Angolanos em Macau

O espelho para uma nova Angola

É um ano de renovação e de novos desafios para a Associação Angola Macau, que mantém vivo o desígnio original: aproximar os membros da comunidade e dar a conhecer a Macau a nova realidade do país africano

Texto Tiago Azevedo

Foi criada há mais de 17 anos com o propósito de fazer os angolanos em Macau “sentirem-se em casa”, sobretudo os estudantes que chegavam para frequentar cursos nas instituições de ensino superior locais. A realidade é hoje diferente, fruto do passar do tempo, mas a Associação Angola Macau quer continuar a servir a comunidade, especialmente após o período da pandemia da COVID-19, diz o presidente da organização, Alexandre Correia da Silva.

Num ano de transição, que dará lugar a uma nova direcção, o ainda dirigente salienta que é importante voltar a organizar actividades e a reunir os membros da comunidade, para “trazer toda a gente de volta ao convívio”.

Embora a comunidade angolana em Macau viva com “limitações próprias”, Correia da Silva afirma que com a “abertura que começa a haver” após a pandemia, “é preciso reunir outra vez as pessoas, mostrar que é possível haver contactos”. 

“Penso que esse vai ser o principal papel da nova direcção: aproximar novamente as pessoas e as comunidades”, diz em entrevista à Revista Macau. “Há uma coisa muito africana: nós gostamos de nos juntar à volta de um bom funge para falar sobre a comunidade. Acima de tudo, temos de nos organizar com condições para podermos realizar um conjunto de actividades que consigam aproximar as pessoas da comunidade.”

À frente da Associação Angola Macau desde a sua criação, Correia da Silva salienta que está a trabalhar para criar as condições financeiras necessárias para a organização conseguir levar a cabo um conjunto de iniciativas. Este trabalho, realça, será feito por “uma nova direcção composta por gente jovem, mas que já vive em Macau há muito tempo e que tem capacidade de chamar e juntar as pessoas”.

Um país moderno

Advogado de profissão, Angola é a terra de origem de Correia da Silva, mas foi em Macau – onde chegou em 1980 – que mais tempo viveu. “Estou em Macau há 40 anos, portanto, a cidade tem um peso enorme na minha formação profissional e em toda a minha vida”, revela, em vésperas de deixar o território. “Reformei-me da minha actividade profissional, mas Macau continua a chamar por mim, não apenas pelo coração, mas também porque tenho aqui um conjunto de relações de várias naturezas que muitas vezes me trazem de volta à cidade.”

Em 2005, relata, a associação surgiu como um esforço dos angolanos de se juntarem e se apoiarem uns aos outros. Devido à redução do número de estudantes angolanos em Macau, o trabalho está agora focado “nas famílias angolanas que já cá estão, que têm os seus filhos nas escolas de Macau”. 

Mas a “composição social” da comunidade também se foi alterando ao longo dos anos, nomeadamente após a inauguração, em 2013, do Consulado Geral de Angola em Macau, que resultou num maior número de pessoas ligadas ao “corpo diplomático angolano”.


“Angola é um país moderno e há um tremendo progresso do ponto de vista social, cultural e artístico”

ALEXANDRE CORREIA DA SILVA
PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO ANGOLA MACAU

Na hora da despedida, Correia da Silva assume que alguns objectivos ficaram por concretizar: o de dar a conhecer uma outra Angola, um país em franco desenvolvimento e com uma cena artística e cultural vibrante. Uma tarefa que deve agora ser continuada pelos novos órgãos directivos.

“O que sentimos muitas vezes é que continua a haver ao nível das organizações uma visão de África muito tribal, parecendo que não há evolução para além do que são as actividades tradicionais”, explica o dirigente, acrescentando que a ideia que ainda persiste de Angola é balizada em “formas tradicionais que hoje em dia já não correspondem à matriz cultural e à realidade do país”.

“Angola é um país moderno, tem uma juventude muito moderna, grandemente educada no exterior, beneficiando das bolsas de estudo, e há um tremendo progresso do ponto de vista social, cultural e artístico”, sublinha.

Maior divulgação

As relações diplomáticas e económicas entre a China e Angola têm aumentado significativamente nos últimos anos, um desenvolvimento que traz “benefícios para ambas as partes”, embora seja ainda possível aprofundar a cooperação, defende Correia da Silva.

“Há dois níveis de relações entre a China e Angola. As relações entre o Estado angolano e o Estado chinês são feitas directamente entre os dois países, não passando por Macau. Há projectos que são desenvolvidos e discutidos ao nível da superestrutura, entre os dois países e os respectivos ministérios”, explica.

No que diz respeito a Macau, e especificamente ao trabalho desenvolvido pelo Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa (Fórum de Macau), “há um maior enfoque na parte cultural”, uma área realçada também pelo papel desempenhado pelas associações dos países de língua portuguesa em Macau.

A associação organizou um workshop para a comunidade local no ano passado

“Sempre nos deparámos com a questão de definir o nosso papel”, conta Correia da Silva. “Mesmo quando discutimos a criação da associação, debatemos se poderia eventualmente ser um entreposto comercial, mas não há capacidade, nem estrutura, para estas associações fazerem esse trabalho.”

Existe um grande volume de negócios entre empresários angolanos e chineses, mas, no entender do dirigente associativo, Macau “ainda não mostrou toda a capacidade e potencial que tem para oferecer” como plataforma de cooperação entre a China e Angola. “Macau pode oferecer a empresários que vêm de fora uma série de condições e benefícios, desde instalações para escritórios temporários ao uso da língua portuguesa”, exemplifica.

Para Correia da Silva, “mais tem de ser feito para promover o papel de Macau e a relevância daquilo que tem para oferecer”, estando ainda a faltar um “instrumento qualquer que pudesse dar a conhecer às massas” a posição que Macau pode desempenhar. Se tal se concretizasse, as associações das comunidades lusófonas em Macau poderiam ter um papel de maior relevância na ligação entre a China e os seus países de origem, remata.