Escalada, montanhismo, alpinismo e caminhadas são actividades que cresceram na última década. Macau também ganhou adeptos. Associações e desportistas procuram conferir mais visibilidade às modalidades ainda a dar os primeiros passos na região
Texto Catarina Brites Soares | Fotos DR
Vincent Lo e Raymond Lio interessaram-se pela escalada na universidade. De hobby passou a forma de vida pelo impacto que dizem ter na saúde física e mental. Certos dos benefícios, organizaram-se para tornar a modalidade uma opção em Macau.
Em 2015, reavivaram a Mountaineering Federation Macau-China e, no ano passado, abriram o Solution Climbing Gym. “Há cada vez mais interesse porque é um desporto de aventura e que exige alguma coragem. É físico, mas não se esgota na imagem e no corpo, e também implica um grande treino mental”, explica Vincent Lo, um dos gerentes do único ginásio na cidade com enfoque na escalada e membro da direcção da associação.
A ideia de abrir um espaço nasceu por constatar que eram escassos os locais para escalar. Juntou parceiros, financiamento e patrocinadores, e tentou colmatar a lacuna. “O número de pessoas que pratica de forma regular cresceu desde que abrimos. Antes devia haver cerca de 20 praticantes, agora há pelo menos 80 que o fazem com frequência. Com base nas nossas estatísticas, mais de 4000 pessoas já passaram pelo nosso ginásio”, realça.
Entre as variantes, no Solution Climbing Gym ensina-se e pratica-se a escalada em blocos (conhecida por “bouldering”, em inglês), a mais famosa e acessível porque se faz com colchões, reduzindo os riscos. “Independentemente da variante, é um desporto importante que treina várias valências: a confiança, porque só assim se consegue concretizar o objectivo de terminarmos e chegarmos ao cimo; superação, porque testa os limites físicos e mentais, e força, dada a gravidade”, enumera Vincent Lo, fiel ao desporto há 10 anos. “Além disso, importa sublinhar que também é relevante em termos mentais. Ninguém nos pode ajudar, é uma batalha individual, que se trava só connosco.”
Raymond Lio ouve com atenção o amigo que conheceu quando Vincent Lo, mais novo, integrou a equipa da Universidade de Macau em 2011, criada em 2005 e da qual Raymond foi mentor. “É o desporto mais completo e o mais justo. É o único que depende só dos atletas”, afirma Lio, que começou a praticar em 2004, quando estava no segundo ano da faculdade. Após quase 20 anos de prática, defende que a escalada é singular. “Temos sido bombardeados com futebol, basquetebol, que considero excelentes desportos, mas escalar é único”, frisa.
“O objectivo é atingir o cume e isso depende apenas de nós, não há equipa. Ao nível competitivo, os árbitros apenas avaliam isso. Não há critérios subjectivos e falíveis como acontece noutras modalidades. Também não é como nos desportos com bola ou de combate nos quais os atletas competem uns contra os outros, corpo a corpo. Atingir a meta depende apenas da capacidade mental e física do atleta, que escala sozinho”, argumenta.
A escalada – ou montanhismo como também é conhecida – foi considerada um desporto nos anos de 1980, quando surgiram os primeiros campeonatos na Europa Ocidental. Ganhou adeptos na Ásia, muito por causa do Japão que, garante Raymond Lio, tem alguns dos melhores atletas do mundo e onde se tornou desporto olímpico nas suas três variantes nos Jogos de Tóquio deste ano. “Só em Tóquio, há mais de 500 ginásios de escalada. Em Hong Kong, rondam os 10. Em Macau, só há um. Gostávamos muito de contribuir para que a modalidade ganhasse dimensão e praticantes, e que mais pessoas percebessem como é vantajoso.”
Mais do que um desporto
A Macau Association of Rope surgiu pelos mesmos motivos. Cheang Ka Wai, presidente e director técnico da associação, diz que a iniciativa concretizou-se há cerca de 20 anos, quando ainda eram poucos os locais onde aprender e actualizar as técnicas de alpinismo e de acesso por cordas na cidade.
Em 2010, o alpinismo industrial começou a vulgarizar-se como um método de reabilitação de edifícios, especialmente em trabalhos em altura e de difícil acesso. Dois anos depois, membros da actual associação decidiram formar-se em alpinismo industrial em Taiwan, Hong Kong e noutros locais para o fazer e ensinar. Foram a primeira geração de professores em Macau.
Em 2016, a associação começou a cooperação com a Hong Kong Rope Union com o intuito de implementar um sistema de avaliação e exames de professores/treinadores e, em 2017, nasceu então a Macau Association of Rope.
Actualmente, a associação dedica-se sobretudo à técnica de corda única – uma das várias que existem. “O objectivo é que os alunos consigam aplicar a técnica em actividades na montanha, no gelo e cavernas, por exemplo”, explica Cheang Ka Wai, acrescentando que a associação também organiza actividades como trekking nos rios e de exploração de cavernas em Hong Kong e no Interior do País.
A par das iniciativas, todos os anos a associação vai a algumas escolas e participa em competições internacionais. A última foi em Chongqing, em 2019, quando alcançou o segundo lugar apesar da concorrência mundial. “Essas provas internacionais atraem equipas de vários pontos do mundo. A nossa participação também tem contribuído para dar a conhecer Macau”, assinala.
Com 28 professores e mais de 300 estudantes, Cheang realça que a associação dá muita importância à qualidade técnica dos alunos. “Somos muito exigentes”, vinca. Ao nível da formação, o responsável garante que os critérios são apertados nos dois exames facultados pela associação – de técnico de acesso por cordas nível 1, que tem lugar anualmente, e de nível 2, que se realiza de dois em dois anos.
Como desporto, a idade mínima para participar é de 5 anos com um assistente da associação, e de 15 se individualmente. As idades dos alunos variam entre os 16 e os 50 anos, e as actividades têm lugar tanto em locais interiores como exteriores. “As técnicas de acesso por cordas permitem que se consiga aceder a locais inacessíveis de forma segura”, refere. “Quanto aos benefícios contribuem para a autoconfiança e ajudam a combater problemas como a acrofobia. Só para citar alguns exemplos: a escalada, exploração de locais como cavernas, e montanhismo no gelo não se fazem sem técnicas de acesso por cordas. É uma garantia de segurança indispensável em vários desportos.”
Superar obstáculos
Não é fácil praticar qualquer uma das modalidades em Macau. Cheang conta como tem sido difícil promover a associação pela falta de consenso sobre as actividades que realiza. “No resto do mundo, incluindo no Interior do País, a técnica de acesso por cordas é usada para operações de resgate e salvamento, e em várias indústrias”, salienta. “Apesar de ainda não ser uma prática promovida em Macau, muitos hotéis e outras entidades precisam de um elevado número de técnicos especializados para trabalhos como de limpeza.”
O fundador da associação reitera os contributos para a cidade, uma vez que a técnica pode ser usada em operações como na iluminação e limpeza de infra-estruturas altas, e em operações de resgate de animais ou pessoas que envolvam corpos de segurança pública como os bombeiros.
Vincent Lo também se debate com obstáculos, que no caso da escalada devem-se sobretudo à ausência de espaços. Artificiais há mais dois ou três além do ginásio, como as paredes na Universidade de Macau e na Universidade de Ciência e Tecnologia (MUST). Naturais restam as encostas de Coloane. “Nada que se compare com outros países e cidades como França, Suíça, Tailândia”, diz Vicent Lo, que escalou em todos os locais que enumera desde que se estreou com 19 anos. Às incursões no exterior, acrescenta os EUA, Portugal, Itália e Inglaterra, muitas vezes para competir.
Raymond Lio também pisou a maioria dos lugares que Vincent fala, alguns em conjunto. “As melhores experiências foram nos EUA, especialmente em Yosemite, um dos locais mais lindos do mundo”, recorda o atleta que chegou a representar Macau nos Asia Indoor Games, na Tailândia, em 2006.
Na Ásia também são várias as paragens que lhe ficaram na memória. O Japão, a Coreia e a Tailândia são algumas que retém e quer repetir, sobretudo desde que nota que o desporto cresce no continente asiático. “O Japão é de longe o país mais forte do mundo. Mesmo os atletas da Europa e dos EUA vão lá treinar por estar muito avançado no tipo de treino, técnicas e infra-estruturas. A Coreia também tem um campeão mundial e a China é a melhor na escalada de velocidade”, diz Ramond Lio, referindo-se a outra das variantes do desporto.
Vincent Lo corrobora: “Sem dúvida que se está a tornar um desporto mais conhecido nesta parte do mundo. Desde que foi considerado desporto olímpico, começou a ter mais visibilidade. Já se pratica nas escolas, e há mais espaços e equipas.”
É isso que Vincent e Raymond também querem fazer em Macau, sobretudo por meio da Mountaineering Federation Macau-China, criada em 2002 por outro grupo, e recuperada por eles em 2015 depois de um interregno. “Sentimos a necessidade de nos organizarmos para que se faça um trabalho metódico. Todos os países que têm atletas fortes começam a formá-los em crianças, entre os sete e os dez anos”, aponta Vincent, acrescentando que nos seis anos que cumprem o grupo angariou perto de 150 membros.
Ir às escolas ou levar as escolas aos locais onde se possa fazer escalada para explicar as vantagens da modalidade e ensinar os alunos é uma das investidas da associação para promover o desporto. Mas há mais. Todos os anos, a associação – membro da Federação Internacional de Escalada e Montanhismo – procura representar Macau nos Campeonatos do Mundo, Campeonato Asiático e Taça da Ásia. Além das competições internacionais, o grupo também integra os eventos na região e organiza outros como o Macau Climbing Open, que teve lugar em Junho, na Universidade de Macau.
O que se tem a ganhar
Foi num dos eventos organizados na cidade que Ginny Sou começou, ainda adolescente durante um campo de verão. Como Raymond e Vincent, também fez parte da equipa de escalada da Universidade de Macau. “Muita gente pensa que a escalada é perigosa e é só para os homens por causa da força. É também por isso que é tão difícil de promover”, constata a praticante. “Escalar não é apenas uma maneira de ficar em forma, de treinar a flexibilidade e resistência. Também é um treino para a mente”.
Ginny Sou, que pratica há 11 anos, prefere escalar em espaços interiores por não precisar de um parceiro, mas uma vez por mês aventura-se no exterior. A escalada é também um pretexto para viajar. Japão, Austrália, Singapura, Hong Kong e Taiwan estão na lista de destinos onde escalou. “A experiência mais impressionante que tive foi na Austrália há dois anos. O local da escalada era enorme e havia várias pedras com diferentes formatos. Foi espectacular experimentar algo distinto do que estou habituada a fazer em Macau.”
Sou, que em pequena julgava não ter jeito para o desporto, agora faz da actividade física rotina. Além da escalada, confessa-se fã do hiking (marchas ou caminhadas a diferentes velocidades e níveis de dificuldade). “Normalmente vou para Coloane, mas em Macau acaba por não ser estimulante porque os trilhos não são muitos.”
Amy Kuan conhece os trilhos locais como a palma da mão. Aos fins-de-semana é quase ritual sagrado fazer caminhadas sozinha, com amigos ou com a família. “É uma óptima actividade, porque se está ao ar livre e se relaxa com a natureza”, diz. “A maioria dos trilhos em Macau está bem pavimentada e, portanto, é adequada para principiantes. Vou frequentemente ao Interior do País com amigos onde há trilhos mais desafiantes, mais longos e com mais inclinação. Podemos passar dias nos trilhos, acampar nas montanhas, viver experiências distintas todos os dias.”
Fora de portas andou por Feng Huang Shan, em Zhuhai, conhecido pela multiplicidade de trilhos. A 30 minutos da fronteira com Macau, diz ser uma alternativa por estar tão próximo e não implicar grandes custos. Shaoguan é outro dos sítios prediletos no Interior do País, por causa das famosas montanhas e paisagens. “Estive na Montanha de Dadong em Fevereiro. Levei dois dias para fazer o trilho. Adorei acampar ali”, recorda.
Amy Kuan ganhou o gosto pelo hiking em 2014. A paixão pela fotografia, em especial de paisagens naturais e de estrelas, acabou por arrastá-la para o campo e montanha. “Foi assim que descobri que gostava de caminhar. Sinto-me relaxada e é uma forma de estar em contacto com a natureza”, realça. “É uma excelente actividade. Usar os pés para explorar é algo que qualquer um pode fazer”, refere.
À custa do hobby amealhou umas quantas experiências e aprendizagens. Ler mapas e sentido de orientação são duas das que menciona. Às mais-valias acrescenta ser um excelente exercício cardíaco adequado para a maioria das pessoas, contribuir para criar massa muscular e reduzir a possibilidade de doenças cardíacas. “Sinto-me tão plena sempre. Usar o corpo para chegar onde os carros não chegam, sentar-me numa zona alta e apreciar a natureza… Depois, há uma grande camaradagem entre as pessoas. Ajudamo-nos e incentivamo-nos uns aos outros, cozinhamos juntos”, descreve.
Das rotas que fez, houve uma que a marcou, quando subiu ao Machu Picchu, no Peru. “Foi espectacular. Uma experiência única, a uma altitude muito mais elevada, de 2400 metros acima do nível do mar, que nos obriga a andar e respirar devagar. Senti-me formidável quando cheguei lá acima e vi as ruínas dos Incas com mais de 650 anos.”