Com mais de quatro décadas dedicadas ao design gráfico, publicidade e arte, Wilson Chi-Ian Lam deixou a sua marca em Macau, numa diversidade de trabalhos espalhados pelos vários bairros da cidade. As obras são usualmente o “leitmotif” para as visitas guiadas que faz aos amigos e durante as quais partilha histórias sobre Macau
Texto Tony Lai
Fotografia Cheong Kam Ka
Wilson Lam cresceu em Macau, mas, nos anos 1980, mudou-se para o Canadá, onde estudou e trabalhou durante duas décadas. Apesar da distância, o designer manteve sempre laços estreitos com a cidade natal, à qual acabaria por voltar. Foi no regresso que fundou a Macau Creations Ltd, onde hoje é director executivo e criativo.
As raízes de Wilson Lam podem ser rastreadas ao Reservatório de Macau, na península, onde a família viveu durante a sua infância. Com pais divorciados, o designer e os seus quatro irmãos tiveram de cuidar de si mesmos desde muito jovens e cresceram a brincar nas ruas da cidade.
“Desfrutámos de muita liberdade durante a nossa infância, estando por nossa conta enquanto o nosso pai trabalhava. Pudemos passar o tempo a passear e brincar por Macau”, conta à Revista Macau.
As brincadeiras e os passeios estendiam-se desde o reservatório até às zonas de Lam Mau e Sai Van, fazendo da cidade um autêntico parque recreativo. Mas foi na zona do reservatório que Wilson Lam criou as melhores memórias da infância e dos tempos em família, especialmente durante as corridas do Grande Prémio de Macau, evento que se realiza anualmente na cidade desde 1954.
“O circuito de rua era perto da minha casa e os espectadores tinham de passar pela nossa casa para chegar aos stands onde iriam assistir ao Grande Prémio, na zona do reservatório”, refere o também artista. “Aproveitávamos a oportunidade para montar uma barraca à porta de casa todos os anos durante o período das corridas para vender chapéus, frutas e outros produtos.”
Apaixonado por pintura desde muito jovem, Wilson Lam interrompeu o ensino secundário para começar a carreira, em 1975, como aprendiz numa empresa de publicidade local ligada à Associação dos Artistas de Belas-Artes de Macau (AABAM). “A maior parte dos anúncios impressos em Macau à altura eram concebidos e desenhados por pintores locais, pois era uma forma de os pintores locais ganharem algum dinheiro”, realça.
Esta primeira fase no seu percurso profissional permitiu desenvolver aptidões como pintor, calígrafo e designer. Cinco anos volvidos, e com apenas 20 anos de idade, Wilson Lam criou a sua própria empresa de publicidade, a New Impression, em colaboração com Lai Ieng, um dos mais influentes pintores contemporâneos de Macau e ex-presidente da AABAM.
Muitos dos trabalhos realizados naquela época pela dupla de criativos focaram-se em instalações de rua como publicidade. Um desses exemplos foi um anúncio à cerveja Tsingtao – do qual alguns fragmentos ainda são visíveis – na Rotunda Tenente Pedro José da Silva Loureiro, junto a um posto de gasolina nas proximidades do que é hoje o edifício residencial Windsor Arch.
“Naqueles tempos não existiam painéis de publicidade exteriores em Macau. Portanto, estas instalações eram feitas directamente nas montanhas”, recorda.
Sem a ajuda de tecnologias como computadores e programas de desenho, tão comuns hoje em dia, os designers viam-se obrigados a fazer tudo manualmente. “Primeiro desenhávamos o esboço no papel para aprovação dos clientes. Em seguida, tínhamos de aumentar proporcionalmente o esboço, para posteriormente ser desenhado na montanha e colorido”, explica.
Embora os vestígios da publicidade à cerveja Tsingtao possam facilmente passar despercebidos, serão muito poucas as pessoas que não reparam num outro feito de Wilson Lam.
Quem atravessa a Ponte Governador Nobre de Carvalho a caminho da Taipa, pode contemplar quatro caracteres chineses em cor vermelha, que identificam o empreendimento Jardins do Oceano, um importante projecto residencial com mais de 30 edifícios e cuja construção teve início na década de 1980.
“Concebi aqueles caracteres a pedido do promotor do empreendimento. Na altura, encarei o projecto apenas como um trabalho de caligrafia”, diz o designer. “Só após vários anos a trabalhar nesta indústria é que me percebi que aqueles quatro caracteres representam mais do que apenas caligrafia ou uma mera identificação do empreendimento. Na verdade, são parte fundamental do branding do projecto.”
Apesar de o negócio estar a correr bem, Wilson Lam decidiu deixar Macau em 1983, em busca do amor. “Na altura, a minha namorada já se tinha mudado de Macau para o Canadá há mais de dois anos… por isso, fiz o mesmo percurso para estarmos juntos”, explica.
Uma vez estabelecido no Canadá, o jovem empreendedor voltou à escola para concluir o ensino secundário, tendo depois optado por estudar design gráfico e corporativo na Ontario College of Art & Design University. Concluída a formação, Wilson Lam retomou a carreira profissional, tendo participado em vários projectos de branding e design com clientes de renome internacional.
Apesar da distância, o designer manteve-se sempre ligado à cidade que o viu nascer, participando em vários eventos de arte e design em Macau. Na década de 1990, foi o vencedor do Prémio de Ouro do “Concurso de Design de Identidade Corporativa da Air Macau”, tendo ajudado a moldar o branding da principal companhia aérea da cidade.
Testemunhando as oportunidades que surgiram em Macau à luz do forte desenvolvimento da indústria do turismo, Wilson Lam regressou à já Região Administrativa Especial de Macau em 2009, lançando então a Macau Creations. O projecto visa dar a conhecer o talento dos artistas e designers locais, ajudando a transformar as suas obras em produtos criativos, singulares e comercializáveis.
Segundo o empreendedor, Macau e´ um caso singular, pois, apesar de ser uma cidade pequena, “e´ uma mistura do antigo e do novo, do Oriente e Ocidente”, sendo um lugar “propício” ao desenvolvimento de talentos nas indústrias criativas e culturais.
A Macau Creations teve um trabalho pioneiro no território, tendo colaborado com a marca de produtos gastronómicos Choi Heong Yuen Bakery para criar, em 2010, o “Cunha Bazaar”, na Rua do Cunha, na Taipa, um destino popular entre os turistas que visitam Macau.
Para além de lembranças gastronómicas, a loja oferecia também produtos de designers e artistas locais, sendo ainda um espaço para a realização de exposições. “No início, o proprietário da Choi Heong Yuen tinha dúvidas sobre a colaboração devido às diferenças das marcas e dos produtos”, recorda Wilson Lam. “Mas na verdade, não somos assim tão diferentes – somos marcas locais que fornecem lembranças tradicionais e novos tipos de produtos para turistas.”
A colaboração, porém, findou durante a pandemia da COVID-19, devido à escassez de turistas. Mas isso não significou o fim dos planos do artista para a Rua do Cunha. Outra marca local de produtos gastronómicos, da qual ele foi responsável pelo design, abriu recentemente uma nova loja no mesmo local. “Pelo menos, deixei a minha marca neste lugar”, conclui.
