Com formação em dança clássica indiana, Aruna Jha tornou-se num nome conhecido e reconhecido em Macau por um outro tipo de artes: as gastronómicas. Acabada de receber mais uma distinção – desta feita, pela Embaixada da Índia em Pequim, pelo seu papel pioneiro na divulgação da cultura indiana na RAEM –, diz-se orgulhosa por poder promover o seu país natal na cidade onde vive há quatro décadas
Texto Cherry Chan
Fotografia Cheong Kam Ka
Quando Aruna Jha visitou Macau pela primeira vez, não foi para cozinhar; foi para dançar. “Fui convidada pelo Instituto Cultural em 1983 para vir ensinar dança clássica indiana, um contrato de curta duração”, recorda. Logo após a conclusão do vínculo, tomou uma decisão que iria mudar a sua vida para sempre: ficar, para promover a cultura do seu país. O que era inicialmente para ser uma estadia de meses tornou-se numa permanência de quatro décadas e Macau passou a ser a sua casa. “Não sou uma estrangeira aqui”, afirma.
Foi no ano seguinte à sua chegada ao território, pela mão do antigo Hotel Hyatt Regency – hoje Regency Art Hotel –, que começou a dar a conhecer a gastronomia indiana em Macau. Aceitou um convite do hotel para estar à frente de um buffet indiano, apesar de não ter qualquer formação como chef profissional. A experiência de sucesso daria origem aos restaurantes sob a chancela “Aruna’s Indian Curry”: o primeiro abriu portas em 1988.
O caril, garante, é uma das suas especialidades: “Desde a primeira vez que apresentei em Macau o meu caril, nunca comprei preparados já prontos; compro antes todas as especiarias e outros ingredientes e moo tudo, para manter o sabor autêntico e original do prato”, diz. No entanto, admite concessões: “Da primeira vez, simplesmente coloquei menos pimenta, para adaptar o prato à cultura gastronómica da cidade, mas ao mesmo tempo ainda era autêntico, ainda era a cultura indiana”, relata.
Aruna Jha adianta que o segredo do caril está na proporção entre os diferentes ingredientes utilizados, que incluem pimenta preta, pimenta branca e pau de canela, entre outros. Com o passar do tempo, a popularidade dos seus pratos indianos foi crescendo. Com a sua própria marca, a chef empenhou-se ainda mais na promoção e, em 2007, abriu um segundo restaurante no território, desta feita na Taipa.
O esforço levou a que, no ano seguinte, abrisse mais um estabelecimento, desta vez com capacidade para mais de uma centena de comensais de cada vez. “‘Maharaja’ é uma palavra indiana que significa ‘rei’. Essa era a minha esperança para o novo restaurante: que fosse um palácio, que quem lá se sentasse se sentisse confortável e pudesse divertir-se”, diz. Seguir-se-ia, em 2012, uma presença num dos resorts integrados do Cotai.
Gastronomia que liga
A exposição de Macau aos ingredientes e especiarias indianas tem uma história centenária, particularmente através de Goa, Damão e Diu, antigas colónias portuguesas. No entanto, Aruna Jha – proveniente do norte da Índia – trouxe algo de novo ao território.
Através do seu caril, associado a outros pratos, Aruna Jha abriu uma porta para que a população local pudesse provar uma Índia diferente e, assim, ganhasse fome por saber mais sobre aquela cultura milenar. Começou-se então a construir uma conexão entre povos, assente no palato.
Servindo a comunidade local, os restaurantes de Aruna Jha passaram também a ser um porto de abrigo para os indianos que passavam por Macau, em férias, negócios ou para aqui começar um novo capítulo das suas vidas. A chef tornou-se uma embaixadora informal da cultura indiana na cidade e uma cicerone no território para quem chegava de visita vindo da Índia.
Ao longo dos anos, foram múltiplos os buffets e jantares que realizou a fim de servir turistas, diplomatas e outras figuras de relevo: entre os mais significativos estão as primeiras comemorações na Região Administrativa Especial de Macau (RAEM) do Dia da Índia, em 2002, em parceria com o consulado-geral do país em Hong Kong. Além disso, recebeu também o ex-primeiro-ministro indiano Inder Kumar Gujral quando este visitou Macau em 2004, bem como o então Embaixador da Índia na China, Ashok Kantha, em 2014.
Foco na autenticidade
Em Março deste ano, o actual embaixador indiano em Pequim, Pradeep Kumar Rawat, reconheceu o papel pioneiro de Aruna Jha nos campos da dança clássica e gastronomia indianas na RAEM. Tal aconteceu durante uma visita a Macau e foi enquadrado nas celebrações do Dia Internacional da Mulher.
Olhando para o futuro, Aruna Jha admite-se preocupada com a manutenção dos sabores indianos no território. Feliz por partilhar as suas receitas com outros, fala em desassossego face à escassez de sucessores.
“Não vejo ninguém a continuar a minha marca no futuro”, lamenta. “Mas quando faço eventos em hotéis, ensino os chefs de lá. Como quando eu estava no Hotel Hyatt Regency: também aí ensinei todos os chefs antes de sair”, diz Aruna Jha. Por exemplo, no ano passado, foi chef convidada durante uma promoção especial de três dias num dos restaurantes da Torre de Macau, durante os quais foi disponibilizado um buffet de gastronomia indiana.
A empresária encerrou o último dos seus restaurantes em Macau em 2016. Porém, a paixão pela gastronomia não desapareceu e, face à falta de quem ocupe o seu lugar como promotora da cultura indiana na RAEM, Aruna Jha fala em projectos para regressar ao activo: “Estou a planear reabrir o meu restaurante, talvez este ano ou no início do próximo ano”, admite. “Tenho orgulho em ser uma residente de Macau e em partilhar o autêntico sabor indiano com as pessoas.”