O tradicional não significa intocável para a Casa de Bolos Man Kei. As receitas consagradas foram aperfeiçoadas para continuar a deliciar os clientes, que podem comer sem culpas e manter uma dieta saudável. O negócio é um sucesso e tem sobrevivido à crise pandémica
Texto Tony Lai
Fotografia Cheong Kam Ka
Os doces tradicionais chineses têm tanto de sabor e aroma como de teor de açúcar e calorias. É por isso que, apesar de deliciosos, os famosos rolinhos de ovo, os “pastéis da esposa”, os folhados com recheios diferentes e os “biscoitos de frango” feitos com banha de porco são evitados pelos consumidores mais preocupados em manter uma alimentação saudável. Mas a consagrada empresa local Casa de Bolos Man Kei tem se empenhado ao longo de vários anos em oferecer “receitas mais saudáveis”, adaptadas ao estilo de vida urbano moderno. Para experimentar, é só ir até à Rua do Cunha, na Taipa.
“As pessoas hoje em dia são mais exigentes. Se a comida não for deliciosa e saudável, nunca mais voltarão.” Quem o diz é Wong Kim Man, responsável por esta marca de iguarias e doces típicos, juntamente com a sua esposa, desde 1987. Antes de o casal Wong assumir o comando do negócio e baptizar a loja como Man Kei, esta era explorada por um pasteleiro amigo da família. O comerciante oriundo de Hong Kong abriu a loja na década de 1960, vendendo doces e sobremesas de estilo Chiuchow, também conhecido como Chaozhou, que é o nome de uma cidade no leste da província de Guangdong.
“Eu era taxista, mas, juntamente com a minha mulher, às vezes ajudávamos o nosso amigo na loja, e fomos aprendendo a fazer estes pastéis com o mestre”, conta Wong Kim Man à Revista Macau. “Um dia, o nosso amigo queria se aposentar e voltar para Hong Kong, e perguntou-nos se estávamos interessados em ficar com o negócio. Nós dissemos que sim”, relembra.
Menos açúcar, pouco óleo
Uma das primeiras coisas que o casal Wong fez na qualidade de novos proprietários da loja foi melhorar as receitas. “Os doces do estilo Chiuchow são conhecidos pela sua doçura, por isso tentámos colocar menos açúcar nos produtos para torná-los mais atraentes para a maioria do público”, explicam. “Ao longo dos anos, também notámos que as pessoas prestam cada vez mais atenção à sua saúde e dieta, por isso aperfeiçoamos constantemente as nossas receitas e usamos o mínimo de açúcar e óleo possível, sem prejudicar o sabor.”
A dupla também expandiu a variedade de produtos da Casa de Bolos Man Kei para chegar a clientes de todas as camadas sociais. No início, começaram a confeccionar apenas doces de estilo Chiuchow, mas aos poucos especializaram-se em todos os tipos de doces tradicionais chineses que estão disponíveis para venda nos dias de hoje, incluindo comidas de rua como os waffles.
Todos estes produtos são de confecção própria na fábrica localizada no andar por cima da loja, gerida pelo casal com a ajuda do filho e de alguns funcionários. “Os nossos produtos geralmente só podem ser armazenados durante um período de três a sete dias, porque não usamos conservantes e pigmentos artificiais”, salientam os proprietários. “Não são apenas os clientes que consomem os nossos produtos. Nós também consumimos os nossos próprios doces. Por isso, prestamos atenção aos detalhes para garantir que sejam o mais saudáveis e deliciosos possível”, acrescentam.
A produção da Casa de Bolos Man Kei realiza-se numa base diária, dependendo do stock e da procura dos clientes. “Como os nossos produtos só podem ser armazenados por um curto período de tempo, não fazemos muitos de uma só vez. Durante os dias de pico, temos que fazer várias fornadas de doces para atender às necessidades dos clientes”, revelam os proprietários.
Esta prática diária de operação manteve-se nos últimos três anos, mesmo quando o número de clientes caiu devido à pandemia da COVID-19. Esta prática diária de operação manteve-se nos últimos três anos, mesmo com o impacto da pandemia da COVID-19 no ambiente de negócios da cidade. Apesar de Macau ter mantido aberta a circulação livre de quarentena com o Interior da China – a maior fonte de turistas –, o número de clientes caiu em paralelo com a redução no número de turistas.
“Agora apenas confeccionamos pequenas quantidades de produtos todos os dias. Se não tivermos disponíveis os produtos que os clientes querem nas prateleiras, pedimos que façam uma encomenda e voltem no final do dia ou no dia seguinte, após a confecção dos pastéis”, explicam.
Compromisso com a qualidade
O volume de negócios da loja registou uma quebra de cerca de 80 por cento desde o início da pandemia e a clientela é agora maioritariamente local. Segundo os proprietários, os últimos três anos têm sido os “mais árduos de todos os tempos”.
“Antes de todos estes complexos hoteleiros serem construídos e do ‘boom’ da indústria do turismo local [nos anos 2000], também não havia muitos clientes, mas os custos operacionais eram muito menores”, salientam. “Não aumentámos os preços dos nossos produtos, apesar da subida dos custos dos ingredientes, porque não queremos afugentar os clientes que nos restam.”
Embora algumas empresas locais tenham optado pelo comércio electrónico transfronteiriço para tentar explorar o mercado do Interior da China nos últimos anos, o casal Wong descarta essa possibilidade devido ao curto período de armazenamento dos seus produtos. “Não queremos comprometer a qualidade”, enfatizam.
Por outro lado, a promoção online de marcas locais consagradas pelo tempo, realizada pelo Governo de Macau, trouxe alguns resultados frutíferos. Por exemplo, alguns influenciadores digitais foram convidados a visitar a Casa de Bolos Man Kei e outras lojas locais para fazerem vídeos curtos e divulgarem-nos nas suas plataformas das redes sociais populares no Interior da China, como o Xiaohongshu. “Vimos um grande aumento no número de clientes após as visitas dos influenciadores. Estes têm sido uma grande ajuda”, garantem.
Em comparação com outras lojas da zona da Rua do Cunha, local muito famoso entre turistas pela oferta de lembranças gastronómicas, o casal Wong diz que a Casa de Bolos Man Kei é a que segue um modelo “menos comercializado”, ou mais tradicional.
“Quando começámos, as pessoas e os comerciantes da zona eram próximos, como amigos. Se recebíamos um pedido e não tivéssemos tempo e pessoal suficiente para garantir a produção na hora, os comerciantes vizinhos davam-nos uma ajuda a confeccionar algumas travessas de doces, enquanto outros vinham ajudar a amassar”, recordam.
“A zona agora tem uma dinâmica diferente com a entrada de muitos grandes operadores e o nosso negócio é apenas uma exploração familiar que não consegue facturar muito dinheiro”, sublinham.