A popularidade do café timorense está em rápida ascensão entre os consumidores do Interior da China, particularmente em Pequim e Xangai. A qualidade do produto é um dos trunfos
Texto Viviana Chan
Na terra do chá, a afirmação comercial de Timor-Leste faz-se pelo café. Nos últimos anos, e apesar do impacto da pandemia da COVID-19, o café timorense deu passos significativos rumo ao reconhecimento no Interior da China. O café orgânico do país de língua portuguesa também está presente em Hong Kong, onde um projecto ligado à promoção do desenvolvimento sustentável está a disponibilizar o produto junto dos consumidores da cidade vizinha.
Há um óbvio aumento da procura no Interior da China por café timorense, revela Bei Lei, curadora executiva do Pavilhão Nacional de Timor-Leste na Zona Piloto de Livre Comércio de Xangai. Pequim e Xangai, acrescenta a responsável, são os principais pontos de consumo do produto, o qual goza já de forte implantação em Macau.
A afirmação do café timorense no Interior da China não pode ser dissociada do rápido crescimento do consumo da bebida entre os chineses, particularmente nas zonas urbanas. De acordo com um estudo da consultora Euromonitor International, em 2018, o consumo de café “per capita” no Interior da China era inferior a cinco chávenas por ano. Porém, estimativas relativas a 2021 da consultora Deloitte colocavam já o indicador em nove chávenas por ano, fixando-se o valor em mais de 320 chávenas entre consumidores regulares nas grandes metrópoles chinesas.
Momento de afirmação
O primeiro grande momento de afirmação do café timorense no mercado do Interior da China ocorreu em Novembro de 2019, no âmbito da 2.ª Exposição Internacional de Importação da China, em Xangai. Durante o evento, foi disponibilizado no stand do país de língua portuguesa – a cargo da empresa Timor Media Solution – café “kopi luwak” de Timor-Leste. A bebida atraiu bastante atenção, com o sucesso a repetir-se nas edições de 2020 e 2021 da exposição.
O produto “gourmet”, igualmente conhecido como café civeta, é um dos cafés mais caros do mundo, sendo característico das ilhas de Sumatra, Java e Sulawesi, na Indonésia. O “kopi luwak”, que é também produzido em Timor-Leste, tem a particularidade de ser criado a partir de grãos de café parcialmente digeridos, extraídos de fezes de civeta, um mamífero similar a um gato doméstico, conhecido como “luwak” na Indonésia.
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Em Dezembro de 2019, foi inaugurado o Pavilhão Nacional de Timor-Leste na Zona Piloto de Livre Comércio de Xangai, tendo entre as suas tarefas promover o café timorense. O pavilhão, enquanto entidade oficial estabelecida com autorização da Embaixada de Timor-Leste em Pequim e das autoridades de Xangai, atingiu já um volume de negócios de cerca de 2 milhões de dólares americanos no ano passado.
Bei Lei diz à Revista Macau que foi só em Março de 2021 que o Interior da China importou directamente a primeira remessa a granel de grãos de café “kopi luwak” de Timor-Leste. Esta veio integrada num lote de 20 toneladas de produtos de café timorense, sendo o carregamento a primeira parte de uma encomenda total de 60 toneladas, avaliada em 5 milhões de dólares americanos, a ser entregue de forma faseada.
“Anteriormente, o café ‘kopi luwak’ de Timor-Leste nunca tinha sido importado de forma legal” para o Interior da China, sublinha a responsável. Segundo recorda, foi mesmo necessário criar um novo código de importação para este item no sistema de alfândega chinês, para fazer face à novidade.
Promover a marca Timor
A curadora executiva do Pavilhão Nacional de Timor-Leste adianta que, embora o café timorense tenha “excelente qualidade”, ainda tem bastante margem de crescimento no Interior da China. Citando dados oficiais, a responsável refere que, até recentemente, os valores das importações directas de café timorense para o mercado chinês eram limitados.
Bei Lei explica que uma dificuldade na divulgação do produto relaciona-se com a falta de conhecimento sobre Timor-Leste entre os chineses. “Falta informação sobre o turismo, a cultura timorense”, diz. “Ou seja, o público chinês sabe muito pouco sobre o país.”
Foi com o objectivo de reverter a situação e promover um aumento dos laços comerciais com a China que foi criado o Pavilhão Nacional de Timor-Leste em Xangai. Bei Lei diz que o café “kopi luwak” é um bom cartão de visita para o país, “que pode beneficiar a entrada de outros produtos no mercado chinês”. Nesse sentido, está em curso um projecto de promoção do caju timorense, o qual conta com o envolvimento do Ministério da Agricultura e Pescas de Timor-Leste. “Distribuímos as máquinas necessárias aos agricultores para que possam embalar o caju para que seja exportado para a China”, explica Bei Lei.
“A procura por café timorense por parte da China é muito maior do que a oferta”
BEI LEI
CURADORA EXECUTIVA DO PAVILHÃO NACIONAL DE TIMOR-LESTE EM XANGAI
Entretanto, o Pavilhão Nacional de Timor-Leste tem novos projectos para o café timorense no Interior da China. Recentemente, assinou um acordo com a Shanghai Soong Ching Ling Foundation, que promove iniciativas na área da inclusão social. “Pretendemos lançar produtos culturais para vender em pontos turísticos”, explica Bei Lei. “Tratam-se de artigos de ‘crossover’: misturamos o elemento timorense através do café e fazemos um novo design.”
Além disso, a curadora acrescenta que vai ser inaugurado em breve um centro de comércio de café – o maior da China –, o qual está a nascer na zona de desenvolvimento de comércio internacional no distrito Hongqiao, em Xangai. A infra-estrutura vai disponibilizar café de todo o mundo, incluindo de Timor-Leste.
Um desafio que o país enfrenta, face às expectativas do mercado chinês, está ligado à dimensão limitada da indústria cafeeira timorense. Por exemplo, a produção anual de café “kopi luwak” é de apenas cerca de 800 quilos.
“A procura por parte da China é muito maior do que a oferta. Por isso, as encomendas são divididas em partes e são enviadas em várias remessas”, explica Bei Lei. A responsável acrescenta que a situação foi agravada pelas graves cheias que atingiram Timor-Leste no ano passado, tendo afectado a produção de café no país. Outros desafios estão relacionados com os elevados custos e atrasos ligados ao transporte da mercadoria para a China.
Para melhorar a situação, o Governo timorense aprovou em Maio um programa de estímulo à renovação e expansão das áreas de plantação de café no país, com o objectivo de aumentar a produção anual e os rendimentos dos agricultores. O programa reconhece a importância de “apoiar a produção e a promoção de café orgânico e de alta qualidade”.
Café com preocupação ambiental
Em Hong Kong, o café timorense já está presente há pelo menos quase uma década pela mão da The Hummingfish Foundation. A organização sem fins lucrativos comercializa a marca de café orgânico timorense “Maubere Mountain Coffee”, o qual é produzido em ambiente selvagem. A iniciativa visa estimular o desenvolvimento sustentável da população timorense e promover a protecção ambiental.
A fundação foi criada pelo fotojornalista norte-americano Daniel J. Groshong em 2010, que se apaixonou por Timor-Leste durante o seu trabalho no país. À Revista Macau, a directora de operações da fundação, Grace Ho, explica que o projecto de produção de café nasceu em parceria com a população de Laclubar, uma localidade situada numa zona remota e montanhosa de Timor-Leste. A fundação pretende “ajudar a comunidade local no desenvolvimento de métodos que garantam uma produção consistente e sustentável de produtos de alta qualidade”, bem como na criação de marcas próprias, diz a responsável.
“Garantir a qualidade dos grãos de café exige muito trabalho”, enfatiza Grace Ho, sublinhando que o processo de produção é feito de forma manual, em zonas de difícil acesso. “Por isso, pagamos um valor mais alto do que o preço de mercado para adquirir o café. Queremos que o café orgânico seja devidamente valorizado pelos consumidores, de forma a sustentar o trabalho dos camponeses”, afirma a responsável. Eventuais lucros da comercialização do produto são reinvestidos no projecto ou redistribuídos entre os agricultores.
A fundação criou já vários canais de comercialização do café timorense. “Alguns restaurantes em Hong Kong estão a adquirir o nosso produto como ‘café da casa’, porque preferem não usar cafés de grandes marcas internacionais”, diz Grace Ho. “Quando os clientes escolhem o café de Timor-Leste, podem ler uma pequena apresentação sobre o produto no menu, para ajudar a transmitir a nossa mensagem. Como o conceito de protecção ambiental está na moda, isso facilita a promoção de café timorense”, refere.
A dirigente explica que o grão de café timorense é também comprado para misturar com café de outras origens. A fundação tem vindo a estabelecer acordos com alguns parceiros de relevo em Hong Kong, como a companhia aérea Cathay Pacific, a marca de artigos de moda Agnes b. e a empresa de distribuição de artigos alimentares Homegrown Foods. Os produtos da marca “Maubere Mountain Coffee” estão também disponíveis para compra na página electrónica da fundação.
Devido aos efeitos negativos da pandemia da COVID-19 em Hong Kong, o volume de vendas de café timorense pela The Hummingfish Foundation registou “quebras superiores a 50 por cento nos últimos tempos”, admite Grace Ho. A situação é particularmente grave nas vendas a retalho, fruto do cancelamento de várias feiras e outros eventos promocionais.
Ainda assim, Grace Ho explica que, através do café timorense, a fundação pretende passar uma mensagem mais abrangente: sensibilizar os consumidores para a importância do desenvolvimento sustentável, “para que as pessoas percebam que é possível promover a protecção ambiental através das escolhas de produtos que consumimos no dia-a-dia”.