A presidente do Instituto de Formação Turística de Macau (IFTM) sublinha a evolução do número de alunos, do corpo docente e administrativo, da oferta de cursos e do campus que se estendeu à Taipa. Em entrevista à MACAU, Fanny Vong, na liderança há 20 anos dos 25 do IFTM, acrescenta que o instituto tem agora mais um objectivo além do constante esforço por mais qualidade e maior internacionalização: afirmar-se na Grande Baía.
Texto: Catarina Brites Soares | Fotos: Gonçalo Lobo Pinheiro
Quais foram os principais desafios desde que assumiu a liderança do IFTM?
Houve vários. Manter e melhorar a qualidade continuamente tem sido o desafio e prioridade número um. Para o conseguir tivemos sempre de considerar vários factores, como condições para recrutar pessoal académico e administrativo qualificado. O segundo desafio é a expansão da rede do instituto. Sempre enfatizamos a preocupação da internacionalização. Queremos ser uma opção reconhecida regional e globalmente. Os recursos foram outro dos desafios, neste caso de espaço. Ao longo destes anos, estamos muito gratos ao Governo porque nos ter apoiado com terrenos e infra-estruturas, o que permite que continuemos a crescer.
E ao nível de concretizações, quais destacaria?
O reconhecimento internacional. A marca que criámos. Somos considerados uma instituição de qualidade no âmbito da formação turística e da hotelaria, como comprovam os rankings do QS World University by Subject [30.º lugar no ranking nas áreas Hotelaria e de Gestão de Lazer] e de Xangai [entre as 50 melhores nas áreas de Hotelaria e Gestão Turística]. São fontes bastante credíveis e que comprovam o nível que atingimos. A crescente oferta de programas é outro dos objectivos que me deixa satisfeita. Durante muitos anos, só tínhamos licenciaturas. Desde 2019, passámos a oferecer mestrados e doutoramentos.
Como tem sido a procura?
Muito boa, sobretudo de antigos alunos. Claro que a nossa intenção não é cingirmo-nos aos nossos estudantes, até porque os incentivamos sempre a procurarem outras experiências. Não se deve passar toda a educação superior na mesma instituição e local. Mas eles têm confiança na qualidade dos nossos programas e alguns querem voltar. Notámos que há procura dos alunos das licenciaturas e pessoal já da indústria, pessoas que já estão a trabalhar e que querem voltar a estudar.
Como mudou o instituto em termos de alunos, corpo docente, ambiente nestes últimos 25 anos?
Em 1995, quando começámos, éramos uma instituição muito pequena, com apenas dois cursos. O número de alunos rondava os 60 por ano e os 240 no fim de cada ciclo. Hoje recebemos mais de 400 inscrições anuais. No total, incluindo os estudantes de programas pós-licenciatura, temos perto de 1700 estudantes. Os cursos de formação profissional, outra das nossas prioridades desde o início, passaram de poucas centenas para cerca de 20 mil participantes em média por ano. Isto significa que o nosso pessoal também aumentou, porque tivemos de contratar mais professores e funcionários. Foram 25 anos de crescimento a todos os níveis. Também quero sublinhar a aposta crescente na Grande Baía. Queremos expandir a nossa rede no mercado internacional, mas também na região.
Nota que há mais interesse de estudantes e professores de fora?
O interesse cresceu à medida que ganhámos reputação. Começámos a aparecer nos rankings, sabem que pertencemos ao leque de 50 instituições de topo nas áreas do Turismo e Hotelaria. Quando perguntamos aos alunos porque optaram pelo IFTM, respondem que foi por recomendação de outros colegas, supervisores e professores. Há um interesse crescente e estável nos nossos programas.
No que respeita a resultados, como tem sido o desempenho do instituto, por exemplo, ao nível da empregabilidade dos estudantes?
Há uma grande satisfação com a taxa de emprego dos nossos estudantes. Desde o início, mesmo quando éramos pequenos e face ao desenvolvimento exponencial do turismo em Macau, houve sempre uma grande receptividade da indústria local com os nossos programas e alunos, aspecto que cresceu e se fortaleceu. À medida que a indústria se expandia, havia um apetite cada vez maior por mão-de-obra especializada, por isso os empregadores vinham ter connosco à procura de talentos.
Tem insistido na internacionalização. Como pretende reforçar esta componente?
Internacionalização e qualidade. Estes dois pontos são os principais pilares, a visão e a missão do instituto. Agora incluiria também a aposta na regionalização. Não nos devemos esquecer de que há um enorme potencial no mercado da Grande Baía. O objectivo é assegurar uma educação de excelência. Enquanto instituição pública, temos uma responsabilidade acrescida: contribuir para a concretização dos objectivos do Governo. O Centro Internacional de Educação e Formação Turística foi criado para ir ao encontro do plano de Macau de ser um centro internacional de turismo e lazer. Para isso, é preciso ter recursos qualificados.
Que outras e novas medidas estão pensadas para a internacionalização e a regionalização do IFTM?
Temos estado sempre em contacto com parceiros. Por exemplo, sabemos que a Suíça tem das melhores escolas de hotelaria do mundo. Neste momento, estamos em conversações com mais uma. Estamos sempre a trabalhar no sentido de aumentar as linhas de cooperação. Ao longo dos anos, assinámos vários acordos, participámos em várias actividades de outras regiões como a Austrália, Estados Unidos e diversos países europeus. Com França, por exemplo, temos uma parceria no curso de Arte Culinária. Também temos cooperações com países da Ásia, entre os quais a Coreia do Sul e a Malásia. Ainda há pouco tempo tive uma reunião com um parceiro na Malásia porque vamos organizar uma conferência rotativa que inclui a Malásia, os EUA, a China e o IFTM. Esta colaboração já dura há anos. Mais uma vez, este é apenas um exemplo. Temos outras conferências com outros grupos. São formas de captar a atenção da academia internacional. É através das parcerias e colaborações regulares com agentes de todo o mundo, como Portugal, que garantimos a nossa internacionalização.
E no que concerne à Grande Baía?
Assinarmos acordos com vários parceiros é o melhor caminho. É assim que temos estado a trabalhar. Primeiro, localizamos um parceiro forte na região com o qual leccionamos programas em colaboração. Depois, estabelecemos centros em Cantão, Shunde, Foshan, Zhuhai e Hengqin. Estamos a alargar a nossa presença e os nossos recursos pela Grande Baía através da colaboração com diferentes parceiros que têm uma base forte na indústria ou na Academia.
A relação entre a China e os países de língua portuguesa é uma das missões da RAEM. Que papel tem o IFTM nesta área?
O Centro Internacional de Educação e Formação Turística, que trabalha em colaboração com a Organização Mundial do Turismo, oferece programas de formação anuais destinados aos membros da entidade das Nações Unidas que precisam de formação e apoio técnico, assim como a entidades do Interior do País, de Macau e dos países de língua portuguesa. Além destes, o centro também lecciona programas anuais destinados aos responsáveis de países lusófonos convidados pelos Serviços de Turismo. Foi assim até à pandemia, quando os cursos passaram a ser online.
Agora que toca no tema, o que mudou com a pandemia no ensino do IFTM?
A Covid-19 despertou-nos para o potencial da tecnologia. Estávamos cientes de que existia, que nos podia ajudar a fazer inúmeras coisas, mas nunca lhe prestámos a devida atenção para a capitalizar ao máximo. A pandemia forçou-nos a mudar a mentalidade. Em meses, o IFTM teve de adaptar os cursos para um modelo online, o que nos permitiu perceber como a tecnologia pode fortalecer professores e alunos. O saber é cada vez mais recíproco, pessoal e auto-didacta. Os alunos podem aprender sozinhos, rever e repetir a matéria várias vezes, enviar mensagens aos professores ou conectar-se com os colegas através das diferentes plataformas que existem, incluindo os que estão noutros países. A tecnologia abriu um espaço completamente novo de emancipação ao nível do ensino que acho que permanecerá mesmo depois da pandemia.
O IFTM tem uma forte componente prática. Como contornou este obstáculo?
Foi a parte mais complicada. Felizmente, as aulas presenciais foram retomadas em finais de Abril, o que nos permitiu recuperar essa parte. Mesmo assim, houve matéria que foi leccionada online através de vídeos que os professores fizeram, por exemplo de como fazer um cocktail ou uma cama. Quando os alunos voltaram, levavam metade do tempo a executar as tarefas. A forma como assegurámos as avaliações dos alunos dos centros da Grande Baía é outro exemplo. Pedimos à escola com a qual temos a parceria para filmar os estudantes em tempo real de forma a que os professores conseguissem avaliá-los com critério. Claro que há partes impossíveis de substituir, como os intercâmbios, mas há várias dimensões nas quais a tecnologia pode ser uma ajuda.
A educação para a tecnologia é outra tónica que tem vincado.
Uma coisa é usar a tecnologia para ensinar, outra é formar os nossos alunos para a usarem como ferramenta de trabalho. Temos de rever os nossos cursos e incluir cadeiras de informática e tecnológicas, visando a actualização da oferta lectiva. A tecnologia vai imperar, especialmente no turismo. Vê-se cada vez mais o turismo inteligente: pagamentos sem dinheiro, ausência de bilhetes, reservas online, restaurantes sem empregados, etc. Recentemente, fui a um restaurante em Shunde onde tudo era assegurado por robôs. Neste momento, ensinamos os alunos a desempenharem tarefas que serão substituídas por máquinas. O objectivo é que os nossos alunos saiam daqui com valências que lhes permitam saber como falar, gerir, supervisionar e liderar a robótica, e continuar a satisfazer o cliente.
Não é uma contradição a apologia da tecnologia quando acabará por roubar os postos de trabalho aos recursos humanos que o IFTM forma?
O facto de estarmos assustados com este avanço tem de nos obrigar a reflectir como superá-lo, em vez de nos resignarmos e esperarmos até que os riscos se tornem realidade e os nossos alunos sejam substituídos. Queremos anteciparmo-nos e que os nossos estudantes estejam aptos para estar numa posição acima daquela da máquina. Quem é que vai mandar nestes robôs, introduzir programas que lhes permitam imitar os humanos? Os robôs vão roubar postos de trabalho, mas também vão criar outros. Isto não significa que os nossos alunos passem a ser inúteis para o mercado, mas sim que terão novas funções mais orientadas para a formação tecnológica. Por exemplo, o caso das agências de viagem. Na China é cada vez mais popular a black box, ou seja, o cliente paga uma viagem e não quer saber para onde vai. Quem define o programa todo é a agência. Os nossos alunos em vez de estarem nas agências a marcarem viagens online, serão os engenheiros e designers destas viagens fantásticas.
Ao longo da entrevista tem enfatizado a importância da Grande Baía. De que forma pode contribuir para o IFTM e Macau?
Apesar da pandemia, o único destino que cresceu em turismo foi a China. Há uma procura interna gigante e as pessoas podem circular. Isto é possível apenas em alguns países onde a Covid-19 está controlada. Mesmo antes da pandemia, a China era o primeiro source market, ou seja, era o país que mais turistas enviava para todo o mundo e é o quarto destino mais atractivo do globo. Durante a pandemia, continuou a registar-se um aumento do turismo. Veja-se o exemplo da semana dourada: todos os locais turísticos mais famosos estavam lotados. A Grande Baía é a região mais rica no Interior do País, a mais desenvolvida, com maior rendimento per capita, e isso representa um potencial em termos de procura doméstica. As pessoas querem melhores condições de vida e isso inclui viajar. Os nossos estudantes vão encontrar excelentes oportunidades na região. Desde que estabelecemos os centros na Grande Baía, temos tido uma percepção melhor através do feedback dos nossos parceiros, que nos dão conta da falta de recursos humanos. É uma oportunidade para os nossos alunos porque receberam educação internacional e sabem quais são os parâmetros esperados quando falamos de um destino que quer ser internacionalmente considerado.
Quão importante tem sido o IFTM para Macau?
Para se ser um centro internacional de turismo e lazer, como Macau pretende, é fundamental haver recursos humanos qualificados e com a noção clara da importância de ser sustentável. Sustentabilidade significa aproveitar o ambiente e procurar atingir objectivos, mas ao mesmo tempo ser muito sensato na procura de soluções para mitigar os efeitos negativos e não se focar somente no lucro. O papel deste instituto é esse: formar pessoas com este entendimento e capazes de assumir as mais diversas posições. A formação de acordo com os critérios internacionais e o conhecimento da cultura local, da Grande Baía e da China enquanto país, permite aos nossos alunos contribuir para o desenvolvimento sustentável de Macau como destino turístico.
Depois de 20 anos como presidente, que balanço faz? Pretende continuar?
Estou muito orgulhosa com o que alcançámos, mas não é uma aquisição individual. Deve-se ao trabalho de uma equipa de mais de 300 pessoas. Claro que estou feliz de continuar, mas ao mesmo tempo asseguro-me de que há pessoas capazes e preparadas para assumir a liderança. Temos dado a oportunidade a quem é capaz de assumir posições cada vez mais elevadas. O futuro do instituto não deve estar dependente de ninguém individualmente.