng fez da especialização no comércio de coco em diferentes formatos uma fórmula de sucesso. A marca nativa de Macau é um dos poucos sítios no território onde é ainda possível comprar cocos para oferenda de casamento, uma tradição local
Texto Cherry Chan
Fotografia Leong Sio Po
A área que envolve a Rua da Tercena, a Rua de Cinco de Outubro, a Rua do Teatro e a Travessa do Armazém Velho é uma das mais antigas e, ainda hoje, pitorescas da península de Macau. Aí, é possível encontrar algumas das lojas mais tradicionais do território. Entre elas está o estabelecimento Hung Heng, com raízes que remontam aos tempos da dinastia Qing e especializado na comercialização de produtos à base de coco.
Situada desde o início na Rua da Tercena, a loja é hoje uma das últimas na cidade – se não mesmo a derradeira – dedicada à venda exclusiva de produtos de coco produzidos de forma artesanal. Criada em 1869, a gestão está actualmente a cargo de Lei Heng Keong, bisneto do fundador.
A localização espelha as raízes centenárias do estabelecimento, que não possui qualquer outra filial. Isto porque o nome chinês da Rua da Tercena remete para a venda de fruta, já que esta era uma zona onde existiam diversos comércios desse tipo. E não é só o nome da rua que carrega simbolismo: o mesmo acontece com a própria denominação da loja. Lei Heng Keong explica que o caracter chinês “Hung” significa “bastante” e “grande”, reflectindo a esperança do seu bisavô de que o negócio pudesse prosperar. O certo é que a loja vai já na quarta geração da família.
O actual proprietário nota que a Hung Heng sempre se dedicou à venda de produtos à base de coco, desde polpa a água de coco ou coco estufado, assim como noz de areca, um tipo de palmeira das Índias Orientais, afamada pelos seus efeitos medicinais. “Já não vendemos noz de areca, mas temos gelado de coco”, diz Lei Heng Keong. De resto, o gelado está hoje entre os produtos mais populares do estabelecimento comercial.
Loja tradicional, métodos artesanais
Apesar da simplicidade do espaço, existem vários apontamentos que sublinham a vetustez da Hung Heng, desde letreiros antigos a fotos de época. Pendurados à porta, estão usualmente cocos de grande dimensão, o que torna a loja fácil de encontrar. Estes são também um dos produtos característicos da Hung Heng: a oferenda de cocos é parte dos ritos tradicionais de um casamento à moda chinesa em Macau.
A pronunciação da palavra “coco” em chinês assemelha-se à da expressão “com o avô e com o filho”, o que remete para uma aspiração tradicional de qualquer família chinesa: “três gerações sob o mesmo tecto” e muitos descendentes – daí a oferta desta fruta a casais de noivos, como sinal de bênção. Os cocos pendurados na entrada da Hung Heng são vendidos em pares, cada um dos quais apresentando o caracter chinês representativo da expressão “dupla felicidade” pintado a vermelho. “Este tipo de artigo é essencial para qualquer casamento tradicional chinês”, afiança Lei Heng Keong. “As pessoas ainda hoje continuam a usá-los.”
“Ainda utilizamos formas tradicionais de produção”
LEI HENG KEONG
PROPRIETÁRIO DA COCOS HUNG HENG
O proprietário assegura que os produtos de coco vendidos pela loja seguem métodos artesanais de produção, embora agora haja algum apoio de máquinas. “Ainda utilizamos formas tradicionais para extrair a água de coco, limpar e descascar a noz, bem como para cortá-la em pedaços, utilizando água a ferver para lavar e depois ralar a polpa da fruta e finalmente extrair o leite”, enumera. De acordo com o responsável, o leite de coco só pode ser extraído com sucesso após a realização desta sequência de passos. E são necessários vários cocos para obter leite suficiente para depois utilizar na manufactura de outros produtos. “São precisos pelo menos dez. Além disso, o processo leva tempo e envolve mais do que uma pessoa.”
Da Guerra do Pacífico ao Xiaohongshu
Em século e meio de vida dedicada à venda de produtos à base de coco, a Hung Heng enfrentou alguns desafios, como o impacto das inundações que historicamente afectam as zonas antigas da cidade. Ainda assim, a situação mais grave foi vivida durante a Segunda Guerra Mundial, no âmbito da Guerra do Pacífico. “Desde o início, usámos sempre cocos provenientes da Malásia. Durante a Guerra do Pacífico, Hong Kong e a Malásia foram ocupados e não conseguíamos importar cocos”, explica Lei Heng Keong. “Então, tivemos que fechar a loja por três anos e oito meses.”
O estabelecimento também teve de se adaptar à evolução da sociedade. “O negócio de vender apenas fruta e água de coco foi flutuando ao longo dos tempos. Por isso, começámos a produzir e vender gelado de coco a partir de 1962”, refere Lei Heng Keong. Em certas ocasiões, o portfolio de sabores é alargado, havendo também gelado de manga, chocolate e até de taro – mas estes não são itens regulares.
Mais recentemente, o perfil dos clientes mudou, fruto do impacto da COVID-19. “Costumávamos receber principalmente visitantes de Hong Kong, mas nos últimos anos a tendência mudou”, explica Lei Heng Keong. As restrições ao nível das viagens, ditadas pela pandemia, levaram a que a loja se focasse no mercado do Interior da China. Através de redes sociais populares do outro lado das Portas do Cerco, como a plataforma de partilha de vídeos curtos Douyin ou o Xiaohongshu – rede social visual conhecida em inglês como “Little Red Book” –, muitos turistas chineses ficaram a saber da existência da Hung Heng, passando a integrá-la nos seus roteiros de visita a Macau.
Lei Heng Keong também destaca o apoio providenciado pelo Governo da Região Administrativa Especial de Macau. “Estamos incluídos na lista de ‘Lojas com Características Próprias de Macau’, organizada pela Direcção dos Serviços de Economia e Desenvolvimento Tecnológico”, salienta o proprietário. O programa governamental, lançado em 2020, visa apoiar estabelecimentos de restauração e de comércio a retalho característicos de Macau, bem como promover a elevação da qualidade dos serviços prestados e a visibilidade das marcas locais. “O programa ajuda muito na divulgação da nossa marca junto de visitantes de outros lugares”, salienta Lei Heng Keong.