Entrevista

“Existem várias oportunidades por explorar entre a China e Cabo Verde”: Embaixador

O novo Embaixador de Cabo Verde em Pequim considera a relação com a China importante para o desenvolvimento do país africano. Em entrevista, Arlindo do Rosário salienta o apoio da China nas áreas da saúde e da educação. Sobre Macau, o diplomata – que esteve no território em Março, a propósito dos 20 anos do Fórum de Macau – entende que a região pode desempenhar um papel relevante nas relações sino-cabo-verdianas

Texto Marta Melo

Tomou posse em Dezembro como Embaixador de Cabo Verde em Pequim. Quais são as suas prioridades?

Uma das minhas prioridades passa pelo trabalho junto das instituições públicas, empresas e organizações não-governamentais chinesas, com vista ao reforço do diálogo, para o incremento das relações de amizade, de respeito mútuo e de aproximação cada vez maior entre os nossos povos. A nível da cooperação, existe um leque de oportunidades por explorar. O aprofundamento do diálogo político-diplomático e subsequente incremento da parceria existente fazem também parte das minhas prioridades.

Podemos identificar pelo menos cinco áreas prioritárias no relacionamento entre os nossos dois países. Uma é o fomento do comércio, promovendo negócios e intercâmbios em sectores que ainda não conseguimos dinamizar. Outra área é a assistência técnica, com o estabelecimento de acordos de cooperação em sectores como a tecnologia, a saúde, a educação ou o meio ambiente. Uma terceira área, a construção de infra-estruturas, visa atrair financiamento para o desenvolvimento de projectos em Cabo Verde.

Outra área é o turismo e cultura, com o fomento de intercâmbios culturais, devendo tal permitir alavancar a cooperação turística entre os dois países. Por fim, a quinta área prioritária é a captação de investimentos chineses em sectores económicos com vantagens comparativas, a via ideal para dar sustentabilidade a esta relação entre a China e Cabo Verde.

A China é hoje um dos principais parceiros de desenvolvimento de Cabo Verde e tem apoiado vários projectos no país nos últimos anos. Qual a importância da China para Cabo Verde?

A relação com a China tem sido importante para Cabo Verde, pois potencia o desenvolvimento sócio-económico das nossas ilhas, impactando positivamente a qualidade de vida da nossa população. Destacaria, entre outros, o investimento público em infra-estruturas do Estado. A China tem sido um importante financiador de projectos-chave em Cabo Verde, designadamente nos sectores da saúde, educação, segurança pública e agricultura. Isso tem ajudado a alavancar o crescimento da economia e contribui para a melhoria da qualidade de vida da nossa população.

Na assistência técnica, a China tem fornecido apoio técnico e disponibilizado ferramentas tecnologicamente avançadas, o que tem permitido melhorar a capacidade de Cabo Verde para responder aos desafios que vai enfrentando.

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O apoio da China é importante para a criação da Zona Económica Especial Marítima em São Vicente (ZEEM-SV)?

O apoio da China foi importante na fase do planeamento e tem sido formidável na montagem da Autoridade da ZEEM-SV. A China é uma das economias mais fortes e dinâmicas a nível mundial e a sua colaboração poderá ajudar-nos a financiar as infra-estruturas básicas da ZEEM-SV e atrair investimentos para os projectos comerciais. Além do mais, a China poderá fornecer suporte técnico e experiências valiosas para a criação e gestão da zona económica especial.

Para a operacionalização desta ZEEM, precisamos de ter recursos financeiros disponíveis, infra-estruturas adequadas, mão-de-obra qualificada e uma forte capacidade de atracção de investimento externo. Se a China decidir investir em São Vicente e na zona económica especial, seguramente contribuirá para o seu sucesso.

De que forma Cabo Verde pode ser importante para a China?

Primeiramente, pela sua localização geográfica, podendo ser uma plataforma para a China expandir os seus negócios e influência na região. Além disso, Cabo Verde tem relações próximas com muitos países africanos, nomeadamente os países africanos de língua portuguesa, e faz parte da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental – que é hoje uma união aduaneira –, sendo também subscritor do Acordo de Livre Comércio Continental Africano, em fase de implementação, com as facilidades que se estimam no escoamento de mercadorias, pessoas e capital entre os seus membros. Pelo que pode ser valioso para a China estabelecer relações comerciais e políticas fortes com Cabo Verde, para ter acesso ao mercado africano, que, diga-se, é rico tanto em potencial de consumo como de riqueza no subsolo.

Noutro âmbito, Cabo Verde é uma economia nascente, com bastante potencial de crescimento, designadamente nos sectores do turismo e mar, tendo ainda uma larga diáspora, sendo, portanto, um país aberto ao mundo e em franca modernização. Por isso, pode revelar-se atractivo para o estabelecimento de empresas, com os investidores chineses a desfrutar não só da nossa estabilidade sócio-política, mas também das inovações institucionais que vão acontecendo gradualmente.

Como olha para a iniciativa chinesa “Uma Faixa, Uma Rota” e como considera que Cabo Verde pode beneficiar deste projecto?

Cabo Verde vê como positiva a possibilidade de parcerias comerciais e investimentos envolvendo empresas chinesas. O país está aberto a estudar possibilidades de cooperação em projectos de desenvolvimento, nomeadamente para a modernização e melhoria das infra-estruturas energéticas, portuárias e aeroportuárias, bem como das redes de transportes aéreos e marítimos, de forma a melhorar a conectividade interna e alavancar o turismo, para poder atrair mais investimento externo.

Por outro lado, a iniciativa “Uma Faixa, Uma Rota” pode servir enquanto plataforma de diálogo político-diplomático. Cabo Verde vê nela uma nova janela que deverá permitir reforçar o multilateralismo e a globalização, tendo a China como actor de referência.


“Macau pode certamente desempenhar um papel importante nas relações entre a China e Cabo Verde”

ARLINDO DO ROSÁRIO
EMBAIXADOR DE CABO VERDE EM PEQUIM

Qual é a dimensão da comunidade cabo-verdiana na China? 

A comunidade é pequeníssima. Algumas dezenas de estudantes apenas. Tem crescido, mas gostaríamos que houvesse disponíveis mais bolsas de estudo para podermos formar mais jovens, que são o futuro de Cabo Verde e potenciadores de melhores entendimentos com a China e o mundo asiático.

A área da educação tem sido importante nas relações com a China. Que passos têm sido dados nessa área?

Tem sido uma cooperação pragmática e com forte pendor na capacitação de recursos humanos. A China tem fornecido apoio técnico e financeiro para a formação de jovens em várias áreas, incluindo nos domínios da saúde, engenharias e gestão, o que tem permitido melhorar a capacidade de Cabo Verde de responder aos desafios que vai enfrentando. Para além de cursos de licenciatura, já temos alguns cabo-verdianos que concluíram ou estão a concluir cursos de mestrado ou doutoramento em ciências sociais ou tecnológicas na China.

Cabo Verde mostra-se profundamente reconhecido ao governo da República Popular da China e pretende aprofundar ainda mais essa cooperação, e alargá-la, se possível, para outros domínios, nomeadamente da investigação, cooperação descentralizada e geminação entre instituições universitárias cabo-verdianas e chinesas.

O governo cabo-verdiano está a implementar uma ampla reforma no sistema educativo e quer contar com a China na sua viabilização, sobretudo na melhoria do parque escolar nos diferentes níveis de ensino. De referir que a criação de um Instituto Confúcio na Universidade de Cabo Verde foi um passo marcante nesta caminhada.

Nesta área, a China financiou também o novo campus da Universidade de Cabo Verde.

Foi uma acção importante para o sector do ensino superior de Cabo Verde. Trata-se da maior infra-estrutura construída no país financiada pela cooperação chinesa. Sendo uma infra-estrutura moderna e bem equipada, os estudantes e professores viram melhoradas as condições de ensino e aprendizagem, o que beneficia a formação de quadros.

Com o novo campus, a Universidade de Cabo Verde tem hoje maior capacidade para formar jovens em áreas-chave, sendo, por isso, importante para o desenvolvimento económico e social do país. Para além disso, é uma janela de oportunidade que se abre para a cooperação internacional, permitindo à universidade estabelecer parcerias com instituições de ensino superior de outros países, incluindo da China. Tal potencia intercâmbios de estudantes, professores e investigadores, bem como o desenvolvimento de projectos conjuntos sobre temáticas que até esta altura não tinha sido possível abordar.

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Outro sector para o qual a China tem contribuído é o da saúde.

Na área da saúde, a China tem prestado também um contributo valioso ao nosso país, tanto no domínio das infra-estruturas como da assistência técnica e da formação de quadros. Na ilha de Santiago, infra-estruturas importantes tais como a maternidade do Hospital Agostinho Neto e a sua lavandaria central foram construídas com apoio da cooperação chinesa. Em São Vicente, ainda este ano, começará a construção do bloco de maternidade e pediatria no Hospital Baptista de Sousa, que irá incrementar a capacidade de resposta hospitalar não só para a ilha, mas para toda a região norte do país.

No domínio da assistência técnica, a China tem enviado para Cabo Verde, desde há 40 anos, equipas médicas integrando especialistas em várias áreas, para prestar cuidados à população. Tem sido um apoio extraordinário, complementado por remessas de materiais e equipamentos médico-hospitalares, bem como pela formação pontual de quadros.

Pese embora todos os ganhos já alcançados, há um espaço enorme a ser preenchido numa óptica de parceria mutuamente vantajosa: o arquipélago pode ser útil à China na expansão dos seus interesses comerciais em saúde, podendo ser uma plataforma para a produção de medicamentos e vacinas ou montagem de equipamentos médico-hospitalares. Uma outra vertente a ser explorada é a do turismo de saúde, em estreita conexão com um sector em franco crescimento que é o do turismo balnear.

No domínio da investigação, Cabo Verde quer estabelecer parcerias com instituições internacionais de saúde, incluindo da China, para intercâmbios e trocas de experiências e de conhecimentos, bem como para levar a cabo o desenvolvimento de projectos conjuntos.

Qual a importância de Macau no quadro das relações entre os dois países?

Os laços de amizade entre Cabo Verde e Macau, onde temos uma pequena comunidade relativamente bem integrada, vêm de longa data. A presença desta comunidade e a cooperação entre os dois lados podem levar ao desenvolvimento conjunto de projectos e iniciativas, aumentando a interacção e a compreensão mútua com a China. Macau, enquanto região administrativa especial da China, pode certamente desempenhar um papel importante nas relações entre a China e Cabo Verde, enquanto plataforma financeira e centro de comércio e de investimentos.

Com Macau, temos tentado dar continuidade ao diálogo e cooperação existentes há décadas, nomeadamente em áreas como o municipalismo, justiça, finanças, turismo e cultura, bem como a nível do ensino superior, tendo Cabo Verde jovens a estudar em Macau, que servirão de elo de ligação com esta região do globo.

Os acordos entre Cabo Verde e Macau nas áreas do turismo, cooperação jurídica e judiciária, eliminação da dupla tributação e prevenção da evasão fiscal, entre outros protocolos institucionais, servem para aprofundar a amizade entre os nossos povos e criar condições ideais para o reforço da cooperação empresarial.