São muitas as distinções no currículo profissional de Tam Kwok Fung. O reputado chef de gastronomia cantonense, recentemente nomeado “Chef do Ano” pelo prestigiado guia gastronómico “Black Pearl” – sendo o primeiro profissional de Macau a merecer tal prémio –, garante que continua focado numa cozinha criativa, mas seguindo as origens
Texto Cherry Chan
Longe vão os tempos em que a qualidade da cozinha era a única preocupação de um chef de alta gastronomia. O papel deste tipo de profissional é hoje mais amplo: uma refeição num restaurante de topo deve ser agora uma experiência holística, em que todos os sentidos – não apenas o palato – são estimulados e alimentados. Esta nova realidade assenta como uma luva a Tam Kwok Fung, mestre da arte de bem-receber e um dos mais conceituados chefs de gastronomia cantonense em Macau.
O profissional foi, em Fevereiro, premiado com o galardão de “Chef do Ano” pela edição de 2023 do guia de restauração “Black Pearl”, um dos mais conceituados da China. Tratou-se da primeira vez que um chef a trabalhar em Macau recebeu o prémio, que distingue anualmente uma única pessoa em toda a China pelos seus contributos para o sector da restauração.
Esta foi apenas a mais recente das distinções atribuídas ao chef Tam: o restaurante Wing Lei Palace, onde assume o papel de chef executivo, apresenta uma estrela Michelin à entrada, tem distinção máxima pelo Forbes Travel Guide e é o único estabelecimento de Macau que integra a conceituada lista “Asia’s 50 Best Restaurants”. No entanto, para Tam Kwok Fung, os prémios reconhecem o que já lá vai e os seus olhos estão antes postos no amanhã. “Vamos manter o sucesso? Não temos ideia. Por isso, não podemos deixar de aprender”, sublinha.
Inovar de forma sensata
Com quatro décadas de experiência, Tam Kwok Fung é um dos mais importantes divulgadores da gastronomia cantonense, vestindo por várias vezes o papel de chef convidado em restaurantes pelo mundo fora, da Europa à Austrália. Natural de Hong Kong e com raízes familiares em Shunde, na província de Guangdong, é reconhecido pela mestria com que mistura tradição e novas tendências, em pratos que mantêm intactos os sabores autênticos da culinária cantonense.
Apesar de estar hoje entre os melhores, a sua carreira foi feita a pulso, primeiro trabalhando em part-time durante o ensino secundário, a preparar sandes e refeições simples, e, mais tarde, conseguindo um emprego como aprendiz na área da restauração num dos hotéis de Hong Kong. Foi assim que, ainda nos anos 1980, entrou pela primeira vez numa cozinha de um restaurante de gastronomia cantonense. Por aí ficou.
Segundo Tam Kwok Fung, uma das missões que assume é a de preservar e promover este tipo de gastronomia típica do Sul da China – mas sem que isso impacte a sua busca por novidade. “Quando a base da nossa tradição é sólida, podemos acrescentar-lhe criatividade”, garante.
O conceituado chef explica que, na cozinha cantonense, os temperos são usualmente simples: a ênfase é colocada na qualidade e frescura dos ingredientes. É aqui que assenta a base da sua experimentação, introduzindo novos produtos, mas sempre respeitando os princípios desta forma de gastronomia. “Não inovamos apenas por inovar, fazemo-lo de forma sensata e buscando um elemento de novidade para os nossos clientes.” Isso, nota, envolve esforço: “Ser inovador requer estar aberto a aprender através de trabalho árduo”.
O chef sublinha que encara a gastronomia como um serviço. O foco de qualquer profissional, diz, deve estar em produzir pratos de qualidade, adaptados às preferências, dieta e até mesmo condições de saúde de cada cliente. Isto porque, na filosofia tradicional da gastronomia cantonense, alimentação e promoção da saúde são duas faces da mesma moeda.
“Um desafio para mim é que, sendo um chef de cozinha cantonense, há ocasiões em que preciso de servir uma mesa de dez convidados, entre os quais estão pessoas de diferentes países, com religiões e culturas distintas”, refere. “Conceber um menu que satisfaça todos neste tipo de situações é sempre complicado.”
Aprendizagem permanente
Antes de chegar a Macau, onde está desde 2007, Tam Kwok Fung trabalhou em Pequim, onde ajudou a abrir um restaurante de gastronomia cantonense, e seguiu depois para Banguecoque. Na capital tailandesa, esteve primeiro na unidade local da cadeia de hotéis Mandarin Oriental e, depois, no The Peninsula. Essa experiência internacional permitiu-lhe servir líderes de estado e outros clientes famosos, mas também colaborar com diversos chefs estrangeiros, familiarizando-se com novos conceitos e técnicas, enquanto aprendia como preparar um menu de alta gastronomia, desde a organização da sequência dos pratos à harmonização da comida com diferentes tipos de vinho.
Independentemente da geografia onde está localizada a cozinha onde prepara as suas criações, há algo que o chef diz ser um denominador comum na sua forma de trabalhar: uma experiência gastronómica inolvidável começa no mercado, na escolha dos ingredientes sazonais mais frescos e de melhor qualidade, e termina na mesa do restaurante, na interacção com os clientes. “Comunicar com os convidados, obter o seu feedback, é muito útil para prestarmos um melhor serviço”, garante. Aliás, acrescenta Tam Kwok Fung, o mesmo acontece em relação aos fornecedores – tudo para que um chef possa compreender melhor cada ingrediente que utiliza. “Quanto mais se ouve, mais se sabe, e mais ideias novas podemos ter”, sustenta.
Noutras palavras, um chef contemporâneo deve ser um homem de vários saberes, supervisionando o restaurante como um todo, incluindo o serviço. “Desta forma, a experiência gastronómica proporcionada é muito melhor”, afiança.
Olhando para o futuro, Tam Kwok Fung afirma que, numa cozinha profissional, não há lugar para o heroísmo nem para o individualismo. Apenas se pode melhorar – e avançar – em conjunto, garante. “Não tenho um delfim. Trabalho em grupo e ensino as gerações mais jovens como uma equipa.”