O hóquei em campo é uma das modalidades com mais história em Macau. Muitos recordam os seus tempos áureos, ainda na Caixa Escolar, no bairro do Tap Siac, esperando que a modalidade volte a trilhar um caminho de sucesso. A aposta na promoção entre os jovens é o grande trunfo para o futuro
Texto Sandra Lobo Pimentel
As raízes da tradição do hóquei em campo em Macau remontam a várias décadas atrás, tempos em que a Praça do Tap Siac era palco de um campo chamado Caixa Escolar, onde pais, filhos e netos abraçavam esta modalidade, muito comum no quotidiano desportivo do território.
Foi aí que nasceu, cresceu e prosperou o hóquei em campo, uma das modalidades mais carismáticas da segunda metade do século XX em Macau e que ainda hoje se pratica. A Associação de Hóquei de Macau, constituída em 1975, continua a organizar um campeonato anual, que conta com sete equipas e que decorre no Centro de Hóquei do Complexo Olímpico de Macau, na Taipa.
Os tempos áureos do hóquei em campo começaram em meados do século passado, com a constituição do Hóquei Clube de Macau, em 1944, com uma equipa que chegou a jogar em representação de Portugal. O clube apareceu numa altura em que o livre associativismo não era permitido, mas a habilidade dos praticantes e o empenho dos aficionados motivaram a simpatia das autoridades.
Parte da nova geração, Filipe de Senna Fernandes foi presidente da Associação de Hóquei em Campo de Macau até 2020 e é um dos jovens que continua a tradição da modalidade, desde sempre intrinsecamente ligada à comunidade macaense. A permanência desta actividade desportiva acontece, “essencialmente, por causa da história”, conta à Revista Macau.
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Frederico Cordeiro, presidente do clube Lusitânia há 30 anos e um dos grandes nomes do hóquei em campo de Macau no período dourado das décadas de 60 e 70 do século passado, também partilhou com a Revista Macau a sua visão da modalidade.
O dirigente acredita que mais pode ser feito para projectar este desporto no presente e isso passa por aproveitar a oportunidade de ter um campo no Centro de Hóquei que permite realizar encontros internacionais. “Devia ser promovido pela Associação [de Hóquei em Campo] um torneio quadrangular”, com equipas do Interior da China, Hong Kong e Taiwan, sugere.
A fórmula serve para dar a conhecer a modalidade e, acima de tudo, para captar a atenção dos mais jovens, que são, naturalmente, o futuro do hóquei em campo em Macau.
Também Manuel Silvério, antigo jogador e dirigente da Associação de Hóquei de Macau, considera que o que poderá fazer a diferença é a aposta em intercâmbios e actividades internas que promovam e impulsionem o hóquei em campo com vista à captação de novos talentos. No entanto, acrescenta, a modalidade ainda se depara com o mesmo problema do passado, isto é, a determinação de quem se dedicava à causa, mas sempre refém de alguma “insipiência organizativa”.
Crescimento regional
Apesar das valências do Centro de Hóquei do Complexo Olímpico de Macau, na Taipa, voltar aos velhos tempos da modalidade “é quase impossível”, diz Filipe de Senna Fernandes. A ideia, durante a sua presidência na associação, era chegar às escolas para promover o hóquei em campo e assim tentar chamar mais praticantes. No entanto, a iniciativa não correu da forma esperada. “A modalidade é mal percebida”, explica Filipe de Senna Fernandes, acrescentado que ainda existem “muitos obstáculos”.
Antes das restrições impostas pela pandemia da COVID-19, ainda houve treinos aos sábados para crianças dos sete aos 12 anos, com cerca de 40 jovens praticantes. “Tentámos abrir essas aulas, mas neste momento estão paradas”, refere.
À frente do Lusitânia, um dos emblemas com mais peso no hóquei em campo local, Frederico Cordeiro lamenta que o presente e o futuro da modalidade não vislumbrem o impacto que teve outrora. “O hóquei sempre foi jogado, maioritariamente, por macaenses. E havia muito mais intercâmbio”, relembrando os encontros semanais com equipas de Hong Kong ou mesmo o torneio anual com uma equipa japonesa de Osaka. “Para esses torneios, os jogadores até eram dispensados do trabalho”, nota o dirigente do Lusitânia, testemunhando a importância que era então dada à modalidade.
Para Manuel Silvério, há vários factores associados ao facto de, em Macau, esta actividade desportiva ter perdido alguma expressão, especialmente no contexto regional. “Não podemos esquecer que a modalidade se desenvolveu como uma flecha num certo período. Em termos desportivos, o Hóquei Clube foi aquela poderosa e invencível equipa, numa altura em que a própria modalidade não estava tão desenvolvida noutros países.”
Hoje, porém, a realidade é outra, aponta. “Antigamente só se falava do hóquei em campo na Índia e no Paquistão, que eram os ases do desporto. Hoje, não só na Europa como na Austrália e na Nova Zelândia, [a modalidade] está em franco desenvolvimento. E, na Ásia, o Japão é uma potência, a Coreia do Sul também e a própria China.”
Para dar o passo e não perder esse comboio, a aposta tem que ser na promoção, apesar das dificuldades, defende Manuel Silvério. “Como modalidade por equipa, tem que ser massificada, mas a oferta no sector do desporto para os atletas é muito elevada. Há muitas modalidades que se oferecem aos jovens. E há liberdade para a prática de uma ou várias e para trocar, por isso, o hóquei em campo está a concorrer com outros desportos”, observa o antigo jogador e dirigente, concluindo que a modernização e a profissionalização tendem a ser o caminho para qualquer modalidade ganhar expressão e sucesso.