Deixaram Macau para estudar, ficaram no exterior para trabalhar, mas regressaram. Addison Wong Kei Hong, Ceci Kuan Weng Si, Pedro Vu Hao Man, Chan Tek Long e Harriet Wong Teng Teng, todos com menos de 40 anos de idade, integram a primeira geração de Macau em que uma parte significativa obteve formação superior lá fora. A família, o apego à terra e as oportunidades de emprego trouxeram de volta estes talentos locais
Texto Catarina Brites Soares
Hoje é uma expressão familiar, mas há cerca de uma década o panorama era diferente. Foi nessa altura que o tema da formação de talentos locais saltou em força para a agenda pública na Região Administrativa Especial de Macau (RAEM). A qualificação de recursos humanos foi uma das grandes apostas do Governo a partir de 2014, ano em que foi criada a Comissão de Desenvolvimento de Talentos.
Desde então, o objectivo de formar e promover talentos locais tem sido materializado em várias políticas, entre elas medidas para atrair o regresso de quadros qualificados de Macau a trabalhar no exterior. Mesmo aquando da aprovação na especialidade pela Assembleia Legislativa, em Maio, do regime jurídico de captação de quadros qualificados – que entrou em vigor neste mês de Julho e visa atrair profissionais do exterior –, a Secretária para os Assuntos Sociais e Cultura, Ao Ieong U, salientou a prioridade do Governo em garantir o regresso a Macau de residentes altamente qualificados que trabalhem no estrangeiro.
Dados disponíveis na página electrónica oficial da Comissão de Desenvolvimento de Talentos referem que mais de 100 mil residentes de Macau vivem lá fora. “Para além dos que estão a estudar no exterior, muitos dos que residem no estrangeiro são elites e quadros qualificados e especializados”, sublinha o organismo, que possui um grupo especializado de incentivo ao regresso de talentos a Macau e gere uma plataforma de informações sobre o retorno de quadros qualificados à RAEM.
Dados referentes a meados de Abril mostram que existiam cerca de 3400 residentes de Macau a viver no exterior inscritos no Sistema de Registo de Dados de Quadros Qualificados, sob a alçada da Comissão de Desenvolvimento de Talentos: a maioria estava no Interior da China e em Hong Kong, mas havia registos de indivíduos a viver um pouco por todo o mundo, desde os Estados Unidos a Portugal, Canadá, Japão, Austrália ou Singapura.
De acordo com um inquérito realizado na segunda metade de 2020 pela comissão, que contou com a participação de mais de 300 quadros qualificados da RAEM a viver no exterior – indivíduos com habilitações académicas de licenciatura ou nível superior –, quase dois terços dos inquiridos pretendiam regressar a Macau. No caso dos mais jovens, uma das principais motivações era a oportunidade de desenvolver uma carreira profissional a nível local, ao passo que, entre os inquiridos de meia-idade, pesava o factor da reunião com o resto da família ainda a viver na RAEM.
Quase uma década passou desde que a aposta no regresso de talentos locais começou a integrar as políticas de Macau em nome próprio: muitos dos que saíram da RAEM para estudar – uns com ajudas públicas, como bolsas de estudo, outros com recurso a fundos próprios – destacaram-se, entretanto, nas respectivas áreas profissionais. Addison Wong Kei Hong, Ceci Kuan Weng Si, Pedro Vu Hao Man, Chan Tek Long e Harriet Wong Teng Teng estão entre aqueles que, após uma experiência lá fora, decidiram regressar há alguns anos, optando por construir um novo capítulo das suas vidas no local onde tudo começou.
“Responsabilidade de trazer novas propostas”
ADDISON WONG KEI HONG
MÚSICO E INSTRUTOR DE MÚSICA
Educação no exterior
Licenciatura em Música
California State University, Estados Unidos
2008-2011
Mestrado em Música
University of Oregon, Estados Unidos
2011-2014
Experiência profissional no exterior
Director musical
Bushnell University, Oregon, Estados Unidos
2015-2020
Addison Wong partiu de Macau aos 16 anos porque queria conhecer o mundo. Começou com um intercâmbio em Illinois, nos Estados Unidos, e por lá ficou. Viveu quase metade da vida fora, incluindo dez anos a estudar, e garante que a experiência lhe determinou o destino. “A minha influência musical e a banda de jazz que tenho agora nasceram e cresceram graças aos EUA”, diz o artista, agora com 34 anos.
O exemplo veio da irmã mais velha, que também decidiu emigrar para estudar. Addison Wong quis seguir-lhe os passos e acabou nos Estados Unidos, onde se licenciou, fez o mestrado e trabalhou como director musical na Bushnell University, em Oregon. “Foi o melhor que me podia ter acontecido. O que aprendi com o meu chefe, um pianista muito talentoso, e a oportunidade de me poder dedicar à minha banda de jazz, contribuíram consideravelmente para que a minha qualidade musical e talento atingissem outro nível”, garante. “Considero-me um sortudo por ter tido a chance de viver em ambas as culturas oriental e ocidental. Abriu-me os olhos”, realça.
Apesar do sucesso, decidiu regressar a casa em 2020 pela falta que sentia da família e de Macau. “E da comida”, brinca. “O meu coração dizia-me que estava na altura de voltar.”
Hoje, ensina música em várias instituições de ensino superior locais. Além disso, é fundador da Associação Soul Music e director musical do coro de soul Ocean Walker e da Macau Christian Musician Fellowship. No tempo que sobra, e como freelancer, escreve música para teatro e projectos de cinema locais, colabora com a Macau Jazz Promotion Association e, entre outras coisas, ensaia uma banda de rock infantil.
Ainda assim, diz que recomeçar foi difícil, sobretudo como freelancer e em contexto de pandemia, que, segundo conta, agudizou a incerteza pela suspensão e cancelamento de actividades e actuações em que estava envolvido. “Mas houve um lado positivo. Face às restrições de viagem, os músicos locais acabaram por receber mais propostas para actuar em eventos e para dar aulas”, realça.
Quem vem de fora fará diferença, acredita. O que viveram e aprenderam rendeu-lhes uma perspectiva única que, para Addison Wong, os distingue e torna mais competitivos. Não são só ganhos, avisa: “Os que saíram e voltaram também têm a responsabilidade de trazer novas propostas e ajudar ao desenvolvimento da região”.
“Contribuir para o desenvolvimento da cidade”
CECI KUAN WENG SI
PROFESSORA UNIVERSITÁRIA
Educação no exterior
Mestrado em Linguística Aplicada
University College London, Reino Unido
2016-2017
Experiência profissional no exterior
Marketer e tradutora
Londres, Reino Unido
2017-2018
Instrutora
College of North West London / The University of Manchester / University of Exeter, Reino Unido
Verão, 2018-2020
“Foi uma das melhores decisões que tomei. Tem sido crucial em todas as propostas de emprego a que me tenho candidatado”, diz Ceci Kuan sobre ter optado por tirar um mestrado em linguística no Reino Unido, na University College London, líder mundial na área da educação há uma década, de acordo com o QS World University Rankings by Subject. “Esta aposta garantiu-me uma vantagem competitiva indiscutível em circunstâncias de muita competitividade.”
Estudar fora estava nos planos. Depois de ter conseguido emprego como professora numa escola de Macau em 2015, Ceci Kuan decidiu que investiria em prosseguir a sua formação académica nesta área no estrangeiro se gostasse de leccionar. “Percebi que seria um trabalho muito gratificante, demiti-me e fui fazer o mestrado em Londres. Não tenho dúvidas de que valeu muito a pena”, sublinha.
“Londres é uma das cidades mais vibrantes no mundo. Esta experiência deu-me a oportunidade de conhecer várias culturas além da britânica, e isso ajudou-me a valorizar prioridades como o equilíbrio entre o trabalho e a vida pessoal, e a não me centrar tanto no perfeccionismo em prol de outros valores que desconsiderava”, exemplifica. “É incontestável que também beneficiou muito a minha carreira. As minhas aulas e os conteúdos que uso são fruto dessa passagem pelo estrangeiro, que me tornou uma pessoa muito mais versátil, incluindo ao nível linguístico.”
Realizada, tinha decidido que só deixaria o Reino Unido se tivesse uma oportunidade de emprego na Universidade de Macau. E assim foi em 2018, quando voltou. “Acabei por aceitar porque foi o que sempre aspirei fazer.” Actualmente, Ceci Kuan lecciona na Universidade de São José.
Apesar de ter regressado a casa, a jovem continua com um pé lá fora. Os projectos no exterior, incluindo a oportunidade de leccionar em cursos e campos de formação para professores de inglês, têm feito com que não lamente a opção. “É bastante compensador constatar que o meu nome vem à cabeça quando se trata da área do inglês”, orgulha-se.
Consciente das limitações de Macau, defende que a região só tem a ganhar se conseguir que mais residentes a viver no exterior voltem para o território. “Estou certa de que o que aprenderam vai contribuir para o desenvolvimento da cidade económica e socialmente.”
“A única certeza na vida é a mudança”
PEDRO VU HAO MAN
AGENTE DE SEGUROS
Educação no exterior
Engenharia (Foundation Degree)
Bellerbys College, Reino Unido
2010-2011
Licenciatura e mestrado em Engenharia
Mecânica, University of Bath, Reino Unido
2011-2016
Experiência profissional no exterior
Engenheiro-estagiário
Parker Aerospace, Bristol, Reino Unido
2013-2014
Engenheiro R&D – Pesquisa e Desenvolvimento de Produto
TE Connectivity, Swindon, Reino Unido
2015-2019
Diversidade, consciência cultural, conhecimento e cosmopolitismo são algumas das qualidades que Macau fica a ganhar com quem estuda e trabalha no estrangeiro e depois regressa, defende Pedro Vu, que escolheu o Reino Unido para estudar engenharia. “Sempre tive claro que queria ir para fora e tive a sorte de os meus pais me poderem proporcionar isso”, diz. “A oportunidade, independentemente do destino, é sempre vantajosa, quanto mais não seja pelas pessoas que se conhece. O contacto com diversas formas de interagir e trabalhar culmina sempre em novas ideias e inovação”, frisa. “O conhecimento é ilimitado. Quanto mais se sabe, mais se quer aprender.”
O engenheiro – actualmente com 30 anos e agora a trabalhar no sector segurador – esteve fora quase uma década. As poucas visitas ao território durante esse período fazem com que, embora se sinta em casa, ainda estranhe as muitas mudanças que ocorreram na sua ausência. “Além disso, e tendo-me especializado em investigação e desenvolvimento, nomeadamente desenvolvimento de produto, deparei-me com a impossibilidade de trabalhar na minha área”, admite, visto ser um sector inexistente no território.
Após uma tentativa de lançar um negócio próprio no Interior da China – gorada pela pandemia –, ingressou na empresa seguradora Manulife. Entre os vários motivos que o trouxeram em 2019 e o mantiveram em Macau, a família foi o principal. “Foi uma decisão difícil porque construí boas relações no Reino Unido e a minha carreira estava bem encaminhada. Mas, como diz um princípio em que acredito, ‘a única certeza na vida é a mudança’.”
A decisão de permanecer no Reino Unido depois de concluir os estudos foi natural, já que sentia que a área que tinha escolhido só assim seria relevante. “Antes do último ano da faculdade, fiz um estágio na empresa internacional TE Connectivity, ao qual sucedeu uma oferta de dois anos de contrato. O Reino Unido é um local ideal atendendo ao volume de investigação e nível de desenvolvimento na minha área de formação”, explica. “Ter ficado foi determinante. Conheci pessoas fantásticas e trabalhei com colegas incríveis, gente de diferentes idades e culturas.”
Para Pedro Vu, estudar e trabalhar no exterior foi um abrir de olhos. “Sem dúvida, cresci profissional e pessoalmente graças a essa experiência, que foi decisiva para ter sucesso.”
“Espera-se que aplique a minha experiência”
CHAN TEK LONG
TÉCNICO LABORATORIAL
Educação no exterior
Licenciatura e doutoramento em Química
Universidade Chinesa de Hong Kong, Hong Kong
2008-2017
Experiência profissional no exterior
Investigador assistente e associado
Universidade Chinesa de Hong Kong, Hong Kong
2012-2017
O sentimento sobre a mais-valia de uma experiência no exterior é transversal, como confirma Chan Tek Long, que também salienta a autonomia e o cosmopolitismo que adquiriu pela decisão de ir estudar para fora. “Sair abre-nos horizontes”, realça.
O engenheiro químico, que concluiu a licenciatura com distinção, escolheu Hong Kong para os seus estudos universitários depois de um estágio no Verão de 2007 na Universidade Chinesa de Hong Kong. “É difícil encontrar uma palavra que resuma a experiência fora. Aprendi muito.”
Uma das oportunidades de que se orgulha foi ver o seu trabalho publicado em revistas académicas internacionais e de participar em actividades de intercâmbio em Taiwan. “Escolhi Hong Kong porque estaria em contacto com o mundo”, explica.
Fez a licenciatura e foi convidado a permanecer na universidade como investigador. Estava prestes a terminar o doutoramento quando soube de uma vaga em Macau, no Instituto para os Assuntos Municipais. Candidatou-se e foi chamado, mas acabou por não ser colocado. Tinha-se desimaginado de voltar quando, dois meses depois, recebeu uma chamada do organismo com outra proposta, para trabalhar na divisão laboratorial. Após avaliar os prós e contras, decidiu regressar. “Tenho a família e amigos perto. O ambiente de trabalho é muito menos stressante, os colegas são prestáveis e o nível de vida muito melhor. Sou mais feliz aqui”, afirma Chan Tek Long, actualmente com 34 anos.
Apesar de reconhecer que Macau ainda tem de elevar a sua competitividade, está certo do caminho que escolheu em 2017. “Sou responsável pelas áreas de investigação e desenvolvimento: por exemplo, de métodos de análise alimentar. Espera-se que aplique a minha experiência internacional. O conhecimento que adquiri fora fez com que hoje possa documentar-me e recorrer a fontes chinesas, mas também internacionais, o que torna o meu trabalho de supervisão muito mais completo. Acredito que o que estou a fazer pode ajudar a que a minha divisão se torne um laboratório internacional.”
“Senti a urgência de estar perto da família”
HARRIET WONG TENG TENG
CINEASTA
Educação no exterior
Licenciatura e mestrado em Realização
Academia de Cinema de Pequim, Interior da China
2005-2014
Experiência profissional no exterior
Editora, produtora, realizadora e guionista em cinema e publicidade
Vancouver, Canadá; Nova Iorque, Estados Unidos; Pequim e Xangai, Interior da China; Hong Kong
2009-2022
A cineasta decidiu deixar a terra-natal por não haver na cidade uma licenciatura especializada na área que queria estudar: cinema. “Aprender está intimamente relacionado com experimentar e explorar”, salienta. Rumou a Pequim, a primeira escolha, em 2005. “Ter de me adaptar ao clima do Norte, conhecer outras culturas e estéticas artísticas foi fabuloso, além das boas amizades que fiz”, resume.
Entre outras competências que adquiriu na Academia de Cinema de Pequim, Harriet Wong realça a possibilidade de gravar em formato 16mm e 35mm – “um luxo que marcou uma diferença significativa” no seu percurso, assegura. “Sair da minha zona de conforto, Macau, deu-me coragem e força para seguir o sonho da realização”, acrescenta. Durante a licenciatura, conquistou vários prémios atribuídos pela academia: licenciou-se com o título de ‘distinção’ e ganhou ainda uma bolsa de estudo.
A indústria cinematográfica “grande e dinâmica” foi o que a fez permanecer no Interior da China depois de concluídos os seus estudos. Estreou-se a título profissional, após completar a licenciatura, num filme realizado pelo também cantor Wang Leehom, em Xangai. A par de Pequim, seguiram-se experiências em Vancouver – onde colaborou na produção do filme “Finding Mr. Right” –, Nova Iorque e Hong Kong. Também foi um dos seis realizadores da mini-série “Macao Stories 2 – Love in the City”. Além do cinema, acumula experiência em publicidade.
Apesar do estrangeiro continuar a ser uma constante, foi Macau que escolheu para viver, desde 2017, embora continue a passar temporadas lá fora, por motivos profissionais. “Depois de mais de dez anos a estudar e a trabalhar no exterior, senti a urgência de estar perto da família”, refere Harriet Wong, agora com 37 anos. Actualmente, e em regime de part-time para que possa ir gravando, dá aulas de produção e guionismo em universidades locais. “Viver em Macau é bastante mais fácil, apesar de a longo prazo ter de viajar bastante para que continue conectada à indústria cinematográfica. Felizmente, o cinema aqui também está a crescer”, ressalva.