O Governo da RAEM diz que o turismo inclusivo e sem barreiras é uma prioridade. Os esforços são elogiados por académicos e entidades de cariz social
Texto Emanuel Graça*
O turismo inclusivo ou acessível tem como fim garantir que todas as pessoas – independentemente da condição física, mental ou social – desfrutem de experiências turísticas de qualidade. O tema tem vindo a ganhar peso com o envelhecimento da população a nível mundial e o aumento do número de pessoas com limitações motoras. Macau segue a tendência global, com uma aposta – reforçada nos últimos cinco anos – nas boas práticas de inclusão e acessibilidade para visitantes.
Uma das mais recentes iniciativas neste campo foi o lançamento pela Direcção dos Serviços de Turismo (DST), em Fevereiro, de uma série de vídeos educativos sobre como “Construir uma mentalidade de serviço positiva”, disponível online. O organismo explica que a série tem seis episódios e é destinada à formação de funcionários da indústria do turismo, tendo como objectivo promover o aumento da capacidade de actuação e técnicas de gestão emocional dos profissionais do sector, de forma a elevar o nível geral dos serviços prestados. A Associação de Surdos de Macau, entidade com quem a DST coopera neste âmbito, tratou da interpretação em linguagem gestual, visando ampliar o público-alvo da formação.
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Antes disso, em Novembro do ano passado, a DST – também em parceria com a Associação de Surdos – tinha lançado um curso online de aprendizagem de língua gestual, tendo como alvo profissionais do sector turístico. Disponível através da Página Electrónica da Indústria Turística de Macau, o conteúdo do curso cobre vocabulário gestual sobre informações culturais e turísticas relativas à Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau, bem como frases para conversação diária, aumentando assim a capacidade de comunicação dos profissionais locais com pessoas portadoras de deficiência auditiva.
“A DST entende que o turismo acessível é um factor importante para o desenvolvimento de Macau como cidade de turismo”, refere o organismo. “Neste sentido, continuará a cooperar activamente para o aperfeiçoamento de um ambiente sem barreiras e a organizar formação para melhorar o serviço e a qualidade dos funcionários da DST e dos operadores turísticos”, garante.
Penny Wan Yim King, académica do Instituto de Formação Turística de Macau com investigação publicada na área do turismo inclusivo, lembra que viajar é um direito. O Código Mundial de Ética para o Turismo, aprovado pela Organização Mundial do Turismo, refere que o direito universal ao turismo “deve ser encarado como um corolário do direito ao descanso e lazer”. Neste sentido, “o turismo familiar, jovem, estudantil e sénior, assim como o turismo para pessoas portadoras de deficiência, deve ser encorajado e facilitado”, acrescenta o documento.
Em Macau, Penny Wan realça medidas como o lançamento do “Guia de Turismo Livre de Barreiras” (ver caixa), acessível através da página electrónica da DST, e que disponibiliza informação sobre as zonas turísticas e hotéis preparados para receber visitantes com necessidades especiais. “Agora já é possível saber de antemão quais são os hotéis com quartos e áreas de restauração adaptados. Claro que é apenas um começo”, acrescenta.
Na direcção certa
A promoção de um turismo cada vez mais inclusivo em Macau conta com o apoio de diversos departamentos governamentais. Por exemplo, no campo da mobilidade, a Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes tem vindo a seguir normas de “design universal” para facilitar o acesso de pessoas portadoras de deficiência às novas vias de circulação, bem como a vias fruto de remodelação. Tal inclui a utilização de pisos tácteis ou o rebaixamento de passeios nas zonas das passadeiras e de atravessamento pedonal, bem como a instalação de elevadores públicos com dispositivos de voz e sinais sonoros para a indicação de pisos e botões com gravações em relevo em linguagem Braille.
Além disso, as autoridades da RAEM têm vindo a reforçar e optimizar a rede de casas de banho públicas, nomeadamente no que toca a instalações para pessoas com deficiência.
Em relação aos transportes públicos, há uma crescente aposta em autocarros que facilitem a sua utilização por pessoas com mobilidade reduzida, invisuais ou com incapacidade auditiva. Estão também disponíveis em Macau táxis especiais acessíveis, equipados com rampa segura ou plataforma elevatória para acesso ao veículo e dispositivo para fixar cadeiras de rodas, entre outros equipamentos. Todos os táxis especiais possuem taxímetros com sistema sonoro, para facilitar a utilização do serviço por invisuais.
Esther Kou Iok Teng, académica especializada em gestão turística e ligada à Universidade da Cidade de Macau, diz que o território está no caminho certo, ou seja, de um turismo cada vez mais inclusivo tanto para visitantes como para quem trabalha na indústria. Segundo acrescenta, a tendência tem vindo a ser reforçada, no seguimento do posicionamento da cidade como centro mundial de turismo e lazer.
“A pandemia mostrou que precisamos diversificar e aproveitar oportunidades”, salienta Esther Kou. A académica nota, por exemplo, que o mais recente relatório sobre audição a nível global, publicado pela Organização Mundial de Saúde, destaca o grande mercado em potência representado pelos turistas com deficiência auditiva. “Bastam pequenas mudanças na oferta actual para os atrair”, refere. “Este é um bom momento para Macau aplicar mais recursos no desenvolvimento desse mercado.”
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O relatório, referente a 2021, alerta para o aumento do número de pessoas com deficiência auditiva devido ao envelhecimento populacional. “Macau, como cidade turística, deve ter isto em consideração e começar a trabalhar no turismo de qualidade para este segmento em crescimento”, concorda Cherry Leong Chao Man, dirigente da Associação de Surdos de Macau.
“Quando se fala actualmente em turismo inclusivo, a grande questão é como podemos incluir aqueles que não o foram já”, acrescenta a responsável, sublinhando os avanços registados em Macau. Entre as mudanças que elogia, encontram-se a disponibilização de informação diversa e vários tipos de serviços, tanto em organismos públicos como em alguns hotéis, a pensar nas pessoas com deficiências auditivas. Para Cherry Leong, faz sentido Macau, enquanto cidade que procura oferecer um turismo de qualidade, dar um passo em frente e apostar num plano de desenvolvimento turístico holístico.
O secretário-geral da Cáritas Macau, Paul Pun Chi Meng, destaca os conteúdos disponíveis na página electrónica da DST, nomeadamente através do “Guia de Turismo Livre de Barreiras”, elaborado com o apoio da instituição. Entre outros, encontram-se vídeos sobre as infra-estruturas, locais turísticos e hotéis que estão preparados para receber pessoas portadoras de deficiência, em particular pessoas com limitações motoras. “Foi um passo fundamental porque reduziu a dependência de terceiros, permitindo que essas pessoas circulem sozinhas” nos espaços turísticos de Macau, realça.
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No leque de avanços, Paul Pun inclui também a Accessible Travel Agency, com nome oficial em português Agência de Viagens Kin Hang. A empresa social sob a alçada da Cáritas Macau, criada em 2009, oferece um serviço de deslocação em torno da cidade através de cinco autocarros adaptados, que podem ser requisitados para fins turísticos ou outros.
Outra garantia de maior autonomia na cidade, de acordo com Paul Pun, foi o lançamento de um serviço de mini-autocarro pela Cáritas, adaptado para receber utentes em cadeiras de rodas. O responsável explica que o veículo não foi pensado para promover o turismo inclusivo, mas pode ser usado com esse fim já que algumas das paragens são em pontos turísticos e hotéis da cidade. O transporte faz dois trajectos, entre as 08:00 e as 20:00 horas, e é gratuito, apesar de restrito a residentes.
Turistas fiéis
A académica Penny Wan alerta para as oportunidades que o turismo inclusivo pode oferecer a Macau. “Vários estudos mostram que pessoas com algum tipo de incapacidade são clientes fiéis, que voltam às cidades ou destinos onde conseguem gozar de mobilidade, para onde é fácil para elas viajar e onde se sentem bem-vindas. Além de serem clientes leais e que regressam, normalmente trazem sempre entre um a dois acompanhantes”, sublinha.
Já Cherry Leong enfatiza que a autonomia de turistas com problemas de audição pode ser assegurada através de ligeiras adaptações. “Usar linguagem gestual, haver guias que a saibam e códigos QR com sinalética apropriada são pequenos pormenores que melhoram a qualidade da visita e garantem a inclusão.”
Numa altura em que já há hotéis de luxo com quartos adaptados, Penny Wan afirma que o esforço deve alastrar-se a outras áreas como o comércio, restauração, entretenimento e lazer. A par disso, a académica aponta como prioridade a formação adequada dos trabalhadores da indústria turística.
“A inclusão também tem que ver com a nossa mentalidade e atitude”, diz Penny Wan. “Os profissionais do sector precisam de saber quais são os requisitos e entender os sentimentos destas pessoas. Invisuais, pessoas com incapacidade auditiva e portadores de outras deficiências têm necessidades e exigências distintas”, vinca. “Não podemos generalizar e precisamos de perceber exactamente o que precisa cada um e como se sente, para que depois se desenvolvam serviços e produtos que correspondam às necessidades específicas de cada grupo”, alerta.
“Vários estudos mostram que pessoas com algum tipo de incapacidade são clientes fiéis, que voltam às cidades ou destinos onde conseguem gozar de mobilidade”
PENNY WAN YIM KING
ACADÉMICA DO INSTITUTO DE FORMAÇÃO TURÍSTICA DE MACAU
A académica Esther Kou recorda que o conceito de turismo inclusivo e sem barreiras mudou. A tónica deixou de estar somente em quem tem deficiências, para passar a considerar toda a população. “A ambição a longo prazo é tornar os destinos e serviços acessíveis a todos. Por exemplo, uma mãe com um recém-nascido também encontra obstáculos. Se as infra-estruturas estiverem pensadas e adaptadas, vai conseguir mover-se como qualquer outra pessoa”, exemplifica. “Macau tem muito potencial para desenvolver mais ofertas inclusivas”, reforça.
A ambição final, enfatiza Penny Wan, é que se adopte um “design universal” no espaço público, que todos possam usar. “A concepção de serviços e produtos com esse princípio acabará com o sentimento de minoria e de inferioridade que muitos sentem, mesmo não tendo qualquer deficiência.”
*com Catarina Brites Soares