A Macau de Eric Fok tem tanto de vivido, como de imaginado. O ilustrador é, aos 31 anos, um dos criadores locais com maior reconhecimento internacional, graças ao traço inconfundível das suas obras
Texto Marco Carvalho
NASCIDO em 1990, Eric Fok Hoi Seng cresceu entre a zona das Portas do Cerco, onde residia, e a Praia Grande – onde frequentou pela primeira vez a escola –, mas na sua cartilha de afectos pontificam também raras e inebriantes incursões à baía de Hac Sá ou o espanto com que o rendilhado das Ruínas de São Paulo se lhe foi gradualmente revelando.
Na obra de Eric Fok, a influência de pintores como o alemão Albrecht Dürer é inegável, mas os mapas que cria encerram sempre ecos subtis da Macau onde cresceu. Depois de ter obtido uma licenciatura em Artes Visuais pelo Instituto Politécnico de Macau, da sua arte ter corrido o mundo (com Portugal, Itália, Estados Unidos e o Japão entre as principais paragens) e de ter obtido um mestrado em Belas Artes em Taiwan, Eric Fok regressou recentemente à Formosa para iniciar estudos de doutoramento.
As suas obras são uma mistura única de tradição e modernidade. O artista demarca-se pela forma como conjuga o uso de papel envelhecido com chá, história e tinta acrílica para criar modernos portulanos onde real e imaginário se fundem com fascinante harmonia.
Laranja doce
HÁ visões e deslumbramentos que nos acompanham para sempre. É o que Eric Fok não diz, mas que se torna palpável sempre que fala da primeira vez que viu o mar e o sol, feito fogo, desmaiar ao final da tarde sobre ele: “Creio que foi em 1995 e eu seguia a bordo do autocarro escolar do Colégio Mateus Ricci. Na altura, o ensino pré-primário funcionava na Praia Grande e, ao final do dia, o autocarro que me trazia para a zona das Portas do Cerco optou por um percurso diferente. Seguiu pela Meia Laranja, ao final da tarde. Vi, pela primeira vez, o mar sem limites, o sol ofuscante, as árvores tranquilas e belas. Para a maioria das pessoas, as memórias de infância são sempre muito bonitas”, reconhece o artista, na conversa com a Revista Macau.
Mais de um quarto de século depois, a Meia Laranja ficou mais longe do mar com a conclusão do fecho da Baía da Praia Grande, mas para Eric Fok continua a preservar a doçura original: “Quando penso na minha infância, sou apenas uma criança. O mundo é simples e despreocupado”.
Portulano de pedra
PRIMEIRO um mistério, depois um convite à descoberta e, finalmente, fonte de pasmo e de inspiração. Antes ainda de a imensidão do mar o ter deixado colado ao vidro de um autocarro, Eric Fok sucumbiu vezes sem conta à perplexidade que lhe causava um gigantesco livro de pedra que se abria sobre o coração da cidade: “Quando estudava no Colégio Mateus Ricci, todos os dias passava pelas Ruínas de São Paulo. As ruínas sempre ali estiveram, muito antes de eu ter nascido, mas eu não conhecia a sua história”, recorda o ilustrador.
“Mais tarde, quando comecei a estudar a história de Macau, percebi o quão gloriosa tinha sido esta terra. Foi em Macau que a música, a pintura e a arquitectura ocidental primeiro se mostraram à China. Acolheu muitos homens que deixaram o seu nome na história”, sublinha.
Eric Fok desenhou o primeiro dos mapas que lhe abriram a exigente porta do reconhecimento artístico em 2012, depois de uma visita a Malaca, na Malásia. O que era até então fascínio e inquietude tornou-se uma epifania, mil vezes repetida desde então: “Uma noite, quando estava no secundário, atravessei a Ponte da Amizade num motociclo e pude ver o perfil de Macau e a linha costeira a desenhar-se perante mim na perfeição. Senti que estava a olhar para um mapa, a imaginar como a cidade cresceu, o cais onde navegadores e missionários desembarcaram há centenas de anos”.
Portas do Cerco, meu amor
FILHO de um casal oriundo de Foshan, na província de Guangdong, Eric Fok – o único rapaz entre cinco crianças – cresceu na zona das Portas do Cerco e é da estreita língua de terra onde Macau mingua e o Interior da China se faz tangível que guarda as memórias mais vivas: “Testemunhei a mudança do edifício da fronteira, das pessoas que o atravessavam, vi o número de viajantes aumentar, os gigantescos painéis de azulejos ali ao lado, a Porta do Cerco e, a determinada altura, dei por mim a procurar em mapas o lugar em que cresci”, indica.
Banhada pela luz dourada da infância, a estreita faixa onde Macau e o Interior da China se tocam prefigurou-se durante anos, para Eric Fok, o maior dos mundos: “A minha mãe levava-me a mim e a uma das minhas irmãs ao Parque Dr. Sun Yat Sen todos os domingos. Naquela altura, havia muitas pessoas a lançar papagaios de papel e havia pavões e outros animais no parque. Via a polícia de Macau e a polícia do Interior da China, do outro lado, a patrulhar junto ao rio. Corria e brincava na areia e isso deixava-me feliz. Era muito fácil de satisfazer, vivia sem preocupações. Depois de ter entrado para o ensino secundário, nunca mais lá voltei”, admite.
Hac Sá ou o apelo do mar
MURCHA a infância, o mundo de Eric Fok pede mais horizonte e as águas da baía de Hac Sá foram durante anos sinónimo de liberdade: “Antes de tirar a carta de condução, a minha vida decorria toda no espaço de um quilómetro. A actividade pela qual eu mais ansiava era a excursão escolar à praia de Hac Sá, que na altura parecia ficar num outro mundo. Adorava ver a forma como a paisagem mudava ao longo do percurso. Não havia casinos no Cotai, não havia arranha-céus em Coloane. Passava o ano todo à espera desta viagem”, recorda.
“Talvez toda a gente em Macau sinta este chamamento do mar. Durante uma estadia prolongada em Florença, em Itália, sonhei que estava a caminhar junto ao mar. Não havia edifícios altos, apenas o som do vento e das ondas. Quando sinto a falta de um lugar tranquilo, é a Hac Sá que eu regresso”, atesta Eric Fok.