Entrevista

Embaixador Zhao Bentang: Grande Baía na mira de empresas lusas

Embaixador da República Popular da China em Portugal, Zhao Bentang
A vontade de aprofundar as relações entre a China e Portugal continua a crescer, apesar dos obstáculos que ainda persistem, alguns derivados da pandemia da COVID-19. Em entrevista à Revista Macau, o Embaixador da República Popular da China em Portugal, Zhao Bentang, defende uma maior promoção das indústrias e produtos portugueses de qualidade junto do vasto mercado da China. Por outro lado, salienta o diplomata, é também preciso dar a conhecer a realidade do mercado português aos investidores chineses

Texto Luciana Leitão

Que balanço faz destes primeiros dois anos enquanto Embaixador da República Popular da China em Portugal?

Em primeiro lugar, Portugal é um país muito inclusivo e o seu povo também é muito amistoso e aberto. Há cerca de 30.000 pessoas na comunidade chinesa residentes aqui e cerca de 30 empresas chinesas a operar em Portugal, e também temos estudantes chineses que prosseguem os seus estudos no país. 

É natural que Portugal seja considerado um dos lugares mais agradáveis para viver no mundo, porque tem um óptimo clima, paisagem e população. Esperamos e acreditamos que, com a melhoria da situação pandémica, cada vez mais chineses venham visitar Portugal.

Portugal tem também muitos produtos de qualidade, que estão a ser bem vistos na China. Os vinhos de Portugal, incluindo o vinho do Porto e o vinho da Madeira, ou as cervejas como a Super Bock, têm muitos apreciadores na China. Também os produtos de cortiça e a carne de porco de Portugal são produtos muito bem recebidos na China. 

Quais são os principais desafios para a China e para a comunidade chinesa em Portugal?

Primeiro, a China e Portugal têm uma parceria estratégica global. Em segundo lugar, Portugal já assinou com a China um documento de cooperação para a construção conjunta da iniciativa “Uma Faixa, Uma Rota”. Portugal também já estabeleceu uma “parceria azul” com a China. Portugal também foi o primeiro país na zona euro a emitir obrigações em renminbi. Temos na Europa, no total, cinco laboratórios conjuntos no quadro da iniciativa “Uma Faixa, Uma Rota” e três destes ficam em Portugal. 

Quanto ao comércio entre a China e Portugal, o valor do volume comercial, em 2019, foi de 6,69 mil milhões de dólares americanos e, em 2020, atingiu os 6,96 mil milhões de dólares americanos. Em 2021, as trocas comerciais atingiram 8,81 mil milhões de dólares americanos, crescendo para 9,01 mil milhões no ano passado. Estes dados demonstram que, mesmo durante a pandemia, o comércio bilateral continuou a crescer. 

Em relação à nossa colaboração no âmbito da cultura e da educação, a China tem agora cinco delegações e duas salas de aula do Instituto Confúcio em Portugal, e estão a decorrer negociações para o estabelecimento de mais duas delegações do Instituto Confúcio. Há 13 escolas secundárias e primárias em Portugal que ensinam mandarim. Na China, incluindo em Macau, temos 47 universidades que ensinam a língua portuguesa, por isso, também temos excelentes colaborações nas áreas da cultura, ciência e tecnologia e educação. 

Quanto aos desafios, o mais recente foi o da pandemia da COVID-19. Limitada a circulação das pessoas, o comércio também pode, de certo modo, ser afectado. Face a estes desafios, a China e Portugal têm intensificado ainda mais a sua comunicação e coordenação. 

Nas colaborações concretas entre Portugal e China, também há alguns obstáculos. Por exemplo, quando as empresas chinesas vêm investir em Portugal têm falta de conhecimento sobre as situações locais, mais concretamente sobre os critérios, regras e leis locais sobre investimento e negócios. Mas, se as empresas chinesas e portuguesas souberem resolver este problema, através, por exemplo, da criação de joint-ventures, com este modelo de cooperação não estão apenas a ultrapassar os desafios, estão a obter bons resultados na cooperação bilateral e, ao mesmo tempo, estão a explorar mercados terceiros em África e na América Latina. Por isso, por agora, o nosso principal objectivo é expandir o conhecimento sobre Portugal a mais chineses. 

Zhao Bentang efectua visitas regulares junto da comunidade chinesa em Portugal

Tem vindo a referir em várias entrevistas que existem alguns obstáculos às empresas chinesas em Portugal. Que outros desafios se colocam?

Se, por exemplo, uma empresa chinesa quiser investir em Portugal numa empresa portuguesa, através da detenção de 50 por cento das suas acções, tal investimento será limitado por algumas políticas. Além disso, as empresas chinesas têm menor conhecimento do que as empresas portuguesas no que diz respeito às políticas preferenciais locais. Por isso, quando enfrentam estes obstáculos, o seu entusiasmo em termos de colaboração com a parte portuguesa também poderá ser afectado. Devido às leis e regulamentos laborais de Portugal e da Europa, quando as empresas chinesas vêm investir cá, é preciso recrutar os trabalhadores locais, mas, como consequência, a eficiência poderá eventualmente ser menor do que em obras do mesmo género realizadas na China. 

Por outro lado, os governantes portugueses também referem que é preciso criar mais estímulos para apoiar o investimento das empresas portuguesas na China. Que estímulos podem ser lançados?

Quando as empresas portuguesas procuram investir na China, se houver falta de conhecimento sobre o mercado local, vai ser um desafio. A maioria das empresas portuguesas são pequenas e médias empresas. Isso significa que ainda enfrentam o problema da falta de força conjunta para explorar o enorme mercado chinês. Por isso, as empresas e as instituições portuguesas, quando querem entrar no mercado chinês, esperam fazê-lo através de Macau, porque Macau, para elas, é um intermediário de confiança. Na verdade, muitas empresas portuguesas estão interessadas em explorar o mercado chinês, em que se destaca a Região da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau. 

Em segundo lugar, é a falta de conhecimento da parte chinesa sobre os produtos portugueses e indústria de qualidade. É preciso autorização da parte chinesa para que estas empresas portuguesas entrem efectivamente no mercado chinês. Por isso, as empresas portuguesas têm menor competitividade em comparação com as empresas dos países grandes. 

Mas Portugal tem as suas próprias indústrias vantajosas e, em relação a essas indústrias, a China está muito interessada em colaborar. Por exemplo, há pouco tempo tive oportunidade de visitar a Fundação Champalimaud, que está na vanguarda na investigação na área da biomedicina e a China tem muito interesse em colaborar com a Fundação neste sector. 

Ao mesmo tempo, nos últimos dois anos, o investimento português na China registou um aumento muito rápido. Em 2021, o valor do investimento directo de Portugal na China foi superior a 40 milhões de euros e, no ano passado, esse valor atingiu cerca de 50 milhões de euros. É claro que este valor total ainda é pequeno, sobretudo em relação ao investimento directo chinês em Portugal, que, em 2021, já atingiu 10,6 mil milhões de euros.

Para se fazer melhor o trabalho de promoção e para que as empresas portuguesas conheçam melhor o mercado chinês, temos encorajado as empresas portuguesas a participarem na Feira de Importação e Exportação da China, em Xangai. E a AICEP [Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal] agora está a planear duas visitas à China este ano. 

O Embaixador da República Popular da China, Zhao Bentang, entregou as suas credenciais ao Presidente da República Portuguesa, Marcelo Rebelo de Sousa, em Março de 2021

Olhando para a comunidade chinesa em Portugal, quais foram as principais mudanças nestes últimos anos?

Antes da pandemia, havia cerca de 30.000 chineses residentes em Portugal e, durante a pandemia, havia 25.000 e, agora, esse número já recuperou para cerca de 26.000 ou 27.000. 

Durante a pandemia, também visitei as nossas comunidades nas várias cidades portuguesas, por exemplo, em Vila do Conde, na Madeira, sítios onde se concentram mais chineses, e descobri que, mesmo durante a pandemia, a vida e os negócios deles foram afectados por este ambiente geral, mas, em comparação com as empresas locais, sofreram menos. 

Muitos chineses também têm os seus canais de fornecimento na China e podem servir como intermediários para ajudar as empresas portuguesas a continuar a fazer negócios. Por isso, os chineses que optaram por voltar à China por um certo período também desempenharam um papel de ligação nesta cadeia de negócios.