Têm raízes em três territórios unidos pela história, mas a maioria é a Macau que chama casa. A comunidade de Goa, Damão e Diu radicada no território faz parte do ADN de Macau e quer contribuir para o reforço da diversidade cultural, afirma Vicente Pereira Coutinho, presidente do Núcleo de Animação Cultural de Goa, Damão e Diu
Texto Marco Carvalho
Poucos, mas bons. É assim que Vicente Pereira Coutinho, presidente do Núcleo de Animação Cultural de Goa, Damão e Diu, se refere aos membros da pequena comunidade indo-portuguesa radicada em Macau. Os naturais dos três territórios indianos engrossaram desde os primórdios o contingente militar e mercantil português que se fixou no sul da China e, ao longo dos quatro séculos que se seguiram, foram parte fundamental do quotidiano da cidade.
Goeses, damanenses e diuenses exerceram funções na administração pública de Macau, ensinaram as primeiras letras a várias gerações de macaenses, cuidaram dos enfermos e desvalidos, zelaram pela segurança da população local. Mais de duas décadas após a transferência de administração, a comunidade está reduzida a menos de meia centena de pessoas e já não conta com médicos, enfermeiros e sacerdotes nas suas fileiras, mas nem por isso perdeu influência.
“Actualmente, a maior parte dos membros da comunidade ou são funcionários públicos ou então trabalham no sector privado, em áreas como a arquitectura e a engenharia. Alguns estão bem inseridos na comunidade chinesa, com negócios próprios, ligados à restauração ou à cultura”, elenca Vicente Pereira Coutinho.
“A comunidade goesa, damanense e diuense em Macau manteve-se muito influente entre as décadas de 40 e de 90 do século passado. O contingente militar português destacado em Macau também englobava quadros goeses e, para além deles, havia também pessoal qualificado, como médicos, juízes, advogados e professores. Muitos vieram para Macau depois de terem passado por Angola, Moçambique ou pelas outras antigas colónias portuguesas”, complementa o presidente do Núcleo de Animação Cultural de Goa, Damão e Diu, associação fundada na década de 1990 com o propósito de salvaguardar a cultura indo-portuguesa em Macau.
Entre os membros da comunidade indo-portuguesa no território contam-se individualidades de relevo nas mais variadas áreas, desde a advocacia à arquitectura. Mas a comunidade também se quer afirmar por manifestações como a música, a gastronomia ou uma cultura híbrida secular. O grande desafio passa por se dar a conhecer às outras comunidades que têm Macau como casa, em particular à comunidade chinesa.
“Nós temos tentado trabalhar com o intuito de chegar à comunidade chinesa. Nos últimos anos, durante o Festival da Lusofonia, apercebemo-nos de que muitos chineses não sabem onde fica Goa, Damão e Diu. Não sabem o que se faz em Goa, Damão e Diu, que relação mantêm Goa, Damão e Diu com Macau depois da transferência de administração entre Portugal e a República Popular da China”, salienta Vicente Pereira Coutinho.
Fraternidade secular
A excepção é mesmo a comunidade macaense, com a qual goeses, damanenses e diuenses mantêm uma relação de fraternidade. Muitos dos jogos tradicionais que se disputavam no território chegaram a Macau via Goa, mas há outras marcas de afinidade entre ambas as comunidades.
“Nós sempre estivemos muito entrosados com a comunidade macaense. Fazemos parte de outras associações, para além da nossa própria associação, participamos noutros eventos e colaboramos com outras entidades locais”, assume o dirigente associativo. “Por vezes intervimos e participamos no Micareme, no Jardim de Infância D. José da Costa Nunes e também no Arraial de São João. Os goeses, macaenses e os portugueses radicados em Macau sempre tiveram uma forte ligação”, sustenta.
Para chegar ao coração da comunidade chinesa, o Núcleo de Animação Cultural encetou conversações com entidades como o Instituto de Formação Turística de Macau (IFTM) ou a Teledifusão de Macau (TDM) para que lhe fosse facultada a possibilidade de promover cursos de gastronomia goesa ou de produzir um programa semanal em concanim, a língua nativa de Goa. Vicente Pereira Coutinho assegura que a comunidade, apesar de pequena, está apostada em manter vivo o seu legado e só lamenta que o Núcleo não tenha sede própria, que possa permitir uma postura mais dinâmica e participativa.
“Estamos sempre abertos a colaborar com as autoridades de Macau e com o Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa, apesar de Goa, Damão e Diu não serem membros do Fórum. Ainda assim, já participámos no Sarau Cultural e em outros eventos promovidos por eles”, recorda Vicente Pereira Coutinho.
“Por termos uma presença muito específica em Macau, nós gostaríamos de ter uma sede”, afirma o responsável, acrescentando que a associação gostaria também de receber mais apoios para alargar o número de actividades relacionadas com a cultura e a gastronomia. “Como somos poucos e não temos sede, é muito difícil desenvolver outras actividades. Se tivéssemos uma sede, seria uma verdadeira lufada de ar fresco”, salienta.
A colectividade tem no Festival da Lusofonia a sua principal montra e é naquele espaço que tem a oportunidade de dar a conhecer um dos seus maiores trunfos, ao mesmo tempo que procura promover Macau fora de portas. “As pessoas que visitaram a Lusofonia ao longo dos últimos dez, vinte anos perguntam-nos onde podem adquirir os nossos pratos. Em Macau, é algo que não se encontra em mais lado nenhum. É só na Lusofonia que é possível encontrar bebinca, caril de chouriço, xec xec, um pratinho de caranguejos, um pratinho de camarões”, sustenta Vicente Pereira Coutinho. “Não digo que sejamos embaixadores, mas, pelo menos, somos uma plataforma de ligação aos vários sítios espalhados pelo mundo em que existem comunidades goesas. Muitas destas comunidades não conhecem Macau e nós também promovemos Macau, através das nossas plataformas, como as comunidades indo-portuguesas espalhadas pelo mundo”, realça.