China-Portugal

Novo fôlego para as relações empresariais

Os produtos dos países de língua portuguesa, incluindo de Portugal, têm vindo conquistar o mercado de Macau e do Interior da China
Representantes de associações comerciais luso-chinesas estão confiantes que a reabertura da China depois de quase três anos de restrições pandémicas vai permitir novos contactos e até o reforçar das relações empresariais entre os dois países nos próximos anos

Texto Nelson Moura

Foram já muitas as quarentenas que Bernardo Mendia, secretário-geral da Câmara de Comércio e Indústria Luso-Chinesa (CCILC), teve de cumprir desde o início da pandemia da COVID-19 em 2020.

Com família e negócios em Hong Kong e sem poder evitar passar pelo território vizinho durante os últimos anos, Bernardo Mendia foi completando as medidas de observação médica necessárias, conforme os requisitos iam mudando com o passar dos meses. 

Os últimos três anos foram repletos de obstáculos, tanto para Macau como para Hong Kong, regiões com economias dependentes de um fluxo regular e aberto nas suas fronteiras, mas que durante certos períodos implementaram a obrigatoriedade de quarentenas de 21 dias à chegada em local designado.

No entanto, a bruma que havia caído sobre as relações empresariais entre Portugal, o Interior da China e as duas regiões administrativas especiais parece estar finalmente a levantar à medida que as restrições contra a pandemia vão sendo relaxadas.


“Temos um plano muito ambicioso para os próximos dois anos […] que serão muito importantes para a relação bilateral entre Portugal e China”

BERNARDO MENDIA
SECRETÁRIO-GERAL DA CÂMARA DE COMÉRCIO E INDÚSTRIA LUSO-CHINESA

“Fui sentindo sempre uma evolução enorme das vezes que passei por Hong Kong, principalmente no que toca ao ambiente na cidade”, conta à Revista Macau o secretário-geral da CCILC. “Sente-se que há mais vontade de fazer as coisas acontecer. Discutem-se negócios e as pessoas já estão com entusiasmo.” Mas logo acrescenta: “Ainda temos uma margem grande para se voltar ao que era antes da pandemia, mas de certeza que se vai voltar”.

Embora considere difícil apontar que áreas de negócios recuperarão mais rápido, Bernardo Mendia salienta que o mais importante actualmente é garantir que o fluxo de pessoas entre os dois lados retome a normalidade pré-pandémica.

“A partir de agora vai haver oportunidades de regressar ao mercado e isso é que faz muita falta, não só a oportunidade de ir à China, Macau e Hong Kong, mas também que empresários dessas jurisdições possam vir a Portugal”, nota o representante da CCILC, acrescentando que a ausência de contactos a longo prazo não seria um bom auspício para as relações empresariais entre os dois lados.

“Numa última viagem fizemos uma visita guiada ao aeroporto de Hong Kong pelo seu director-executivo e foi nos indicado que a capacidade total chegou a estar a 5 por cento, agora está a 15 por cento e em 2023 deve chegar a 25 por cento”, revela Bernardo Mendia. O retorno dos contactos empresariais regulares “tem que ser passo a passo, não acontece de um momento para o outro, mas está a evoluir”, acrescenta, referindo que o mesmo se irá passar com Macau e o Interior da China.

O comércio entre a China e os países de língua portuguesa atingiu 214,83 mil milhões de dólares americanos em 2022, um aumento de 6,3 por cento em comparação com 2021, de acordo com informações publicadas pelo Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa (Macau). Durante o ano passado, o comércio sino-português cresceu 2,4 por cento em termos anuais, atingindo 9,01 mil milhões de dólares americanos.

Estatísticas do Banco de Portugal divulgadas recentemente indicam que a China foi o quinto país que mais investiu em Portugal em 2022. No ano passado, o investimento directo da China em Portugal, em termos de stock, atingiu cerca de 11,23 mil milhões de euros, um aumento de 5,7 por cento em termos homólogos, de acordo com os dados do banco central português.

Luz ao fundo do túnel

Sem ser necessário mais quarentenas à chegada a Macau, Interior da China e Hong Kong, ganham novo fôlego as relações empresariais entre a China e Portugal.

Para Carlos Torres, secretário-geral da Câmara de Comércio e Indústria Portugal-Hong Kong (PHKCCI, na sigla em inglês), a eliminação das medidas de controlo pandémico eram o catalisador esperado para recuperar o intercâmbio empresarial sino-português.

“A nossa posição tem se mantido basicamente inalterada desde Fevereiro de 2020, no sentido de que devemos continuar a incentivar negócios e relações comerciais. Agora que as medidas de controlo pandémico estão a ser eliminadas as perspectivas são muito positivas”, diz Carlos Torres à Revista Macau.

Para o representante da PHKCCI, empresários de Portugal poderão agora voltar a Macau e a Hong Kong para reactivar e realizar novos contactos e participar nas feiras e eventos comerciais regularmente organizados nas duas regiões administrativas especiais da China.

“A nossa perspectiva é que 2023 seja um primeiro ano de regresso à normalidade. As feiras em Hong Kong já abriram todas em Novembro de 2022 e já há dados estatísticos em que se nota a diferença nas chegadas de estrangeiros, que têm vindo a aumentar. Espera-se que 2023 seja o ponto de viragem”, nota.

O retorno de contactos regulares, através de eventos presenciais, faz parte da agenda das associações comerciais

Com um novo Embaixador de Portugal na República Popular da China, Paulo Jorge Nascimento, um novo Cônsul de Portugal em Macau e Hong Kong, Alexandre Leitão, e um novo delegado da Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP) em Macau, Bernardo Almeida Pinho, tanto Carlos Torres como Bernardo Mendia consideram que todas as estrelas se alinham para um rejuvenescer das relações empresariais entre Portugal e a China nos próximos anos.

Nos últimos três anos, e apesar da pandemia, a China registou um crescimento económico médio anual de 4,5 por cento, superior à média mundial, com um estudo recente do Fundo Monetário Internacional (FMI) a projectar um crescimento do produto interno bruto da China de 4,4 por cento em 2023 e 4,5 por cento em 2024.

Entretanto, o FMI calcula que o crescimento da economia portuguesa se tenha fixado nos 6,2 por cento em 2022. As estimativas para este ano, no entanto, foram reduzidas para 0,7 por cento, aumentando para 2,4 por cento em 2024. Para além da instabilidade a nível global, outros factores que afectam as perspectivas de crescimento português incluem o impacto das alterações da política monetária do Banco Central Europeu, com sucessivos aumentos das taxas de juro para controlar a galopante inflação na zona euro.

Agenda preenchida

Tanto Bernardo Mendia como Carlos Torres – que colaboram regularmente através das respectivas organizações – indicam que as duas associações possuem planos ambiciosos de cooperação e uma possível agenda de eventos bem preenchida para 2023 e 2024.

“Temos um plano muito ambicioso para os próximos dois anos, que será apresentado à direcção. Planeamos organizar duas delegações à China, incluindo Macau, em 2023 e 2024, para levar empresários e reatar relações que se tenham eventualmente perdido. Estes dois anos serão muito importantes para a relação bilateral entre Portugal e China”, realça Bernardo Mendia.

Para acentuar essa importância, o dirigente relembra que em 2023 se celebram 510 anos da chegada de Jorge Álvares à China, mais concretamente a Tamão, onde agora Hong Kong se encontra, e a própria CCILC vai celebrar 45 anos este ano, com vários eventos e a publicação de livros comemorativos.

Outro marco importante será a abertura de uma nova delegação da CCILC em Xangai, com 2024 a assinalar também os 25 anos da transferência da administração de Macau de Portugal para a China.

“São muitas as efemérides a ter lugar nos próximos dois anos, o que vai criar boas oportunidades para os empresários, pois teremos boas narrativas e muita atenção das autoridades”, aponta Bernardo Mendia, que integra também os órgãos sociais da PHKCCI.

Por seu turno, Carlos Torres diz que a associação que representa irá organizar pela primeira vez actividades para celebrar o Ano Novo Lunar no Porto, em cooperação com o Departamento Económico e Comercial do Governo de Hong Kong.

“Um fórum sobre a internacionalização e exportação vai ser organizado em Março, no Porto. Será a segunda edição deste evento, que teve lugar em Lisboa no ano passado, e que vai juntar cerca de 26 câmaras de comércio e indústria portuguesas”, afirma Carlos Torres.


“Agora que as medidas de controlo pandémico estão a ser eliminadas as perspectivas são muito positivas”

CARLOS TORRES
SECRETÁRIO-GERAL DA CÂMARA DE COMÉRCIO E INDÚSTRIA PORTUGAL-HONG KONG

Entretanto, em 2023 será lançada uma Câmara de Comércio e Indústria Hong Kong-Portugal, uma entidade registada em Hong Kong que servirá de representação empresarial portuguesa no território vizinho e estará alinhada com os desígnios da PHKCCI.

“Trata-se de uma iniciativa de empresários portugueses que conta com o apoio quer do Consulado Geral de Portugal em Macau e Hong Kong, quer do Cônsul Honorário de Portugal em Hong Kong, o Comendador Dr. Ambrose So”, revela Carlos Torres.

Para 2024, está planeada também uma reunião de câmaras de comércio portuguesas no estrangeiro – organizada regularmente no Brasil – que terá lugar pela primeira vez em Hong Kong. Esta é uma iniciativa da Rede das Câmaras de Comércio Portuguesas e da PHKCCI.

Em 2022, a PHKCCI organizou a primeira edição do prémio Comendador Ambrose So, com o galardão entregue à agência de investimento Invest Hong Kong. O prémio promovido pela PHKCCI é atribuído bienalmente e tem como principal objectivo homenagear publicamente cidadãos, empresas e entidades que se tenham distinguido pelos seus feitos e/ou contributos no âmbito das relações comerciais entre Portugal e Hong Kong. 

O Invest Hong Kong é o departamento governamental responsável pelo investimento estrangeiro directo no território vizinho, apoiando empresas do exterior a estabelecer ou a expandir operações em Hong Kong.

“A Invest Hong Kong tem oferecido um grande apoio aos nossos eventos, o próprio director-geral já veio participar em vários eventos em Portugal”, refere Carlos Torres.