Idealizada por designers locais e comprometida em manter vivas as memórias de Macau, A Porta Da Arte localiza-se numa casa com mais de 60 anos, restaurada e reconvertida num centro cultural. Um lugar tranquilo para beber um café, conhecer alguns dos produtos culturais da cidade ou apenas para partilhar recordações
Texto Tony Lai
Fotografia Cheong Kam Ka
Durante quase seis décadas, o número 42 na Rua dos Ervanários albergou a pequena fábrica de ferro Veng Kei, um espaço que era também um ponto de encontro e de convívio entre os moradores do bairro. Mas, embora os sons da fábrica tenham desaparecido com a aposentação do proprietário da Veng Kei, os convívios, conversas e gargalhadas são ainda uma constante no prédio.
Idealizado e concebido sob a orientação do artista local Fortes Pakeong Sequeira, o edifício transformou-se num centro cultural e criativo. A Porta Da Arte, como se chama o projecto, serve como plataforma para artistas e marcas culturais locais apresentarem as suas criações ao mundo exterior.
Mostra cultural e criativa
“Quando eu estava à procura de um lugar para expor as minhas obras, percebi que não era fácil encontrar um local apropriado, um desafio com o qual se deparavam outros artistas”, diz Pakeong Sequeira, designer gráfico, ilustrador e vocalista da banda de rock local Blademark, à Revista Macau. “Por essa razão, pensámos: porque não começar algo por nós mesmos? E foi daí que surgiu a ideia d’A Porta Da Arte”, acrescenta.
A Porta Da Arte foi inaugurada, em 2017, após uma recuperação completa do edifício. Actualmente, o espaço é constituído por um café no rés-do-chão, o segundo e o terceiro andares abrigam uma oficina de couro local chamada “Leather Angle” e as lojas locais de roupas vintage “Retro Macan” e “Vintage Pepperland”, enquanto o estúdio pessoal do artista está instalado no quarto andar.
O complexo oferece uma grande variedade de produtos de diferentes marcas culturais e de artistas locais, desde velas artesanais a postais, bem como uma selecção de produtos criativos de artistas do exterior.
Segundo Pakeong Sequeira, o café sempre foi parte integrante do projecto, pois pode incentivar os visitantes a permanecerem mais tempo. “Os clientes podem desfrutar de um café e algumas refeições leves enquanto despendem algum tempo a ver os produtos culturais e criativos locais no nosso espaço”, explica.
Bênção disfarçada
A Porta Da Arte procura também ser uma montra de um pedaço da história de Macau. A decoração interior preserva o património do edifício e o passado da Veng Kei, desde os pisos de azulejos de padrões retro às paredes de tijolos e armações metálicas. No menu, há um café disponível que foi baptizado de “blacksmith” (ferreiro, em português), uma homenagem à história do local.
“Além de ser um local espaçoso, a razão pela qual gosto e escolhi este lugar [para iniciar o projecto] foi pela sua história e estórias”, salienta Pakeong Sequeira. De acordo com o artista, foram encontradas fotos antigas que mostram que o prédio costumava ser um centro social para as pessoas da zona se reunirem, conviverem e jogarem mahjong.
A inauguração do complexo cultural e café ocorreu num momento em que as autoridades anunciaram planos para desviar o fluxo de visitantes dos pontos turísticos tradicionais para os bairros menos visitados, por exemplo, incentivando as multidões nas Ruínas de São Paulo a se interessarem pelos bairros periféricos, como a Rua dos Ervanários, onde se encontra A Porta Da Arte.
“Na verdade, vimos um aumento constante no número de visitantes na nossa loja até ao segundo semestre de 2019, antes do início da pandemia [da COVID-19], com os turistas a representarem cerca de 75 por cento do volume total [de negócios]”, observa Pakeong Sequeira. “Não atraímos apenas os visitantes do Interior da China, mas também do Sudeste Asiático, principalmente os que desejam ter uma experiência cultural local genuína.”
“Tenho a convicção de que, juntamente com outras lojas desta zona, podemos fazer parte da memória colectiva da nossa geração”
FORTES PAKEONG SEQUEIRA
FUNDADOR D’A PORTA DA ARTE
Com o início da pandemia no começo de 2020, tudo mudou. Contudo, para A Porta Da Arte, esta mudança pode ter sido uma bênção disfarçada. “O nosso negócio sentiu o impacto [da crise de saúde pública] nos últimos dois anos, mas, em troca, vimos mais clientes locais a explorarem diferentes cantos da cidade, porque não podem viajar para outros lugares”, sublinha.
Memória colectiva
Embora a pandemia possa ter afectado o crescimento do negócio d’A Porta Da Arte, não fragilizou as aspirações dos proprietários de enriquecer a cena artística e cultural local. Desde finais de 2020, o projecto tem colaborado com outras entidades para organizar regularmente um mercado de produtos culturais e criativos locais na Rua dos Ervanários, tendo a última edição sido realizada em Março.
“Começámos com cerca de dez bancas na primeira vez e a escala foi sendo gradualmente aumentada para 20 a 30 bancas”, afirma Pakeong Sequeira. Na próxima edição, a ter lugar ainda este ano, o objectivo será ampliar o evento com mais bancas ao longo não só da Rua dos Ervanários, mas também da vizinha Rua da Tercena. “Queremos difundir a influência da marca A Porta Da Arte para a comunidade onde estamos inseridos”, revela o artista.
“Nasci nos anos 1970 e à medida que crescia parecia que não havia muito para fazer em Macau”, continua. “Depois de ter seguido a carreira artística, sempre quis enriquecer as ofertas e o valor [cultural] de Macau e dar espaço a outras pessoas que partilham aspirações semelhantes.”
Fazendo o balanço dos cinco anos de experiência de gestão d’A Porta Da Arte, Pakeong Sequeira conta que a gentileza e a simpatia dos moradores do bairro o comoveram. “As pessoas deste bairro são muito simpáticas e acolhedoras. Reconheceram-me quando era apenas um recém-chegado ao bairro há alguns anos e deram-me o incentivo necessário para começar o projecto d’A Porta Da Arte, para injectar uma nova vida à zona”, observa.
A loja, acrescenta, é também um espaço para preservar a memória viva da cidade. Pakeong Sequeira recorda três jovens que visitaram a loja e partilharam as suas memórias de infância na antiga fábrica Veng Kei, pois eram familiares do então proprietário. “Quando ouvi a história deles, senti-me tão tocado”, salienta. “Tenho a convicção de que, juntamente com outras lojas desta zona, podemos também fazer parte da memória colectiva da nossa geração.”