A Associação de Beneficência Tung Sin Tong comemora este ano o seu 130.º aniversário. Uma das mais antigas instituições de solidariedade social de Macau, funciona como um importante pilar de apoio para a população mais carenciada do território, mantendo-se fiel aos objectivos traçados pelos seus fundadores em finais do século XIX, ainda durante a dinastia Qing
Texto Cherry Chan
A mensagem, escrita em caracteres chineses, está afixada de forma bem visível na entrada principal da sede da organização: “Assistência Conjunta, Caridade para Todos”. É inspirada por este lema que, ao longo dos últimos 130 anos, a Associação de Beneficência Tung Sin Tong tem vindo a levar a cabo as suas actividades de solidariedade social junto da população de Macau.
“O nosso mote é imutável”, sublinha o presidente da direcção da instituição, José Chui Sai Peng, em entrevista à Revista Macau. “No entanto, os nossos serviços principais têm vindo a evoluir, fruto do desenvolvimento da sociedade.”
A Tung Sin Tong – também conhecida como Associação de Beneficência Tong Sin Tong – fornece uma ampla variedade de serviços gratuitos. A sua acção está focada em cinco áreas: assistência social, serviços médicos, educação, cuidados infantis e apoio à terceira idade. O trabalho levado a cabo pela associação ao longo de mais de um século de existência é amplamente reconhecido pela população local: reflexo disso é o número de filantropos e outros doadores – uns mais anónimos que outros, a maioria proveniente de Macau, mas alguns também do Interior da China – que têm apoiado a Tung Sin Tong desde a sua fundação.
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O Governo da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM) reconhece o papel da organização enquanto importante parceiro no campo dos assuntos sociais. A associação está representada em diversos organismos consultivos das autoridades locais, incluindo a Comissão para os Assuntos do Cidadão Sénior, o Conselho de Acção Social e a Comissão de Luta contra a SIDA. Além disso, a Tung Sin Tong também beneficia de subsídios do Governo da RAEM, o que contribui para o financiamento dos seus serviços e o assegurar da respectiva acessibilidade a todos.
Aquando do 110.º aniversário da associação, em 2002, a instituição foi agraciada pelo então Chefe do Executivo, Edmund Ho Hau Wah, com a Medalha de Mérito Altruístico. Mais recentemente, em Agosto, o actual chefe do Governo, Ho Iat Seng, agradeceu à Associação de Beneficência Tung Sin Tong pelo seu apoio à acção governativa, designadamente a colaboração com o trabalho de prevenção e controlo ligado à pandemia da COVID-19. Na altura, o responsável máximo da RAEM sublinhou que a organização, enquanto instituição tradicional de caridade com um longo historial, tem contribuído para o desenvolvimento social do território, através da prestação de um elevado volume de serviços nas áreas da assistência médica, educação e apoio a idosos.
Colmatar uma lacuna
A Tung Sin Tong é considerada uma das mais antigas instituições de beneficência de matriz chinesa em Macau, a par da Associação de Beneficência do Hospital Kiang Wu – esta última completou o seu 150.º aniversário em 2021. A origem de ambas as organizações está ligada à necessidade de providenciar auxílio social às pessoas de etnia chinesa mais carenciadas do território: apesar de já existirem então organismos em Macau de carácter assistencialista – com destaque para a Santa Casa da Misericórdia, fundada no século XVI pelo bispo D. Belchior Carneiro –, as barreiras linguísticas e religiosas dificultavam a chegada de apoio a grupos não falantes de português e não católicos.
Para colmatar a lacuna, um conjunto de comerciantes abastados de etnia chinesa de Macau e de Hong Kong estabeleceu em 1888 uma organização designada de “Mansão Tung Sin”: a sua finalidade era congregar esforços de figuras locais, de diferentes áreas, com disponibilidade financeira para apoiarem os mais idosos, os mais fracos e os mais pobres. Outras figuras influentes da comunidade de etnia chinesa local foram-se associando ao projecto e, a 1 de Dezembro de 1892, um grupo composto por 407 fundadores avançou com a criação de uma associação de beneficência.
A sede da Tung Sin Tong começou por estar localizada no Largo do Senado. Depois de um período na zona da Rua da Felicidade, a associação transferiu-se em 1924 para as suas actuais instalações, na Rua de Camilo Pessanha, a curta distância da Avenida de Almeida Ribeiro, também conhecida por San Ma Lou, no coração da cidade. É também nessas instalações que está hoje localizado o Arquivo Histórico Tung Sin Tong, que guarda o acervo da organização.
A Rua de Camilo Pessanha acolhe igualmente a Farmácia Chinesa Tung Sin Tong, que ocupa um edifício de três andares. O plano de criação de uma farmácia surgiu em 1939 da cabeça de Kou Ho Neng. O na época “rei” das casas de penhor em Macau ofereceu o n.º 60 da Rua de Camilo Pessanha para acolher o projecto, disponibilizando ainda um fundo inicial para levar avante a iniciativa. A farmácia abriu portas ao público em 1941; um segundo estabelecimento farmacêutico de medicina tradicional chinesa ligado à Tung Sin Tong foi inaugurado na Taipa em 2018.
Serviços para todos
Ao longo da sua história, o tipo de serviços disponibilizados pela associação tem vindo a alargar-se. Inicialmente focada em providenciar auxílio aos mais pobres, a organização estendeu o seu raio de acção à prestação de cuidados infantis e, mais recentemente, ao apoio a idosos. O número de beneficiários tem também vindo a alargar-se.
“No início, fornecíamos serviços essenciais”, diz o presidente José Chui Sai Peng. “O desenvolvimento social tem-se traduzido em mudanças nas necessidades da população, pelo que os nossos serviços têm sido também adaptados em função da evolução da sociedade.”
A Associação de Beneficência Tung Sin Tong pugna, desde a sua origem, por disponibilizar serviços de forma gratuita, particularmente ao nível da assistência médica e medicamentosa. O actual presidente da direcção recorda que, devido a questões de natureza financeira, a disponibilidade de consultas e medicamentos era inicialmente limitada. Porém, o esforço de anteriores direcções permitiu à Tung Sin Tong uma prestação mais alargada de serviços gratuitos, independentemente da classe social ou nacionalidade dos beneficiários. Para tal, desempenhou um papel relevante o pai de José Chui Sai Peng, Chui Tak Kei, que esteve à frente da organização por várias décadas.
Actualmente, as várias clínicas da Tung Sin Tong oferecem consultas médicas em diversas especialidades, desde medicina dentária a fisioterapia ou acupunctura. As unidades prestam cuidados de saúde primários, praticando serviços médicos básicos diversificados.
Numa fase inicial da sua existência, a acção da Tung Sin Tong focava-se na prestação de auxílio aos mais pobres através da entrega de bens de primeira necessidade, como comida e vestuário. A organização desempenhou, em vários momentos da história de Macau, um importante papel social, particularmente aquando de desastres naturais, grandes acidentes ou outras crises – por exemplo, no acolhimento a refugiados no âmbito da Segunda Guerra Sino-Japonesa, entre 1937 e 1945.
A associação mantém vivo o seu papel no âmbito da assistência social, através da disponibilização mensal de vales de desconto em supermercados ou cupões para aquisição de arroz, para que pessoas com menores recursos possam ter acesso a bens de primeira necessidade. Durante os meses de Inverno, a Tung Sin Tong distribui cobertores e agasalhos entre os mais carenciados, além de oferecer presentes às camadas mais frágeis da população durante as principais festividades do calendário tradicional chinês. O grupo também ajuda a custear serviços fúnebres. Além disso, foi criada a Fundação Ho Kam Yung, para apoio a pessoas portadoras de deficiência e respectivas famílias.
Paixão pela educação
Desde os primórdios da associação que os dirigentes da Tung Sin Tong encararam a educação com uma importante ferramenta de redução da pobreza. Ainda durante os tempos da “Mansão Tung Sin”, eram já recrutados docentes para promover um nível básico de escolarização junto das crianças mais pobres.
A primeira instituição de ensino ligada à Tung Sin Tong foi oficialmente criada em 1924, fornecendo desde logo ensino gratuito a todos os utentes. Ao longo dos tempos, ocorreram diversas alterações em termos de formato, com a actual Escola Tung Sin Tong, localizada na mesma rua da sede da associação, a ser criada em 1965, seguida de um jardim de infância, em 1987, na zona do NAPE. Quatro anos depois, a Escola Tung Sin Tong começou a disponibilizar ensino secundário, altura em que a associação passou a oferecer 15 anos de escolaridade gratuita, algo que só se tornaria obrigatório de forma geral na RAEM em 2006. Actualmente, cerca de 1.400 jovens estudam nos estabelecimentos de ensino geridos pela associação.
“Podemos dizer que a Tung Sin Tong é pioneira em proporcionar oportunidades aos residentes locais”, sublinha José Chui Sai Peng. “Acreditamos que, ‘se dermos um peixe a um homem, alimentamo-lo por um dia; se o ensinarmos a pescar, alimentamo-lo para toda a vida’. A educação é essencial para todos.”
Para apoiar os jovens locais a prosseguirem estudos universitários, a Tung Sin Tong faculta prémios e bolsas de estudo. A associação também disponibiliza cursos nocturnos de educação contínua em áreas como as tecnologias da informação, línguas estrangeiras ou contabilidade, de forma a ajudar os residentes a elevarem as suas competências profissionais. Estes cursos são leccionados pelo centro de ensino para adultos da associação, estabelecido em 1986 e localizado na Escola Tung Sin Tong.
A Tung Sin Tong gere igualmente uma rede de cinco creches, implementadas em zonas de elevada densidade populacional, as quais recebem actualmente um total de mais de 900 crianças. A primeira creche foi criada em 1976, numa altura de grande industrialização da economia local, para que as mulheres com filhos pudessem ter a quem entregar as crianças durante o dia, ficando disponíveis para entrar no mercado laboral e assim contribuir para o rendimento do respectivo agregado familiar.
O envelhecimento da população de Macau, acelerado nas últimas décadas, levou a Tung Sin Tong a apostar mais recentemente nos serviços de apoio à terceira idade. O primeiro centro de actividades para idosos da associação nasceu em 2013 na Areia Preta, servindo actualmente mais de 1.100 cidadãos sénior. Entretanto, foi inaugurado um outro centro este ano, na zona de San Kio, outra área densamente habitada da península de Macau. Os centros disponibilizam actividades recreativas e culturais em horário diurno, além de acolherem palestras e outros eventos, com o objectivo de enriquecer a vida dos cidadãos mais idosos.
Sentido de missão
Os custos administrativos da Tung Sin Tong são maioritariamente assegurados pelos membros da direcção. “Todos têm conhecimento disto e assumem essa responsabilidade; os donativos financeiros de terceiros são utilizados para financiar as operações”, explica José Chui Sai Peng. “Ou seja, as doações dos outros beneméritos são usadas em prol das pessoas necessitadas.”
Todos os anos, a Tung Sin Tong realiza uma campanha de recolha de fundos, que arranca no primeiro dia do décimo mês do calendário lunar. A iniciativa nasceu em 1924, altura em que envolvia uma angariação de donativos realizada rua a rua. “Naquela época, Macau era mais pequena e podíamos atravessar a cidade num mês e meio. Agora, também incluímos a Taipa e Coloane, pelo que precisamos de mais tempo”, diz José Chui Sai Peng. O presidente da associação enfatiza o simbolismo da acção: para além da recolha de fundos, a angariação anual pretende demonstrar à população que qualquer um pode contribuir para fazer o bem, bastando apenas ter essa vontade, independentemente da sua capacidade financeira.
José Chui Sai Peng revela que, durante os preparativos para o 130.º aniversário da associação, os membros da instituição encontraram “alguns documentos relativos ao estabelecimento da Tung Sin Tong, que sublinhavam que a associação não devia apenas fazer o bem, mas orientar todas as pessoas para praticarem o bem”. A descoberta serviu como incentivo para a organização de diversas actividades para promover a história e o lema da Tung Sin Tong, especialmente junto dos mais jovens. Tal incluiu a realização de uma exposição itinerante, que esteve patente em várias instituições de ensino superior locais ao longo de 2022. “Desejamos que mais jovens possam conhecer o nosso trabalho, esperando que tal os inspire a participarem em acções de beneficência”, diz o presidente.
Ao longo dos últimos 130 anos, inúmeras pessoas beneficiaram dos serviços da Tung Sin Tong. De acordo com José Chui Sai Peng, muitos voltaram depois à associação, contribuindo com o seu apoio.
“Diversos utentes que beneficiaram dos nossos serviços enquanto crianças passaram, mais tarde, de beneficiários a beneméritos”, diz o actual presidente. “Muitos, depois de crescerem e atingirem autonomia financeira, voltam para nos oferecer donativos, quer dinheiro, quer imóveis. Também temos beneméritos cujos pais beneficiaram dos nossos serviços e que, nos seus últimos anos de vida, lhes pediram para doarem à Tung Sin Tong sempre que pudessem.”
José Chui Sai Peng sublinha em particular o papel da educação providenciada através da Escola Tung Sin Tong enquanto elemento promotor da redução das desigualdades sociais. E dá o caso de um antigo aluno da escola que é hoje professor universitário – segundo o presidente da direcção, este é um bom exemplo do trabalho levado a cabo pela associação, para alargar os horizontes daqueles a quem dá apoio, para que possam acreditar que, através do seu esforço, é possível encontrar uma vida melhor.
“Desejamos que mais pessoas possam entender o conceito de praticar o bem”, remata José Chui Sai Peng. “Trabalhando em conjunto, podemos fazer de Macau uma cidade melhor, mais habitável, mais bonita e mais calorosa.”
A rede Tung Sin Tong |
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– Cinco creches – Um jardim de infância – Uma escola (ensino primário e secundário) – Um centro de ensino para adultos – Dois centros de actividades para idosos – Quatro clínicas de medicina tradicional chinesa Uma clínica de medicina ocidental – Duas farmácias de medicina tradicional chinesa |