COOPERAÇÃO

Moçambique “liga” a televisão digital com apoio da China

Depois de 40 anos em funcionamento, o sistema analógico de televisão foi desligado, mudando para sempre a forma de fazer e, sobretudo, de ver televisão em Moçambique. A fase final da nova “era digital” arrancou em Setembro deste ano, com o apoio da China

Texto  Jaime Álvaro
Fotografia  Nelson Langa

A TELEVISÃO digital em Moçambique é agora uma realidade, num processo de transição que se prolongou por mais do que uma década e contou com a ajuda da China. A migração da radiodifusão custou US$156 milhões (MOP1,25 mil milhões), financiados pela empresa chinesa StarTimes, que ganhou o concurso de implementação da Televisão Digital Terrestre (TDT) no país africano.

A estratégia de migração da radiodifusão analógica para a digital foi delineada pela Comissão para a Implementação da Migração Digital (COMID), um órgão criado em 2011 pelo Governo moçambicano. Em 2014, o Conselho de Ministros aprovou o plano de implementação, abrindo caminho a um novo paradigma de separação entre a produção e a transmissão de conteúdos televisivos. 

Foi neste contexto que foi criada a empresa Transporte, Multiplexação e Transmissão (TMT), a entidade pública responsável por transmitir o sinal digital de todas as televisões nacionais que operam em Moçambique. 

“Com a adopção da ‘Estratégia de Migração’, as televisões passariam a dedicar-se somente à produção de conteúdos e deixariam de se ocupar da parte da transmissão”, disse à Revista Macau o presidente do Conselho de Administração da TMT, Victor Mbebe.


“As empresas chinesas apresentaram, do ponto de vista técnico, a melhor proposta de financiamento e foi nessa base que a StarTimes acabou sendo seleccionada para implementar o projecto”

VICTOR MBEBE
PRESIDENTE DO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO DA EMPRESA TRANSPORTE, MULTIPLEXAÇÃO E TRANSMISSÃO

A implementação do projecto teve início em 2017 e foi concluída com o lançamento do sinal aberto de televisão digital terrestre, inaugurado em Outubro de 2020, na cidade da Beira, pelo Presidente da República de Moçambique, Filipe Nyusi.

O roteiro da migração

Em Junho de 2016, o Governo moçambicano lançou um concurso público internacional para seleccionar a empresa que financiaria e implementaria o projecto definitivo da migração digital no país.

Das 20 empresas a concurso foram pré-seleccionadas seis, entre as quais quatro chinesas. A escolha recaiu sobre a StarTimes, que mobilizou US$156 milhões junto do Banco de Exportação e Importação da China (Eximbank), para a materialização da TDT.

“As empresas chinesas apresentaram, do ponto de vista técnico, a melhor proposta de financiamento e foi nessa base que a StarTimes acabou sendo seleccionada para implementar o projecto”, refere Victor Mbebe.  

A TMT é responsável por transmitir o sinal digital de todas as televisões nacionais que operam em Moçambique

O processo de migração envolveu quatro etapas. A primeira consistiu na construção de uma rede de distribuição, composta por 60 centros emissores espalhados pelo país, que transmite em 22 canais. A segunda etapa abrangeu a distribuição de 400 mil aparelhos set-top box (conversores de sinal digital). A terceira fase foi a digitalização da Televisão de Moçambique (TVM) de modo a receber conteúdos em formato digital. O processo abrangeu três estúdios centrais e mais de 10 estúdios provinciais. E por fim, a quarta componente, a construção do edifício onde se faz a distribuição dos conteúdos digitais de todas as estações de televisão para a rede digital através da TMT e onde, igualmente, funciona o centro digital da TVM. 

“O processo da digitalização da televisão no país está a decorrer sem sobressaltos. Tivemos alguns problemas no início do processo, o que julgamos normal, pois não é fácil mudar de uma tecnologia para outra. Mas creio que agora já estamos num processo de equilíbrio”, afirma o director técnico da TVM, Danilo Langa, em declarações à Revista Macau.

Cooperação com a China

O mesmo responsável enalteceu a importância da China na modernização da televisão em Moçambique. “No âmbito da introdução da TDT no país, foram treinados na China um total de 50 técnicos nas diversas especialidades que compõem uma televisão: parte de vídeo, áudio, realização, operação de grafismo, transmissão, continuidade, gestão de dados, etc.”, salienta Danilo Langa.

Neste momento, todas as componentes do projecto de migração digital estão operacionais, o que culminou com a desactivação de 16 centros emissores analógicos espalhados pelas capitais provinciais e principais cidades do país. Segundo a entidade reguladora, o Instituto Nacional das Telecomunicações de Moçambique (INCM), a última fase do processo deve ocorrer até 31 de Dezembro deste ano, com a descontinuidade das transmissões analógicas.

Os estúdios da TVM foram renovados de modo a poderem receber conteúdos em formato digital

Para ligar televisores analógicos ao serviço digital são necessários conversores vendidos em agentes autorizados da TMT. Até Outubro de 2020, a TMT tinha distribuído 100 mil conversores, mas depois do lançamento do sinal na Beira a adesão acelerou e, actualmente, cerca de 300 mil unidades já foram entregues. A perspectiva é que até ao final do presente ano a TMT tenha distribuído conversores a cerca de 500 mil famílias.

“Queremos que neste processo não se deixe ninguém para trás”, advertiu o Presidente da República, aquando da inauguração, a 25 de Junho, do Centro de Televisão Central Digital da TVM, o qual acolhe também os serviços da TMT.

“O centro vai contribuir para fortalecer a cooperação económica e tecnológica sino-moçambicana e promover o desenvolvimento socio-económico de Moçambique”, disse na mesma ocasião o Embaixador da República Popular da China em Moçambique, Wang Hejun.

Nova ‘era’ de oportunidades

A implementação da televisão digital visa criar um novo paradigma de radiodifusão em Moçambique, oferecendo um conjunto de vantagens, nomeadamente a utilização mais eficiente do espectro radioeléctrico, permitindo alocar mais programas dentro do mesmo canal emissor.

Com a migração digital, a população passa a beneficiar de uma rede de maior cobertura, visto que a rede analógica abrangia apenas 30 por cento da população. A rede digital irá abranger 70 por cento da população, destaca Victor Mbebe.

A expansão da cobertura e maior oferta de canais de conteúdo segmentado, proporcionando uma melhoria da qualidade do sinal, aumentou a procura por serviços de televisão digitais em Moçambique, o que representa uma oportunidade para os fornecedores de conteúdos no país.


“Estamos crentes de que, com a migração digital, aliamo-nos aos esforços do Governo para fazer crescer a indústria cinematográfica e televisiva local”

AGNELO LAICE
DIRECTOR-GERAL DA MULTICHOICE MOÇAMBIQUE

“A transição para serviços de televisão digital oferece muitas oportunidades para serviços de valor acrescentado e pode acelerar a expansão da empresa, uma vez que oferecerá aos moçambicanos a oportunidade de desfrutar de conteúdos de excelente qualidade que a DStv e a GOtv já vinham a disponibilizar, através das duas plataformas digitais, ao longo dos últimos 26 anos”, avança o director-geral da MultiChoice Moçambique, Agnelo Laice.

“Estamos crentes de que, com a migração digital, aliamo-nos aos esforços do Governo para fazer crescer a indústria cinematográfica e televisiva local, com o consequente crescimento da produção de conteúdos locais, ajudando a gerar emprego e riqueza para toda sua cadeia de valor”, acrescenta.