Deixou a terra natal ainda em tenra idade e atravessou meio mundo para viver ao cuidado dos monges do Templo Shaolin, na China. Regressado a Moçambique, o mestre de kung fu Alex Sitoe tem agora como missão contribuir para o progresso do país que o viu nascer
Texto Jaime Álvaro
Os primeiros anos de Alex Sitoe foram marcados pela guerra civil em Moçambique, mas foi na China que cresceu e se tornou no homem que é hoje. Mestre de kung fu e instrutor das forças de segurança moçambicanas, guarda boas memórias das duas décadas que viveu no Templo Shaolin, uma experiência que teve tanto de árdua como de gratificante.
Alex Sitoe nasceu em 1979, em Chicumbane, em Gaza, uma das províncias moçambicanas mais afectadas pela guerra civil que se seguiu à independência do país.
Os pais, agricultores que trabalhavam para uma família chinesa, não tinham muitas condições para o criar. Em 1984, quando essa família se preparava para deixar Moçambique, pediu aos pais de Alex Sitoe que deixassem a criança ir com eles, para que crescesse num ambiente seguro. E assim foi.
Com apenas cinco anos, Alex Sitoe mudou-se para um novo país, com uma realidade totalmente diferente da que conhecia, deixando para trás o conflito, mas também a família.
Chegado à China, passou a viver em regime de internato no Templo Shaolin, na Montanha Songshan, na província chinesa de Henan, um dos berços do kung fu no país. Começava então um percurso que lhe iria mudar profundamente o resto da vida e, desde logo, com um novo nome: New Chung, que, numa tradução livre para português, significa “força de touro”.
À conquista da mestria
No templo, Alex Sitoe teve muito pouco contacto com o mundo exterior. “Não nos era sequer permitido o uso de tecnologia”, recorda.
Assim se passaram 20 anos dedicados ao kung fu, num “mundo completamente diferente”. Foi naquele espaço que o jovem moçambicano se forjou não só como “guerreiro”, mas também como adulto instruído e disciplinado.
“Tínhamos uma rotina dura. Trabalhávamos todos os dias e acordávamos de madrugada, para fazer meditação nas montanhas. Fazíamos meditação do fogo, ficando à volta da fogueira para ganhar energia, o que exigia uma concentração extrema”, revela Alex Sitoe.
Como em qualquer arte marcial, salienta, ultrapassar os vários patamares de formação requer muito esforço ao longo dos anos, incluindo várias provas em que é necessário demonstrar força física, mental e espiritual. Só após vários anos de treino, e graças à sua capacidade de perseverança, o jovem conquistou o cinturão negro.
Instituição conhecida por treinar centenas de monges e mestres de artes marciais, o Templo Shaolin recebia estudantes de diferentes lugares interessados em aprender as técnicas de luta desenvolvidas pelos monges. A formação, segundo Alex Sitoe, exigia trabalho de força, concentração, equilíbrio, flexibilidade e rapidez. Eram horas contínuas de treino para aprofundar os saberes nos ensinamentos de Buda.
Os tempos, contudo, mudaram. “Actualmente, o Templo Shaolin transformou-se numa atracção turística lucrativa e perdeu um pouco da sua mística”, refere.
Regresso a Moçambique
Depois de duas décadas no Templo Shaolin, Alex Sitoe rumou ao Canadá, levado por um casal de missionários, e foi lá que completou o curso em Gestão de Empresas.
Anos mais tarde, o que seria apenas uma visita a Moçambique, em 2009, para filmar um documentário, tornou-se numa estadia permanente, arrebatado pela vontade de conhecer melhor as suas raízes.
A adaptação à terra natal, porém, não foi fácil, depois de tantos anos fora, uma vez que Alex Sitoe já não sabia falar português nem qualquer outro idioma local, apenas inglês e mandarim. Depois de se estabelecer na cidade da Matola, próximo da capital, Maputo, foi necessário um período de adaptação à realidade local e algum tempo para encontrar o seu novo desígnio: a paixão por ensinar.
Após anos a aprender e a aperfeiçoar a arte do kung fu, Alex Sitoe decidiu transmitir os seus conhecimentos enquanto força para o bem comum. Após várias tentativas, tornou-se instrutor das forças especiais da Polícia da República de Moçambique.
“Eu dirigia-me ao gabinete do comandante, chegava de manhã e só era atendido às 17 horas. Era duro, mas eu queria ter a oportunidade de poder treinar os agentes da polícia do meu país”, diz.
Descrevendo-se como um homem frontal e comprometido com os seus princípios, Alex Sitoe foi ultrapassando vários obstáculos. O primeiro, conta, teve que ver com o período de formação dos cadetes, que se limitava a seis meses, tempo que considera insuficiente para garantir o treino adequado e necessário para futuros polícias.
A mudança do sistema de formação levou o seu tempo, mas Alex Sitoe diz-se satisfeito com os resultados alcançados ao longo dos anos e com o trabalho desenvolvido em prol da nação. “O meu compromisso é com o Estado”, afirma.
Alex Sitoe é actualmente uma figura pública em Moçambique, sendo reconhecido pelo seu percurso no mundo das artes marciais, mas também como influenciador digital. Nas redes sociais, deixa regularmente palavras de motivação, esmiuçando as suas experiências e partilhando mensagens de superação.
Ele próprio tem um sonho que não esquece: o de vir a ser actor num filme sobre artes marciais. “Gostaria de um dia transportar a minha história para o cinema como forma de inspirar os jovens moçambicanos, para que saibam que, mesmo com poucos recursos e poucas oportunidades, se podem superar, melhorar as suas vidas e ajudar o país a crescer”, conclui.