Paul Pun Chi Meng

Da gratidão à generosidade. Um roteiro sentimental

Paul Pun Chi Meng, secretário-geral da Cáritas de Macau
Apresenta-se como um salva-vidas a quem está mais fragilizado, mas Paul Pun Chi Meng define-se como alguém que ajuda os outros a encontrarem o seu caminho. Foi nos anos de infância em Macau que percorreu os caminhos que o levaram a dedicar-se ao serviço social

Texto  Marco Carvalho

Nasceu no seio de uma família numerosa, cresceu em casas de acolhimento e internatos, dormiu ao relento e só não teve uma meninez desvalida porque cedo compreendeu que a pobreza não tem que ser uma sentença definitiva. Paul Pun é, em Macau, o exemplo perfeito do aforismo que garante que a generosidade gera generosidade. Há quatro décadas ao serviço dos outros, o secretário-geral da Cáritas de Macau é, para muitos, o rosto da solidariedade no território. A chave do altruísmo? A gratidão que aprendeu a cultivar desde os verdes anos da infância. 


Os primórdios da compaixão

Os cães latiam, ganiam, ladravam pela madrugada dentro. Alguns pareciam chorar e a lembrança desse cainhar feito pranto ainda hoje acompanha Paul Pun. O secretário-geral da Cáritas de Macau conserva memórias aquilinas dos primeiros anos da infância, passados quase integralmente num asilo para crianças desfavorecidas que as Irmãs do Precioso Sangue geriam nas instalações, então pujantes, do Complexo Desportivo do Canídromo. 

“Nasci numa família com 12 filhos. Na altura, as pessoas eram, regra geral, muito pobres e havia locais como este que ajudavam famílias como a minha”, sublinha Paul Pun. “Os meus primeiros anos de vida foram passados no Canídromo. Davam-me leite, pão e uma das primeiras memórias que tenho é a de ouvir os cães latir”, reconhece. 

Foi à sombra da colina de Mong Há que Paul Pun descobriu também o gosto pela resolução de desafios, por tornar palpável o aparentemente impossível, um traço de carácter que foi nutrindo ao longo da vida e que fez por colocar ao serviço dos outros. “Lembro-me de construir o meu próprio rádio quando lá estava. Fiz um rádio a partir de uma caixa de detergente. Tinha dois anos quando fui para lá”, recorda aquele que é, desde 1990, o timoneiro da Cáritas local.


Do Repouso e da gratidão

Os anos 60 avançavam ao sabor da incerteza e nas ruas de Macau proliferava uma pobreza antiga. O menino Pun era magro, miúdo. Não havia nele um grama de gorduras indolentes e os bombeiros que frequentavam o ambulatório, na Estrada do Repouso, onde a avó ajeitava fracturas e ossos deslocados, engraçaram com a ligeireza com que aquele nanico de gente lhes escancarava as robustas portas do consultório.

“Eu nasci na Estrada do Repouso. E quando não dormia no Canídromo, era em casa da minha avó que ficava”, recorda Paul Pun. “A minha avó era endireita. Era muito popular, muitas pessoas recorriam aos seus serviços”, esclarece.

Entre familiares e clientes, o alvoroço no pequeno gabinete era constante, ao ponto de Paul Pun ter por vezes de dormir na rua. “Antigamente era normal as pessoas dormirem na rua. As noites eram quentes, não havia ar condicionado e, entre os vizinhos, todos se conheciam. As pessoas pegavam em camas desdobráveis, colocavam-nas na rua e dormiam ao relento”, recorda. 

“Naquele tempo, havia muitos cães vadios na rua e, numa certa noite, um desses cães mordeu-me”, acrescenta. Paul Pun tem desde então uma rosa em flor no meio do peito.


Estação da esperança

Da guarida das Irmãs do Precioso Sangue passou para o cuidado das Dominicanas e para as instalações do que mais tarde viria a ser a Escola do Santíssimo Rosário. Situado na Rua de D. Belchior Carneiro, o mesmo edifício foi escolhido pela irmã Maria Goisis para instalar, em finais da década de 1970, o Instituto de Serviço Social, entidade que mudaria para sempre a sina do jovem Paul Pun.

“Fiz parte do segundo lote de estudantes do Instituto e do primeiro grupo que aceitou estudantes do sexo masculino. Foi ali que aprendi sobre serviço social pela primeira vez”, salienta o agora secretário-geral da Cáritas de Macau. 

Trabalhou como voluntário na primeira sala de estudo que abriu portas em Macau, na Igreja de Santo António, mas o primeiro grande desafio da carreira surge no início da década de 1980, já ao serviço da Cáritas, num local que foi para centenas de pessoas um farol de esperança. “Em 1980, iniciei o meu trabalho de campo no Centro de São Luís, na Ilha Verde. Fui destacado para lá para acompanhar pessoas com deficiência de natureza intelectual”, lembra Paul Pun. 

“Ao mesmo tempo fazíamos trabalho de voluntariado com os refugiados vietnamitas que ali estavam instalados. Todos os dias servíamos cerca de 300 pessoas”, ilustra.


Um refúgio na cidade

O trabalho desenvolvido na Ilha Verde chamou a atenção do padre Luis Ruiz. O missionário espanhol, que fundou e liderou a Cáritas de Macau durante quatro décadas, incentivou Paul Pun a aprofundar os estudos na área do Serviço Social, demanda que levou o então jovem assistente primeiro até à ilha de Guam e depois a Nova Iorque. 

Regressado à cidade onde nasceu, Paul Pun tornou-se no final de 1990 secretário-geral da Cáritas de Macau, estatuto que ainda conserva e que partilhou até Setembro do ano passado com o cargo de director da Escola São João de Brito, estabelecimento de ensino inclusivo que criou em meados da década de 1980.

É a partir da sede da Cáritas de Macau, no Largo de Santo Agostinho, à sombra de pés-de-jaca em flor, que o “miúdo magro de carnes” da Estrada do Repouso gere, aos 65 anos, uma rede solidária que todos os dias estende a mão, directa ou indirectamente, a milhares de pessoas.

“Outro local que me diz muito é o Largo de Santo Agostinho. É uma zona com uma grande riqueza patrimonial e foi na Casa Ricci que comecei a trabalhar mais de perto com o padre Ruiz”, salienta Paul Pun.