Entre as comunidades dos países de língua oficial portuguesa radicadas em Macau é das mais pequenas, mas também das mais ecléticas. Os naturais de Timor-Leste que vivem e trabalham no território superam levemente a meia centena, mas são um bom espelho do longo, rico e atribulado percurso do país, diz Leong I Kau, presidente da Associação de Amizade Macau-Timor
Texto Marco Carvalho
“Sinto muitas saudades de Timor. É o lugar onde nasci, onde sorvi o meu primeiro sopro, onde cresci.” Aos 78 anos, a memória já não ostenta a frescura de outrora, mas Leong I Kau evoca as alamedas ensolaradas de Baucau e os lugares dourados da meninez com a ternura de quem não esquece um primeiro amor.
Filho de um funcionário da Capitania dos Portos destacado pelo então governo português de Macau para a segunda maior cidade de Timor-Leste, Leong I Kau mudou-se para Macau com o pai e uma irmã em 1959 e teve de esperar décadas para regressar a solo timorense, mas o fascínio pelo país onde nasceu nunca o abandonou.
“Quando Timor se tornou independente e se abriu, eu decidi regressar. Como nasci em Timor-Leste, decidi visitar a minha pátria. O meu pai tinha algumas propriedades lá e eu queria ver como essas propriedades estavam, talvez desenvolvê-las”, recorda Leong I Kau.
O empresário, que ao longo dos anos construiu um império no domínio dos componentes electrónicos no Interior da China, está agora à frente dos destinos da Associação de Amizade Macau-Timor.
“O desenvolvimento económico de Timor-Leste passa fundamentalmente pelo turismo”
LEONG I KAU
PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO DE AMIZADE MACAU-TIMOR
Inexorável, a passagem do tempo corroeu o pouco português que aprendeu na escola, mas o tétum – a língua do desenfado, adquirida em longas tardes de brincadeira nas ruas empoeiradas – floresce, solta-se com desenvoltura e é no mais divulgado dos idiomas timorenses que Leong I Kau invoca a tentativa que promoveu com o intuito de ajudar a desenvolver a economia de Timor-Leste. Em 2005, três escassos anos depois de a mais jovem nação do continente asiático se ter tornado independente, o empresário abriu, em Manatuto, uma das primeiras fábricas do país. O projecto, que chegou a empregar mais de duas centenas de trabalhadores, fracassou ao fim de apenas meio ano, mas Leong I Kau não perdeu a fé no potencial económico de Timor-Leste.
“Regressei a Timor-Leste em 2005 e decidi abrir ali uma fábrica de componentes electrónicos, mas os custos de transporte eram demasiado caros na altura. Acabámos por encerrar a fábrica ao fim de cerca de seis meses de funcionamento”, lamenta o empresário. “Tencionamos reabrir as instalações quando houver outras alternativas de transporte ou quando os custos de transporte forem mais baixos”, acrescenta o dirigente.
Diversidade e união
Pelas contas de Leong I Kau, há em Macau cerca de duas dezenas de residentes de origem chinesa que nasceram ou cresceram em território timorense quando o país era ainda uma colónia portuguesa. A estes, acrescem outras duas dezenas de residentes de longa data, de origem maubere, que se fixaram em Macau nos turbulentos anos que antecederam a restauração da independência de Timor-Leste, a 20 de Maio de 2002. Os timorenses que vivem em Macau trabalham para a função pública, possuem negócios ou preparam o caminho para o sacerdócio, segundo o dirigente associativo.
Pequena e plural, a comunidade timorense recebeu, nos anos que precederam a pandemia da COVID-19, uma nova injecção de vitalidade, com a chegada ao território de mais de uma dezena e meia de estudantes, a maior parte alunos do Seminário de São José que preparam em Macau a via do sacerdócio.
“Há por volta de 30 pessoas de Timor-Leste que vieram para cá para estudar e trabalhar. Encontramo-nos algumas vezes por ano. A associação é uma forma de nos mantermos em contacto com os nossos amigos timorenses. Encontramo-nos, sentamo-nos à mesa, jantamos e falamos sobre Timor-Leste. Todos sentimos muitas saudades de Timor”, assegura Leong I Kau.
A saudade e o amor à terra que os viu nascer são o cimento que mantém unida a comunidade, mas a razão de ser da Associação de Amizade Macau-Timor, constituída em 2001, não se esgota em exercícios de reminiscência e de partilha ao redor da mesa. Ciente do grande potencial económico de Timor-Leste, Leong I Kau defende que a organização é a plataforma ideal para dar a conhecer os atractivos do país.
“Timor-Leste é um dos lugares mais pacíficos do mundo. Não tem guerras, não tem tufões, não tem terramotos. Oferece um ambiente de negócios muito bom”, sustenta o empresário. “Enquanto presidente da Associação de Amizade Macau-Timor, considero que também sou responsável por estratégias de promoção de investimento, por fazer com que eventuais investidores chineses fiquem a conhecer melhor Timor-Leste ou que homens de negócios de Timor-Leste explorem oportunidades no Interior da China e em Macau”, refere.
O café de Timor-Leste é actualmente a principal referência do país em termos de exportações. “No passado não havia muitos chineses a beber café, mas isso mudou. O café de Timor tem mais de cem anos de história e é um dos melhores cafés do mundo. São cada vez mais as pessoas que conhecem o café de Timor, mas nós queremos que ele seja ainda mais conhecido. Nos nossos planos está a promoção do nosso café na China”, adianta o dirigente associativo.
Timor-Leste, sustenta o presidente da Associação de Amizade Macau-Timor, tem muito mais para oferecer.
“Tanto quanto sei, o desenvolvimento económico de Timor-Leste passa fundamentalmente pelo turismo. Vão ser construídos muitos hotéis e há praias que são comparáveis às dos destinos mais procurados do mundo. Tenho falado com os líderes políticos do país e o que lhes tenho dito é que necessitamos de nos concentrar no desenvolvimento do turismo em Timor-Leste. Se soubermos fazer as coisas, teremos um destino mais bonito do que qualquer outro lugar do mundo”, remata Leong I Kau.