Comércio electrónico

Empresas de Macau de olho no “live streaming”

O Governo de Macau tem implementado medidas para promover o desenvolvimento do sector do comércio electrónico
Se o comércio electrónico era uma ideia que estava nos planos das empresas de Macau, neste momento, muitas já passaram à acção, muito por culpa da pandemia da COVID-19. A estratégia de divulgação e venda de produtos através de “live streaming” também veio para ficar e ajuda a explorar o vasto mercado do Interior da China

Texto Tony Lai

A pandemia da COVID-19 tem sido uma montanha-russa para algumas empresas de Macau, levando-as a procurar alternativas sustentáveis para as suas operações. Perante a incerteza do mercado, plataformas de comércio electrónico e de “live streaming” estão a tornar-se ferramentas populares para expandir negócios e minimizar os efeitos da crise de saúde pública.

O volume de negócios da pastelaria tradicional de Macau Alua e Comidas Portuguesa Kam In tem tido altos e baixos nos últimos dois anos. Sempre que houve novos casos de COVID-19 em Macau ou na província vizinha de Guangdong, o negócio foi imediatamente afectado – com as vendas a cair mais de 90 por cento –, devido ao apertar das restrições nas fronteiras, diz a proprietária, Ho Kam In, à Revista Macau. A marca gere duas lojas Kam In em pontos turísticos nobres de Macau.

Para lidar com este desafio, Ho Kam In está agora a tentar atrair clientes através do chamado “live commerce”, no qual alguém, desde influenciadores a lojistas, divulga e vende produtos ou serviços a clientes através de transmissões de vídeo ao vivo, ou “live streaming”, em diferentes plataformas de comércio electrónico ou em redes sociais.

A loja Kam In tem agora sete tipos de produtos, incluindo biscoitos de amêndoa e Bicho-Bicho (biscoitos de manteiga), apresentados regularmente em sessões de “live streaming” nas mais populares plataformas do Interior da China, como o Taobao e o Douyin (a versão chinesa do TikTok). “O ‘live commerce’ tem-nos ajudado a manter o nosso negócio a funcionar em tempos difíceis”, afirma Ho Kam In, adiantando que a marca até conseguiu gerar vendas de mais de 100 mil renminbi (cerca de 126 mil patacas) durante uma sessão de três horas.

Ho Kam In, da pastelaria Alua e Comidas Portuguesa Kam In, diz que o “live commerce” é uma tendência impossível de ignorar

O Governo da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM) espera que outras empresas locais sigam o exemplo da loja Kam In, adoptando o novo modelo de negócio para se aventurarem no mercado do Interior da China. Na última década, numa nova era digital, o comércio electrónico tem sido uma tendência tanto nacional como mundial, mas a ascensão do “live commerce” no Interior da China começou há apenas alguns anos.

Segundo um relatório recente da agência chinesa de serviços e análise de dados Fastdata, o valor das transacções feitas através de “live commerce” no Interior da China atingiu 1,09 mil biliões de renminbi na primeira metade de 2021. Um valor que representa quase 85 por cento de todo o ano de 2020 e que reflecte um enorme aumento em comparação com apenas 26,8 mil milhões de renminbi em 2017. O relatório também indica que o sector de “live commerce” representou cerca de um sexto das transacções transfronteiriças de comércio electrónico, cujo valor atingiu 6,11 mil biliões de renminbi na primeira metade de 2021.

O Governo de Macau lançou recentemente várias iniciativas para encorajar as empresas locais a apostar no comércio electrónico, particularmente dirigidas às pequenas e médias empresas (PME) que dependem principalmente do modelo tradicional da loja como um espaço físico. “O Governo da RAEM tem sempre um papel activo a apoiar as PME a aproveitar as vantagens da actual tendência do comércio electrónico e a encorajar as PME a explorar oportunidades de negócio através da Internet e outros métodos electrónicos. A sua competitividade poderá sair reforçada por uma mudança para o modelo do comércio electrónico”, disse à Revista Macau a Direcção dos Serviços de Economia e Desenvolvimento Tecnológico (DSEDT).

A DSEDT tem ajudado a organizar e continua a encorajar as PME locais a aderirem a vários eventos de comércio electrónico para que “as empresas de Macau possam explorar o enorme mercado do Interior da China através de plataformas de comércio electrónico e de modelos de vendas como o ‘live commerce’”, afirma a DSEDT, acrescentando que um popular influenciador chinês conseguiu vender produtos de Macau no valor de mais de 7 milhões de renminbi numa só sessão de “live streaming”. A DSEDT diz também que organizou e apoiou nos últimos anos uma série de seminários e sessões de formação e intercâmbio sobre o comércio electrónico, para que as empresas locais conheçam mais sobre esta tendência de negócio.

Obstáculos a ultrapassar

Matthew Liu Ting Chi, professor de marketing na Universidade de Macau, acredita que cada vez mais empresas de Macau, especialmente PME, se vão aventurar online devido ao impacto negativo trazido pela pandemia. “No passado, quando a cidade recebia mais de 30 milhões de visitantes por ano, os comerciantes locais não precisavam de pensar em alternativas. O negócio era sustentável desde que tivessem as portas abertas”, argumenta o académico à Revista Macau. “Mas, dada a volatilidade causada pelos surtos de coronavírus, estas empresas agora precisam de pensar em formas diferentes de atrair os consumidores.”

Dados oficiais mostram que a cidade recebeu quase 7,71 milhões de viajantes em 2021, uma recuperação de 30,7 por cento em relação a 2020, mas que representa ainda apenas 20 por cento dos níveis de 2019, antes do início da pandemia.

Embora as empresas locais estejam agora mais dispostas a desenvolver operações online, Matthew Liu aponta obstáculos ainda por ultrapassar. “Um deles é que eles precisam de investir em marketing, promoção e outros aspectos para aumentar a presença e conhecimento da marca online, mas no actual ambiente de negócios podem não ter recursos para o fazer”, nota o académico.

Outro desafio são os procedimentos logísticos transfronteiriços. “Por exemplo, Macau é famosa entre os consumidores chineses pelos produtos alimentares típicos, mas o Interior da China tem requisitos rigorosos para a importação e exportação destes bens”, ilustra.

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Lei Cheok Kuan, presidente da Federação da Indústria e Comércio de Macau Centro e Sul Distritos, concorda que são necessárias mudanças para que as empresas locais prosperem no novo ambiente de negócios. “Para exportar grandes quantidades de produtos alimentares de Macau [para o Interior da China], os comerciantes devem primeiro ter uma unidade de produção num espaço industrial para poder obter uma licença de fabrico alimentar”, explica Lei Cheok Kuan, acrescentando que muitas PME locais não têm recursos suficientes para uma empreitada dessa dimensão.

Os comerciantes locais também precisam dos recursos certos, em termos financeiros e de mão-de-obra, para lidar com os procedimentos de comércio electrónico, desde a logística até à gestão de stocks, promoção e imagem de marca. “Todas as empresas querem explorar o segmento de comércio electrónico, mas o problema é ter capacidade para isso”, avisa Lei Cheok Kuan à Revista Macau.

“E-comercialização”

Vários projectos – lançados recentemente com o apoio das autoridades – podem ajudar as empresas locais, especialmente as PME, a superar os desafios. Uma das iniciativas apoiadas pela DSEDT é a Macau Live Streaming Station (MBU), que fornece uma série de serviços de apoio às PME de Macau interessadas em explorar o mercado do Interior da China através do comércio electrónico. Foi inaugurada oficialmente em Abril do ano passado, em colaboração com o Multinational Holdings Group, liderado pelo conhecido empresário local Lao Nga Wong, a Sociedade De Desenvolvimento Buyers De Macau Limitada e o gigante chinês de comércio electrónico Alibaba Group, que gere plataformas populares, como o Taobao e o Tmall.

Além de disponibilizar na cidade um espaço físico e instalações com cerca de 500 metros quadrados para actividades de “live streaming”, a MBU ajuda as empresas locais a “e-comercializar” os seus produtos. “Não se trata simplesmente de colocar os produtos à venda online – os comerciantes também precisam de juntar fotos, vídeos e descrições aos seus produtos para atrair clientes, bem como fixar preços competitivos e planear os procedimentos de armazenamento e logística [para entrega do outro lado da fronteira]”, refere Juli Chu, directora-executiva da MBU, em declarações à Revista Macau.

A Macau Live Streaming Station também gere a chamada secção “100 Lojas em Macau” no Taobao, que trata de todos os procedimentos de comércio electrónico para os comerciantes locais, que apenas necessitam de fornecer informações sobre os produtos e enviá-los por correio para os clientes quando recebem uma encomenda. “Sabemos que muitos comerciantes de Macau são PME, confiam no modelo de negócio tradicional da loja física, e podem não ter recursos e tempo para montar as suas próprias lojas de comércio electrónico e ter uma equipa dedicada”, explica Juli Chu.


“Servimos de ponte entre os comerciantes de Macau e os ‘live streamers’ do Interior da China”

JULI CHU
DIRECTORA-EXECUTIVA DA MACAU LIVE STREAMING STATION

A MBU celebrou acordos de cooperação com 82 “live streamers” do Interior da China, para além de apoiar a formação de “live streamers” de Macau, para promover os produtos da cidade no outro lado da fronteira. “Servimos de ponte entre os comerciantes de Macau e os ‘live streamers’ do Interior da China, para atrair os consumidores do mercado chinês”, acrescenta a directora-executiva.

Em menos de um ano após a inauguração, a Macau Live Streaming Station alcançou resultados positivos: trabalha actualmente com cerca de 40 marcas e comerciantes locais, incluindo a Kam In, a cadeia local Padaria da Guia e a marca de joalharia Seng Fung Jewellery. As sessões de “live streamers” ligados à MBU conseguiram vender produtos de Macau no valor de mais de 100 milhões de renminbi no ano passado.

Ir mais além

A DSEDT apoiou ainda a Associação da Indústria de Transfronteiriça E-Commerce de Macau e a empresa Macau Newland Global Shopping Cross-Border E-Commerce no lançamento, em Dezembro último, do projecto Macau Plaza, que fornece a empresas de Macau serviços integrados de logística, armazenamento, desalfandegamento e marketing para a venda de produtos em plataformas de comércio electrónico do Interior da China. Outras iniciativas apoiadas pela DSEDT incluem o Macau E-commerce Festival, que tem sido organizado pela Associação Internacional de Desenvolvimento de Indústria Tecnológica de Macau nos últimos quatro anos.

Rainbow Lei, presidente da associação, diz que o festival foi criado para promover o uso de ferramentas tecnológicas por parte das PME locais, acrescentando que “a importância da tecnologia” se tornou particularmente evidente durante a pandemia da COVID-19. “O festival quer atrair consumidores a comprar em plataformas locais de comércio electrónico, ao mesmo tempo que ajuda as PME locais a expandir a sua base de clientes, através do marketing online e do comércio electrónico”, conta Rainbow Lei, em entrevista à Revista Macau.

A dirigente associativa revela que, segundo dados preliminares, as vendas durante a última edição do festival, entre Novembro e Dezembro do ano passado, atingiram cerca de 10 milhões de patacas, três vezes mais do que na edição de 2020. A responsável espera que o festival possa crescer nos próximos anos, incorporando plataformas de comércio electrónico transfronteiriças e do Interior da China, para ajudar as PME locais na expansão para o vasto mercado do outro lado da fronteira.

A DSEDT lançou também o chamado Plano das Lojas com Características Próprias, em Julho de 2020, para ajudar as mais distintivas lojas de comércio a retalho e estabelecimentos de alimentos e bebidas de Macau a ter mais exposição e a melhorar o nível de serviço. Um dos objectivos do plano – que agora abrange 190 estabelecimentos de alimentos e bebidas e 29 lojas de artesanato – é ajudar as empresas a realizarem apresentações nas mais populares plataformas de comércio electrónico e redes sociais do Interior da China, diz a DSEDT. Algumas das empresas mencionaram um aumento de 30 a 50 por cento nas receitas dos espaços físicos, enquanto algumas notaram que a sua presença online cresceu quase quatro vezes desde que aderiram ao plano, acrescenta o organismo.