Tradição

A arte de vender chá

Há mais de 50 anos que a empresa Va Luen oferece centenas de chás, com diferentes formatos, sabores e origens. O fundador, Chang Chi Fai, não esconde segredos e diz que conhecer as características e as nuances de cada chá é essencial para garantir a qualidade dos seus produtos

Texto Tony Lai
Fotografia Cheong Kam Ka

Na Va Luen, uma empresa de chá com três pontos de venda na Rua de Cinco de Outubro, um dos bairros mais antigos de Macau, não é fácil escolher entre centenas de opções. Só no que toca às variedades de chá, a Va Luen oferece ‘pu’er’, ‘longjing’ (conhecido como chá de poço de dragão), ‘tieguanyin’ e ‘lu’an’ (também chamado de chá de semente de melão), entre outras, originárias de diferentes lugares, incluindo das províncias de Zhejiang, Jiangsu, Yunnan, Anhui e Fujian, no Interior da China. São chás de colheitas de diferentes anos que podem ser vendidos em folhas, tijolos, bolos e muito mais.

A variedade é imensa, mas não guarda quaisquer segredos para Chang Chi Fai, de 85 anos, que de forma entusiasmada debita informações sobre as características e sabores de cada tipo de chá. A experiência de Chang, acumulada desde 1965, quando estabeleceu a Va Luen, valeu-lhe a reputação de “Rei do Chá de Macau” e consagrou o estatuto da empresa não só na cidade, mas também além-fonteiras.

De distribuidor a produtor

Desde a sua criação que a Va Luen – distribuidora exclusiva em Macau da empresa estatal de chá China Tea Co. Ltd. – apresenta uma vasta gama de chás provenientes de diferentes locais do Interior da China, atendendo às necessidades de residentes e visitantes, bem como de restaurantes chineses, hotéis e operadores de ‘resorts’ em toda a cidade. “Há mais de 30 anos que também importamos e vendemos folhas de chá de Taiwan e Sri Lanka”, acrescenta Chang, em entrevista à Revista Macau.


“A nossa filosofia é simples: vender chá de primeira qualidade a um terço do preço”

CHANG CHI FAI
FUNDADOR DA EMPRESA DE CHÁ VA LUEN

Além de vender os produtos da China Tea, desde a década de 90 que a Va Luen produz as suas próprias infusões, tratando e misturando folhas de chá vindas do Interior da China. Entre os produtos mais conhecidos da Va Luen estão os bolos de chá ‘pu’er’ produzidos em 1997 e 1999, para celebrar, respectivamente, a criação das duas regiões administrativas especiais chinesas, Hong Kong e Macau. “No que toca ao ‘pu’er’, quanto mais antigas as folhas, melhor o sabor do chá”, explica o proprietário. “Por isso, alguns dos nossos bolos ou tijolos de ‘pu’er’ produzidos há 20 anos podem agora custar 8 mil patacas cada um, ao invés das 100 patacas que custavam quando foram produzidos”, acrescenta.

Além das lojas, a Va Luen tem em Macau diversos armazéns com uma área total de cinco mil metros quadrados. “A armazenagem é um elo crucial no nosso negócio: temos de adquirir o máximo possível de folhas de chá quando os locais de origem têm uma boa época de colheita, para compensar alturas em que a produção seja baixa”, explica Chang. “Os armazéns têm ambientes diferentes: alguns têm de ser secos só para armazenar, enquanto outros têm de ser mantidos em condições ligeiramente húmidas para que as folhas possam continuar a fermentar”, antes de serem transformadas e vendidas, acrescenta o veterano empresário.

Do vinho de arroz ao chá

Embora esteja no sector do chá há mais de cinco décadas, Chang tornou-se primeiramente conhecido por um outro produto: o vinho de arroz. Foi na década de 50, aos 18 anos, que começou a ajudar o pai, um empresário chinês com origens peruanas, gerindo uma fábrica de vinho de arroz em Macau. Chang adquiriu equipamento moderno para a fábrica e melhorou as técnicas de produção. “A produtividade da fábrica triplicou em poucos anos e na altura chegou a fabricar mais de metade de todo o vinho de arroz de Macau”, sublinha com orgulho.

O sucesso em tão tenra idade – Chang tinha então apenas 20 e poucos anos – valeu-lhe um convite de Ho Yin, o já falecido magnata local, para a direcção da prestigiada Associação Comercial de Macau. Um lugar que o colocou em contacto com funcionários e representantes de empresas estatais no Interior da China.

Conhecer as características de cada chá é essencial para garantir a qualidade dos produtos

Na década de 60, um funcionário da Nam Kwong, o único grupo estatal chinês com sede em Macau, pediu a Chang que lançasse um novo projecto de venda e distribuição de chá do Interior da China. Isto numa altura em que o Governo Central procurava estabelecer canais oficiais para o comércio de chá chinês. “Era um risco, pois eu não tinha qualquer conhecimento sobre a indústria do chá e as pessoas de Macau naquela época não tinham dinheiro para gastar em folhas de chá de qualidade”, conta Chang.

Mas o apoio incondicional do pai e um sentimento patriótico levaram o empresário a empenhar-se no novo desafio. Após viajar durante cerca de meio ano pelo Interior da China para aprender mais sobre os diferentes tipos de chá e os processos de produção e fabricação, Chang montou a Va Luen, juntamente com alguns parceiros, em 1965.

De olhos no mercado chinês

Sob a liderança de Chang, e agora do filho e do neto, a Va Luen cresceu e ganhou reconhecimento. Além de outras distinções, a empresa venceu recentemente o prémio de marca mais influente na edição de 2021 do Chinese Tea Brand Jin Ya (Golden Buds) Awards, um dos galardões mais importantes da indústria chinesa de chá.

“Sem armazéns de qualidade e conhecimento especializado não teria um lugar neste sector”, diz Chang. O empresário é também presidente honorário da Associação da Arte do Chá de Macau e, ao longo dos anos, tem partilhado os seus conhecimentos sobre a arte do chá com milhares de alunos em escolas ou instituições locais. “Não é para me gabar, mas sei muito sobre chá”, acrescenta.

A empresa oferece centenas de chás, com diferentes sabores e origens

Nos últimos anos, a Va Luen tem também começado a explorar o mercado do Interior da China para encontrar mais oportunidades de negócios, abrindo estabelecimentos comerciais em vários pontos da província de Guangdong, como Zhongshan, Xinhui e Guangzhou. A última loja a abrir portas foi em Zhuhai, no ano passado, e os produtos da marca local estão também disponíveis em plataformas chinesas de comércio electrónico.

A decisão de Va Luen de apostar no Interior da China deu certo. O chá com leite feito com chá vermelho de líchia ganhou popularidade nalgumas redes sociais chinesas e isso tem-se traduzido numa forte procura. “Só as nossas vendas de chá vermelho de líchia ultrapassaram mais de 100 mil patacas por dia”, salienta Chang. E sublinha, em jeito de resumo: “A nossa filosofia é simples: vender chá de primeira qualidade a um terço do preço”.