Cozinhou durante um quarto de século para os últimos governadores de Macau e, entre os chefs chineses do território, é, provavelmente, aquele que tem um conhecimento mais profundo da gastronomia portuguesa. Ao longo de cinco décadas entre tachos e panelas, Lou Chi Seng procurou adaptar os mais conhecidos pratos lusitanos ao paladar chinês
Texto Marco Carvalho
Se a gastronomia portuguesa de Macau adaptada ao paladar chinês gozasse de uma existência formal, Lou Chi Seng seria, muito provavelmente, o seu mais versado intérprete. O veterano chef, que ao longo de duas décadas e meia esteve ao serviço dos seis últimos governadores de Macau, investiu grande parte de uma carreira que se estende por quase meio século na adaptação dos mais conhecidos pratos da gastronomia portuguesa ao gosto, mais subtil, da clientela chinesa.
Aspectos como o acerto dos temperos ou a tolerância ao açúcar são apontados o mais das vezes como os principais pontos de divergência entre o paladar ibérico e o paladar chinês, mas, para Lou Chi Seng, a densidade é o que aparta verdadeiramente o sentido do gosto de portugueses e chineses. O cozinheiro, de 74 anos, diz que o paladar chinês se pauta por uma delicadeza que raramente se vislumbra na gastronomia portuguesa, caracterizada por pratos densos e encorpados: “A comida portuguesa é um tipo de comida mais forte. Os pratos portugueses são mais encorpados; a comida chinesa é mais leve. Essa é uma das principais diferenças. A comida portuguesa é mais forte”.
A subtileza – ou a falta dela – explica por que razão o chef não incluiu a sua iguaria favorita no menu do restaurante “O Junco de Nove Jades”. O cozinheiro nunca diz que não a uma boa feijoada, mas reconhece que o prato não é um manjar para todos os gostos e optou por conceber um cardápio onde pontificam opções mais viáveis tendo em conta o público-alvo. “No restaurante, o prato que tem mais saída é o arroz de pato. O borrego guisado e o leitão também têm muita saída e há cada vez mais pessoas a procurar comida macaense”, ilustra o chef.
Prato especial
Foi, no entanto, um outro prato – o bacalhau com natas – que abriu, no já longínquo ano de 1974, as portas do Palacete de Santa Sancha a Lou Chi Seng. Por ali ficou durante 26 anos, sendo responsável pela cozinha da residência oficial do governador até aos momentos finais da Administração Portuguesa de Macau: “Trabalhei com seis governadores. Mas antes de para lá ir trabalhar, tive de me submeter a um exame. Entre 50 e 70 pessoas foram a exame para conseguirem dar entrada no Palácio. Fomos para lá de manhã prestar provas. A determinada altura, trouxeram-nos bacalhau e disseram-nos para o prepararmos como bem entendêssemos. Eu decidi fazer um bacalhau com natas. Experimentaram o meu bacalhau, gostaram e acabei por ser escolhido para trabalhar no Palácio”, recorda Lou Chi Seng.
Em Maio do ano passado, o chef foi convidado pela Direcção dos Serviços de Turismo para confeccionar pratos portugueses e macaenses em Nanquim, no âmbito da Semana de Macau na província de Jiangsu. A iniciativa, que procurou promover o território como membro da Rede de Cidades Criativas da UNESCO na área da Gastronomia, foi recebida de forma entusiástica pela população da cidade. “Cozinhei minchi, um prato de comida macaense que é muito fácil de fazer. Também cozinhei carne à Brás com bife grelhado que cortei em fatias finas. As pessoas gostaram muito”, assegura o chef.
Com mais de 70 anos de idade e quase 50 de carreira, Lou Chi Seng não equaciona ainda voltar as costas à cozinha. A abordagem pragmática que o empurrou para uma vida entre tachos e panelas deixou de ser há muito a única justificação para uma tão saudável longevidade: “Antigamente, alguém que trabalhasse numa cozinha pelo menos tinha sempre alguma comida para comer”, sustenta Lou Chi Seng. “Foi por isso que eu decidi tentar a sorte na cozinha”, remata.