A Universidade de Lisboa acaba de abrir uma faculdade na Universidade de Xangai, disponibilizando três licenciaturas no campo das engenharias. A parceria é vista como uma forma de promover a cooperação na área do ensino superior no âmbito das relações sino-portuguesas
Texto Marta Melo
É já este mês de Setembro que entra em funcionamento a ULisboa School, fruto de uma parceria entre a Universidade de Lisboa (ULisboa), em Portugal, e a Universidade de Xangai (SHU, na sigla inglesa), no Interior da China. A faculdade, localizada na capital financeira chinesa, arranca com três licenciaturas, nas áreas de Engenharia Electrotécnica e de Computadores, Engenharia Civil e Engenharia do Ambiente. No ano lectivo de 2023/2024, é esperado que avancem diversos mestrados. Também vão ser disponibilizados doutoramentos, a ser desenvolvidos com base nos programas já existentes em cada uma das duas instituições.
A ULisboa School começa operações com um total de 180 vagas disponíveis para as três licenciaturas. O acordo entre as duas instituições prevê 60 estudantes por licenciatura e 30 por mestrado. À Revista Macau, João Peixoto, vice-reitor da ULisboa, explica que o processo de ingresso dos alunos é integralmente gerido pela SHU. “As condições de candidatura, regras de acesso e processo de selecção decorrem pelas regras em vigor no Interior da China. Porém, existe um acordo para que os padrões de admissão na SHU não sejam inferiores aos que se praticam na ULisboa”, diz.
Nesta primeira fase, a maioria dos alunos será de nacionalidade chinesa, mas o objectivo é, segundo João Peixoto, que a nova faculdade venha a “atrair um número cada vez maior de estudantes internacionais”. A intenção é reiterada por Nie Qing, vice-presidente da SHU, que tem agora também o cargo de directora da ULisboa School. “O nosso objectivo é formar talentos de alta qualidade, orientados para a prática internacional, para promover a internacionalização de ambas as universidades e aprofundar a cooperação a todos os níveis”, explica.
Uma parte das unidades curriculares será leccionada em mandarim. Ainda assim, haverá uma componente linguística nos cursos da nova faculdade. “Os alunos terão de melhorar as suas competências de inglês e adquirir algumas bases da língua portuguesa”, explica o vice-reitor da ULisboa.
Cada universidade garante um terço dos professores necessários ao funcionamento dos cursos, cabendo à SHU recrutar os restantes, “muitos deles no mercado internacional”, esclarece João Peixoto. As aulas leccionadas por docentes da ULisboa e pelos contratados no mercado internacional serão em inglês.
Está também previsto um programa de intercâmbio de estudantes, envolvendo uma estadia de um semestre em Lisboa, embora possa não acontecer em todos os casos. Segundo João Peixoto, no âmbito das licenciaturas, que terão a duração de quatro anos, há “a possibilidade de um semestre – o primeiro semestre do quarto ano – poder ser leccionado em Lisboa”. Em sentido oposto, alguns estudantes da ULisboa em Portugal podem também beneficiar de um período de mobilidade na SHU.
Parceria inédita
Nie Qing conta que, “com as sugestões e promoção de amigos de Macau, as duas universidades apresentaram a ideia de criar uma escola conjunta em 2018”, um ano antes de Portugal e a República Popular da China assinalarem o 40.º aniversário do estabelecimento de relações diplomáticas e também um ano antes das celebrações do 20.º aniversário da criação da Região Administrativa Especial de Macau. A pandemia da COVID-19 acabou por ter impacto no processo, “mas não impediu que continuasse a avançar”, recorda João Peixoto.
“Acredito que, com o apoio e empenho de ambas as universidades, a ULisboa School tornar-se-á uma das escolas conjuntas mais populares da China”
NIE QING
VICE-PRESIDENTE DA SHU E DIRECTORA DA ULISBOA SCHOOL
A oficialização da parceria aconteceu em 2021. Já este ano, as autoridades dos dois países reconheceram e validaram o acordo das instituições de ensino superior. “O primeiro sinal veio de Portugal, no início de 2022, quando a Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (A3ES) validou os cursos previstos”, assinala o representante da universidade portuguesa. O Ministério da Educação chinês aprovou a parceria em Maio.
Para a SHU, a colaboração com a ULisboa enquadra-se na sua estratégia de internacionalização e no compromisso de formar quadros qualificados. A ideia de avançar para este projecto visou, segundo Nie Qing, servir a iniciativa “Uma Faixa, Uma Rota” e a política nacional de posicionar Xangai como um centro de inovação científica e tecnológica, bem como “colmatar uma lacuna entre a China e Portugal – a ausência de instituições conjuntas na área do ensino superior”. A mesma responsável adianta que o projecto quer também “dar resposta às necessidades de formação de talentos na área de ‘Português + Engenharia’”.
“O desafio que foi feito à ULisboa foi particularmente aliciante por revelar o prestígio que a universidade e a ciência portuguesas atingiram na China”, atira João Peixoto. Esta é a primeira vez que a SHU se alia a uma universidade lusa, apesar de já o ter feito com instituições do Canadá, Austrália e França. Do lado da ULisboa, João Peixoto fala de um projecto novo, com o estabelecimento de ensino superior a ser “uma das universidades portuguesas pioneiras neste domínio”, sem estarem previstas mais iniciativas do género com outras instituições.
O vice-reitor explica que a internacionalização é um dos principais eixos de desenvolvimento estratégico da ULisboa e que a escolha da China para esta parceria resulta de vários factores. “Da sua importância no mundo contemporâneo, da grande velocidade com que se desenvolvem as suas instituições de ensino superior e de investigação, e da oportunidade de Portugal contribuir com conhecimento aplicado num país com altos níveis de crescimento.”
O dirigente explica que esta parceria “será integralmente financiada pela SHU”, com as propinas pagas pelos estudantes a constituírem a principal base de financiamento.
Expectativas elevadas
No arranque da ULisboa School, Nie Qing diz estar “confiante” quanto ao sucesso do projecto. A responsável explica que serão integradas no perfil da nova faculdade “características básicas” do ensino superior do país, mas também “filosofias estrangeiras ligadas à inovação”.
João Peixoto admite que, do lado da ULisboa, os desafios de adaptação, relacionados com o tipo de ensino praticado no Interior da China, a cultura e mesmo a comunicação linguística, “são complexos”, mas acredita que a “linguagem do conhecimento científico poderá criar pontes de entendimento”. O facto de os cursos leccionados terem uma base tecnológica leva o vice-reitor da universidade portuguesa a acreditar que tal “poderá facilitar o diálogo entre docentes e estudantes das duas instituições”.
“Acredito que, com o apoio e empenho de ambas as universidades, a ULisboa School tornar-se-á uma das escolas conjuntas mais populares e internacionalizadas da China, com o objectivo de formar talentos internacionais de engenharia”, assegura Nie Qing.
Na sua opinião, esta colaboração com a universidade portuguesa trará “benefícios e potencial” para os estudantes dos dois países. Entre as vantagens, a responsável enumera o facto de os alunos serem preparados para trabalhar em ambientes multiculturais e internacionais, e para compreender e valorizar culturas e perspectivas diferentes. “Terão oportunidade de fazer estágio ou ter uma experiência de trabalho em consórcios sino-portugueses, ou podem inscrever-se directamente nos programas de mestrado da Universidade de Lisboa, para aprofundar os seus estudos”, acrescenta Nie Qing.
A cooperação entre as duas instituições está, para já, circunscrita às engenharias. João Peixoto justifica a escolha com o “prestígio da engenharia portuguesa além-fronteiras”, mas também com o potencial destas áreas na cidade chinesa. “O facto de o intercâmbio se destinar à formação de profissionais que vão trabalhar em Xangai, uma cidade que é um dos epicentros da actual dinâmica da China, e em iniciativas económicas diversas envolvendo a China e os países de língua portuguesa, ajudou também a essa escolha”, refere.
Nenhuma das instituições descarta a possibilidade de a nova faculdade vir a disponibilizar cursos em mais campos do saber. João Peixoto assinala mesmo que o acordo com a SHU já prevê que o âmbito da ULisboa School “poderá vir a ser alargado, no futuro, a outras áreas científicas”. Nie Qing corrobora a expectativa e admite que as novas colaborações possam acontecer para lá da criação de programas académicos, nomeadamente envolvendo o estabelecimento de “plataformas de investigação entre as duas universidades e a conexão de indústrias entre os dois países”.
Com a nova faculdade, a SHU planeia contratar, ainda este ano, professores de língua portuguesa, uma área de ensino para a qual, actualmente, não possui qualquer oferta. Nie Qing estima que, assente no desenvolvimento da ULisboa School, haja “um grande interesse para estudar português” entre os alunos da SHU. “Pretendemos trabalhar para criar um curso de língua portuguesa, com base na procura”, sublinha.
A instituição chinesa está de olhos postos na lusofonia. Em 2022, a SHU contabilizou mais de 2600 alunos internacionais de 149 países e regiões – entre eles, alguns eram provenientes de países de língua portuguesa. Segundo Nie Qing, o número “não é elevado”, mas isso pode mudar. “Espero que com o lançamento da nova escola conjunta tenhamos mais alunos portugueses no nosso campus”, conclui.
Os promotores da ULisboa School |
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– Universidade de Lisboa A instituição resulta da fusão da Universidade de Lisboa e da Universidade Técnica de Lisboa, em 2013. A Universidade de Lisboa (ULisboa) é composta por 18 escolas e acolhe mais de 50 mil estudantes. Na mais recente edição do “NTU Rankings”, um dos mais importantes e conceituados “barómetros” internacionais no que toca ao desempenho científico das instituições de ensino superior, a ULisboa surge em 166.º lugar. |
– Universidade de Xangai A instituição foi fundada em 1922 e em Maio de 1994 integrou outras três universidades da cidade: a Universidade de Tecnologia de Xangai, a Universidade de Ciência e Tecnologia de Xangai e o Instituto de Ciência e Tecnologia de Xangai. A universidade possui 31 escolas e faculdades, servindo mais de 40 mil estudantes. Na última edição do “NTU Rankings”, a Universidade de Xangai ocupava a 486.ª posição. |