Interdisciplinaridade, resolução de problemas e as oportunidades criadas por Hengqin e pela Região da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau são algumas das expressões-chave para o desenvolvimento da inteligência artificial na cidade. Desenvolver investigação, fomentar a inovação e contribuir para a formação de talentos locais são alguns dos objectivos do Governo. A Revista Macau foi saber mais sobre a investigação nesta área e que aplicação poderá ter no dia-a-dia
Texto Tony Lai
A região está empenhada em acelerar o desenvolvimento da estratégia “Macau Digital”, procurando integrar tecnologia inovadora em vários aspectos da vida quotidiana, para criar uma cidade inteligente. Por isso mesmo, a investigação na área da inteligência artificial (IA) é uma importante ferramenta para atingir os objectivos estabelecidos no 2.º Plano Quinquenal de Desenvolvimento Socioeconómico da Região Administrativa Especial de Macau (2021-2025).
A IA refere-se à simulação da inteligência humana em máquinas programadas para pensar como humanos e replicar as nossas acções. O termo também pode ser aplicado a máquinas com características associadas à mente humana, como aprendizagem, raciocínio, processamento de linguagem e resolução de problemas.
Após décadas de avanços, a IA é usada não apenas em robots, supercomputadores ou servidores, mas também em tecnologias de reconhecimento facial, tradução e outras funções disponíveis em telemóveis e veículos autónomos. Um comboio que as instituições locais de ensino superior locais não querem perder, tendo nos últimos anos apostado em estudos e investigação neste campo, em busca de maneiras inovadoras de desenvolver a cidade.
A Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau (MUST, na sigla em inglês) tem-se dedicado recentemente à IA, tanto na teoria como na prática. No aspecto teórico, Zhang Du, vice-reitor da Faculdade de Engenharia e Inovação e director da Escola de Ciências e Engenharia de Computadores da MUST, foi pioneiro no conceito STEP (sigla em inglês) de aprendizagem permanente para melhorar o desempenho da IA, com o “S” a representar estímulos de aprendizagem, “T” para tarefas, “E” de experiências e “P” relativo a indicadores de desempenho.
Apoiada neste conceito, a instituição local está agora a desenvolver um projecto de investigação a três anos, “Teorias e Metodologias de uma Inteligência Colectiva baseada em Aprendizagem Permanente STEP”, com financiamento do Fundo para o Desenvolvimento das Ciências e da Tecnologia de Macau. Com conclusão prevista para o final deste ano, o projecto aborda a cooperação e a aprendizagem em rede de vários módulos de IA, disse Zhang Du à Revista Macau. “Se um sistema não sabe como lidar com uma tarefa, pode perguntar e aprender com outros sistemas”, explica.
Abordagem a três níveis
Além de formar teorias, é também essencial aplicar os resultados da investigação em usos práticos no dia-a-dia. A MUST adopta uma abordagem a três níveis para procurar parceiros e colaboradores na aplicação da sua pesquisa. “Trabalhamos com empresas e instituições em Macau, nos nossos vizinhos mais próximos, como Hengqin e Zhuhai, e na Região da Grande Baía [Guangdong-Hong Kong-Macau] e mais além”, diz Zhang Du. “A colaboração externa em IA é uma situação de benefício mútuo: podemos responder, com os nossos estudos, às necessidades dos nossos parceiros, enquanto desenvolvemos a nossa capacidade de pesquisa e a aplicamos à vida quotidiana.”
A robótica e as ciências médicas são algumas áreas-chave para a aplicação da pesquisa da MUST no campo da IA. Jiang Zhihong, vice-presidente da universidade e director do Laboratório de Referência do Estado para Investigação de Qualidade em Medicina Chinesa, também na MUST, está a liderar um estudo a três anos – a ser concluído este ano – sobre o controlo multidimensional de qualidade, usando tecnologia de IA, de seis medicamentos chineses à base de ervas. Outros investigadores da MUST colaboraram na área da robótica médica com uma empresa de tecnologia médica em Hengqin – Zhuhai Heng Lok –, numa iniciativa que pode ajudar no tratamento do cancro do fígado. Outra equipa de pesquisa da instituição está a trabalhar com uma empresa de robótica local para criar robots de baixo custo para prestar cuidados em lares de idosos.
“A colaboração externa em IA é uma situação de benefício mútuo”
ZHANG DU
VICE-REITOR DA FACULDADE DE ENGENHARIA E INOVAÇÃO DA MUST
A MUST está ainda a trabalhar com a empresa de mobilidade inteligente Autocore Technology num projecto para desenvolver carros autónomos. “Assinámos um acordo de cooperação com a empresa no ano passado para montar na nossa universidade um centro de pesquisa em condução autónoma”, refere Zhang Du. “Esperamos que o laboratório possa servir como plataforma para testar diferentes módulos de aprendizagem [para IA] e reunir os dados relevantes, pois um carro autónomo é composto por dezenas de módulos.”
IA para resolver problemas
Uma palavra que é frequentemente repetida em discussões sobre pesquisa em IA é “interdisciplinaridade”, a incorporação de conhecimento de vários outros campos numa actividade. Tal esforço é fundamental para o desenvolvimento da investigação em IA na Universidade de Macau (UM). A instituição fundou há três anos o Centro de Inteligência Artificial e Robótica (CAIR, na sigla em inglês) no âmbito do Instituto de Inovação Colaborativa, para servir como base para investigadores realizarem projectos de IA e robótica e como ponte entre a academia e a indústria.
“O nosso centro é uma plataforma para reunir investigadores e professores de disciplinas de engenharia e de outras disciplinas e obter um novo modelo de colaboração”, disse à Revista Macau Zhou Jiantao, professor associado e director interino do CAIR. “Esperamos facilitar o desenvolvimento interdisciplinar da UM (…), já que a própria IA é interdisciplinar.”
– LER MAIS | Formar talentos –
Como exemplo de quão diversificada é a procura por tecnologia IA, Zhou Jiantao refere um telefonema que recebeu de “um professor de ciências sociais, cuja equipa está a realizar um estudo de opinião pública sobre as políticas governamentais e recolheu muitos dados das redes sociais”. “Perguntaram-me se posso recomendar alguma tecnologia de IA para os ajudar a analisar a enorme quantidade de dados recolhidos”, conta.
O académico da UM sublinha também que os estudos locais sobre IA devem ser orientados para resolver problemas. “Um problema comum para a academia é que muitas vezes a investigação não responde às necessidades do mercado”, diz Zhou Jiantao. “Assim, a investigação local [em IA] tem que responder à procura do mercado, bem como resolver os problemas decorrentes do desenvolvimento de Macau e até mesmo do desenvolvimento da Grande Baía e mais além.”
Tendo em conta o desenvolvimento local e regional, o CAIR da UM identificou vários campos importantes para o desenvolvimento da IA: robótica, tais como robots de desinfecção e de condução autónoma; tradução de textos em língua portuguesa; entretenimento, como análise de vídeo e imagem; e ciências da saúde, incluindo o desenvolvimento da indústria da medicina tradicional chinesa em Macau.
“A investigação local [em IA] tem que resolver os problemas decorrentes do desenvolvimento de Macau e da Grande Baía”
ZHOU JIANTAO
DIRECTOR INTERINO DO CENTRO DE INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL E ROBÓTICA DA UM
A instituição tem vindo a realizar investigação em diversas áreas relacionadas com a IA. Por exemplo, Xu Qingsong, professor do Departamento de Engenharia Electromecânica da UM, desenvolveu um novo robot autónomo de desinfecção de ambientes fechados chamado “Smart Cleaner”, para ajudar a combater a pandemia da COVID-19. A equipa de Xu Qingsong está também a desenvolver um robot industrial avançado com visão a três dimensões e capacidade de ajustar a sua força de acordo com as forças externas.
Segundo a instituição, o novo robot será “mais flexível e inteligente” do que os robots actualmente no mercado e será capaz de “realizar tarefas mais complicadas”, incluindo montar algumas partes de dispositivos, polir carros e fazer a manutenção de aeronaves.
Detectar imagens falsas
Xu Chengzhong, reitor da Faculdade de Ciências e Tecnologia da UM, lidera uma equipa do Laboratório de Referência do Estado de Internet das Coisas para a Cidade Inteligente que está a desenvolver o primeiro projecto em Macau para um autocarro autónomo. O autocarro está a ser testado no campus da UM e poderá em breve ser testado no Aeroporto Internacional de Hong Kong.
Com o desenvolvimento da IA, o Laboratório de Processamento de Linguagem Natural e de Tradução Automática Chinês-Português da UM criou uma plataforma online de tradução chinês-português-inglês assistida por computador, a UM-CAT.
Zhou Jiantao, do CAIR, diz que a sua equipa também está a desenvolver algoritmos avançados para a detecção de imagens alteradas ou falsificadas. “A tecnologia está tão avançada hoje em dia que é fácil editar uma imagem e fazê-la parecer original a olho nu”, diz o investigador. É aí que a tecnologia da IA pode actuar, detectando os vestígios de edição deixados nas imagens. “O sistema que desenvolvemos pode determinar com precisão se uma imagem foi editada e qual parte foi adulterada”, acrescenta.
Este projecto ganhou no ano passado um concurso internacional para programas de segurança com IA, superando mais de 1500 rivais de todo o mundo, e teve a oportunidade de cooperar com o gigante chinês de comércio electrónico Alibaba Group. Zhou Jiantao disse que o projecto de colaboração, durante um ano, com o Alibaba está quase concluído e que a empresa de comércio electrónico está agora a testar um sistema para detecção de alteração de imagens. “Também estamos em negociação com o Alibaba sobre outro novo projecto sobre detecção de alteração e falsificação de imagens, sem fins lucrativos, que o público possa usar no futuro”, acrescenta.