Com um quarto de século de existência, a Orquestra Sinfónica Jovem de Macau tem contribuído para o ensino da música e para a difusão da cultura local no exterior. O presidente da associação aponta que a orquestra ganhou reputação no palco internacional, e antigos membros destacam a importância do projecto para a cena musical em Macau e a formação de jovens talentos
Texto Salomé Fernandes
São nove da manhã de um domingo e no exterior do Centro Cultural de Macau sente-se o burburinho crescente de vozes de jovens que esperam pelo ensaio que antecede o concerto desse dia. Chegam ao palco, uns de sapatilhas, outros já com sapatos formais, depois de passarem pelas medidas de segurança impostas pelo controlo epidémico. Começam a afinar os instrumentos, com os diferentes sons a unirem-se gradualmente num tom comum. Quando o ensaio começa, o espaço é preenchido pela Sinfonia n.º 8 de Schubert.
O olhar dos músicos divide-se entre as partituras nas estantes defronte de si e os gestos do maestro que os orientam entre diferentes intensidades. No interior do grande auditório são os compassos, e não os minutos, a marcar o passar do tempo. Quem segura a batuta é Michael Tou, a dirigir a orquestra júnior da Orquestra Sinfónica Jovem de Macau (OSJM). Começou a ensinar violino na OSJM depois da sua graduação, até que lhe foi dada a oportunidade de dirigir uma orquestra completa. “Aprendo tanto ao ensinar. (…) É muito interessante para mim”, diz.
Enquanto jovem, teve aulas na OSJM, onde tocou durante pelo menos 10 anos. Michael Tou destacou a qualidade dos professores, alguns dos quais vinham de Hong Kong para Macau semanalmente. “Transmitem conhecimentos de classe mundial”, observou.
Relativamente aos jovens com quem sobe ao palco, aponta que todos têm talento. Mas destaca dois factores com impacto no seu desenvolvimento: terem alguém que os inspire e ouvirem várias versões da mesma peça. Este último conselho é algo a que ele próprio recorre. “Quando se sabe o que é boa qualidade de som, começa-se a mudar a forma de tocar, e, para mim, de ensinar”, explicou.
O projecto que leva estes jovens ao palco já soma 25 anos. A OSJM foi fundada em 1997, e ao quarto de século de existência somam-se milhares de quilómetros percorridos em concertos realizados pelo mundo, com destinos como a Tasmânia, Viena ou Banguecoque. As actuações não passaram despercebidas a quem é da área. “A orquestra ganhou alguma reputação no palco mundial das orquestras jovens”, disse à Revista Macau Jimson Hoi, presidente da Associação Orquestra Sinfónica Jovem de Macau.
“O meu sonho é que todas as escolas, sejam secundárias ou primárias, tenham uma orquestra escolar”
JIMSON HOI
PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO ORQUESTRA SINFÓNICA JOVEM DE MACAU
Para Jimson Hoi, a OSJM contribuiu para a difusão da cultura de Macau no exterior, para que se conheça o que há por cá em termos musicais. A capacidade dos jovens da orquestra de executar sinfonias de compositores como Beethoven é apontada como um motivo de orgulho colectivo. “Isto é algo para estarmos orgulhosos de nós próprios, e penso que também para estarmos orgulhosos das pessoas de Macau”, indicou.
De acordo com o presidente da associação, foram já mais de 80 os alunos que passaram pela orquestra e são agora músicos profissionais, tornando-se na primeira geração de músicos locais. Mas há ambições que não precisam de cruzar fronteiras para se concretizarem. “O meu sonho é que todas as escolas, sejam secundárias ou primárias, tenham uma orquestra escolar”, disse Jimson Hoi. Por enquanto, aponta que apenas a Pui Ching Middle School e a Sacred Heart Canossian College têm orquestras a realizar concertos públicos anuais.
Foi com aulas de cordas nestas instituições, em 1995, que o projecto começou a ganhar forma. Dois anos depois, fundou-se a Associação da OSJM.
Memórias sonoras
Uma das estudantes que passou pela orquestra e veio a tornar-se música profissional é Siu Tin Chi, apesar de o seu primeiro contacto com a música não ter sido com a OSJM. Começou a aprender piano quando tinha cerca de sete ou oito anos e mais tarde, no ensino secundário, abraçou o desafio de aprender clarinete e entrar para a banda da escola. Era motivada pela paixão pela música e a vontade de estar envolvida em diversas actividades musicais ao seu redor.
Siu Tin Chi juntou-se aos sopros da OSJM com o clarinete quando tinha cerca de 16 anos e recorda esse tempo com apreço. “A jornada de tocar na OSJM foi curta, mas produtiva. Deu-me algumas das experiências mais preciosas como música de orquestra e também bonitas amizades. Tive ali o meu primeiro contacto com a disciplina e atitude enquanto música profissional”, recordou em entrevista à Revista Macau.
“A OSJM deu uma formação forte e exposição internacional aos músicos de Macau ainda muito jovens”
SIU TIN CHI
PIANISTA E COMPOSITORA
Na memória ficaram os ensaios, os espectáculos no Centro Cultural de Macau – que à época eram relativamente novos – e a dedicação dos restantes músicos. Com isso presente, a pianista e compositora considera que o contributo da OSJM para a cena musical em Macau é “absolutamente essencial”.
“A OSJM deu uma formação forte e exposição internacional aos músicos de Macau ainda muito jovens, com os quais eu considero que muitos países não se conseguem sequer comparar”, apontou. “Dá uma formação musical sólida aos nossos futuros músicos locais e torna Macau numa cidade cultural”, acrescenta.
Siu Tin Chi está envolvida maioritariamente em quatro projectos, incluindo o CHI Quartet, uma banda que toca as suas próprias composições, e olha para a música como uma linguagem universal. “Aposto que toda a gente já experienciou momentos em que mesmo ao falarem a mesma língua não se compreendem. Para mim, a nossa língua falada é apenas uma das ferramentas para nos expressarmos de uma forma prática, é muito limitada. Num nível de comunicação ou expressão emocional mais profundo, precisamos de poesia, pintura, escultura, peças de teatro, dança, cinema, música… etc.”, observou.
Também Lio Kuokman – antigo membro da OSJM e director de programa do Festival Internacional de Música de Macau – reconhece o papel da orquestra na formação de jovens locais. “É extremamente importante e diria que educou muitos estudantes. Alguns deles continuaram como músicos porque experienciaram a Orquestra Jovem, que lhes deu a hipótese de aprender música e tocarem juntos, aproveitarem o palco em conjunto”, notou.
Questionado sobre o crescimento da área da música junto dos jovens, o maestro considera que está a melhorar cada vez mais. “Basta ver quantas pessoas estão a aprender instrumentos musicais ou que levam caixas de instrumentos na rua, em Macau.” Mas Lio Kuokman afasta o foco da profissionalização, não retirando valor a quem escolhe enveredar por outras áreas e destacando antes o valor do contacto com a música. “O que é importante é gostarem de música, perceberem música, dar-lhes uma oportunidade de aprenderem e a conhecerem. Isso é educação musical”, destacou.
Liu Kuokman, que é também maestro residente da Hong Kong Philharmonic Orchestra, foi um dos primeiros membros da OSJM e recorda-se vividamente de quando se juntou ao projecto, que considera um “início muito importante” da sua jornada musical.
Rendeu-se rapidamente à ideia de integrar a orquestra jovem, dado que já estudava piano e tinha interesse em partilhar música com outras pessoas, em palco. Explica que foi “basicamente a primeira pessoa a aderir”, primeiro enquanto estudante de trombone e, mais tarde, no violino.
“Alguns estudantes continuaram como músicos porque experienciaram a Orquestra Jovem”
LIO KUOKMAN
ANTIGO MEMBRO DA OSJM E MAESTRO RESIDENTE DA HONG KONG PHILHARMONIC ORCHESTRA
Apesar de ter começado a sua carreira no piano, tinha o sonho de se tornar maestro. Uma ambição que veio a cumprir – o primeiro concerto enquanto maestro foi precisamente da OSJM. Enquanto estudava piano na Hong Kong Academy of Performing Arts, voluntariou-se para acompanhar os seus amigos de outros instrumentos em recitais. Um esforço que o levou a conhecer melhor outros repertórios.
Liu Kuokman recorda-se de como a OSJM o abordou, sabendo do seu contacto com vários concertos, desafiando-o para dirigir um espectáculo com os amigos com quem cresceu. Foi o seu primeiro concerto oficial com audiência e uma orquestra. “Naquele momento, já tinha tocado no Centro Cultural de Macau bastantes vezes, maioritariamente como pianista, mas foi a minha primeira vez no palco a dirigir e tive uma experiência óptima, óptimas memórias.”
Superar desafios
A música enfrenta dificuldades em contexto de pandemia, mas encontra formas de persistir. Desde 2020 que a orquestra não realiza espectáculos no exterior, mas as memórias mantêm-se a cores. “O momento mais entusiasmante foi irmos ao Musikverein. Recordo-me que quando recebemos o convite de Viena estava surpreendido, e incrédulo”, partilhou Jimson Hoi.
Outro momento de destaque foi a tour pela Europa realizada em 2010. “Em Praga, actuámos com 20 músicos de orquestras filarmónicas desta cidade. Estava fora das nossas expectativas podermos actuar em conjunto com músicos profissionais na Europa”, descreveu. Jimson Hoi estabelece uma relação entre a qualidade que permitiu à orquestra subir ao palco em salas de espectáculo internacionais e a experiência dos professores que vêm de Hong Kong.
Além das restrições fronteiriças, a pandemia levou a outras condicionantes, mas Jimson Hoi defende que a cultura deve continuar a florescer. “A cultura é a alma da cidade, a alma das pessoas. Não se pode garantir que todas as famílias tenham uma vida segura e estável, mas pode-se apoiar a cultura para trazer alegria e paz à comunidade”, argumenta.
O presidente da associação encoraja a população a aproveitar a oportunidade de aprender música, ensaiar e assistir a concertos. “Não sabem o que acontece amanhã”, reflecte. Se a pandemia acarretou desafios, também trouxe um elemento de união. “A pandemia trouxe a toda a gente [o entendimento de] que temos de estimar tudo o que temos agora”, disse o presidente da associação. Um factor que considera ter influência positiva na música e na promoção de actividades culturais.