Marcas Típicas de Macau

Lançado em 2019, o selo “Marca Típica de Macau” tem como grande objectivo divulgar as marcas locais e incentivar os negócios a explorarem novas oportunidades. Na lista estão 12 negócios que passaram por um criterioso processo de selecção. A MACAU dará a conhecer, ao longo de três edições, as Marcas Típicas de Macau

Texto: Catarina Brites Soares

Fotos: Gonçalo Lobo Pinheiro

Marca de ouro

Fundada em 1867, durante a Dinastia Qing, foi pioneira na indústria do ouro no século XX. A Ourivesaria Joalharia Chee Lee Yuen, também conhecida como O’Che 1867, destacou-se e hoje é uma das 12 lojas com o selo marca típica de Macau. A marca foi fundada pelo bisavô do actual gerente, Stephen Tse. O mentor do negócio de família, nascido em Macau em 1850, começou com a prata e só mais tarde se dedicou ao ouro. “Na altura, a economia de Macau não estava tão desenvolvida e por isso só fazia jóiassimples”, contextualiza o neto, Stephen Tse, nos escritórios da loja na Horta e Costa, uma das oito que o grupo detém.

O bisavô Che Yue Tong abriu o primeiro espaço em 1867, quando tinha 17 anos. Entre 1910 e 1920, dois dos filhos – Choi Sang (o quarto) e Wing Sang (o sexto) –juntam-se ao negócio. Apesar dos 10 anos de diferença, a dupla funciona e o negócio prospera. Instalam-se então na Rua dos Mercadores, zona nobre do comércio da cidade. No mesmo período, a família decide alargar o negócio a outros ramos e aposta em produtos como a seda, os têxteis e o arroz.

Com a morte do irmão Choi Sang, Wing Sang assume sozinho a liderança. Antes da Segunda Guerra Mundial, a O’Che já era uma marca conhecida nos vários campos a que se dedicava. “Uma história de visão e progresso foi construída através da tenacidade de gerações”, escreveu Stephen Tse, aquando dos 140 anos da marca.

A era dourada haveria de ser interrompida na sequência da Segunda Grande Guerra. A 7 de Dezembro de 1941, Macau fica isolada face à invasão de Hong Kong pelos japoneses, que acabaria por se estender à região pouco tempo depois.

Com a ordem de recolher obrigatório em vigor, o comércio é reduzido a poucas horas diurnas. “Felizmente, a ocupação japonesa em Macau era menos presente. As tropas raramente apareciam, apesar de um arsenal ter sido construído na cidade, que mais tarde foi bombardeado pelos Aliados”, relata o livro com base num levantamento da história da família e da marca.

O protocolo militar proibia que se acumulassem grandes quantidades de recursos como arroz, mas os membros da família O’Che arranjaram forma de contornar a limitação, escondendo-o nas caixas de têxteis.

Com o intuito de estimular o consumo, a O’Che lança um sistema de vales de 5, 10, 20 e 50 patacas que podiam ser usados em qualquer das lojas do grupo que se distribuíam pela Rua dos Mercadores. “Fomos os primeiros a implementar este tipo de tácticas de marketing“, afirma Stephen Tse, orgulhoso.

Entre 1944 e 1946, poucos anos após a terceira geração ter sido incluída nos negócios de família com Chi San, a empresa evidencia-se por ser a primeira na China a usar a eletrólise – decomposição de um composto químico por acção da corrente eléctrica – para refinar o ouro e usar o carbono para derreter platina, material que também é usado em joalharia.

Em 1949, e sob as directrizes do Fundo Monetário Internacional (FMI), o Governo de Hong Kong restringe o comércio do ouro e prata em barra. Como Portugal não fazia parte do fundo, Macau torna-se um pólo de importação das matérias-primas em estado bruto vindas da Europa e África. Aqui era refinada para depois ser exportada.

A O’Che aproveita a oportunidade e, em conjunto com a Fok Heng Goldsmith & Jewellery, abre uma refinaria. “No pico, chegámos a produzir mais de dois mil taéis (unidade de peso chinesa correspondente a 37,8 gramas e que tem valor monetário) de ouro puro por dia”, sublinha o livro sobre a família.

Sob a liderança de Chi San, da terceira geração e filho de Choi Sang, a O’Che 1867 e a Fok Heng Jewellery & Goldsmith abasteciam o mercado mundial no pós-guerra.

“Só mais tarde, com a transferência de poderes, o negócio voltaria a sentir um novo desenvolvimento”, refere Stephen Tse.

O negócio foi passando de mãos em mãos até chegar às de Stephen Tse, actual director-executivo e na direcção do Grémio de Ourives de Macau. Antes de tomar as rédeas do negócio, estudou em Inglaterra. Licenciou-se em Matemática, na Imperial College of London, e fez o mestrado em Ciência, na Universidade de Oxford.

Em meados da década de 1990 volta e abraça o legado que o pai lhe deixaria depois de se tornar dono maioritário da marca, em 1984.  Wing Sang reformou-se e Chi San, pai de Stephen, decide comprar as acções na altura dispersas pelos muitos herdeiros. Só na segunda geração, eram mais de 20 filhos.

Com o foco no nicho de mercado mais jovem, Stephen Tse aproveita também a porta que se abre no seu tempo com a Internet e reforça a presença no negócio online para potenciar as vendas. Paralelamente, lança-se no mercado da Grande Baía. Abriu a primeira loja em Zhuhai há dois anos, mas a ambição é estender-se a outras cidades. “Ao longo do caminho, tem havido diversos desafios, mas acho que o maior foi a entrada no Interior do País, um mercado completamente novo para nós”, refere.

O percurso foi reconhecido pelo Governo que lhes atribuiu o selo Marca Típica de Macau em 2019, apanágio de apenas 12 lojas. Stephen Tse sublinha que o título foi importante por ser uma recompensa pelo percurso, mas também por significar o acesso a apoios que fazem diferença. “O Governo ajuda as marcas de acordo com as suas necessidades. No nosso caso, houve uma grande ajuda ao nível da promoção e divulgação. Por exemplo, agora há anúncios da marca nos transportes públicos”, exemplifica.

A O’Che trabalha com ouro, pérolas, diamantes e pedras preciosas como o rubi, a safira e esmeraldas, entre outros materiais. A filigrana chinesa, conhecida por ser uma das técnicas mais usada nos artigos de luxo da família imperial e que integra a lista de Património Intangível da China, é uma das linhas da marca.

As jóias são o resultado de um trabalho conjunto que inclui designers, ourives e outros funcionários. A marca emprega perto de 30 trabalhadores. A O’Che 1867 é reconhecida por ser uma escola, responsável pela formação de gerações na indústria da joalharia e ourivesaria.

Bolos de amêndoa com cheiro a carvão

Dos pais, passou para um dos cinco filhos, que há um ano reparte a gestão do negócio com o sobrinho. A Pastelaria Chui Heong vai na terceira geração e é outro dos 12 negócios com o selo marca típica de Macau depois de mais de meio século dedicado a uma das iguarias mais emblemáticas da região. Aqui, os biscoitos de amêndoa e os rolos de ovo são feitos no carvão.

Fazem parte da lista obrigatória de sabores a provar em Macau. Não é por acaso que pululam as lojas que os vendem, e se vêem locais e turistas carregados de sacos com caixas e caixas de biscoitos de amêndoa. São vários os sabores, as texturas e os formatos, mas os da Pastelaria Chui Heong celebrizaram-se por serem feitos em carvão. Apesar de a loja estar escondida numa zona interior e menos turística, são muitos os turistas e residentes que ali param pela popularidade que conquistou.

A história teve início com Lei Kai Ioc, quando ainda estava longe de imaginar que o que o começou por fazer em Macau para se desenvencilhar, acabaria por se tornar um negócio de família que vai na terceira geração.

O fundador veio para Macau nos anos de 1950. Deixou Zhongshan à procura de uma vida melhor, numa altura em que Hong Kong e Macau eram destinos promissores. “Quando chegou era difícil arranjar trabalho e como fazia bolos, decidiu enveredar por esse ramo. Na China, antes de vir, era aprendiz e, portanto, tinha noções”, conta o neto, que gere a casa com o tio.

Na família desconhece-se ao certo o motivo pelo qual o patriarca escolheu Macau em detrimento de Hong Kong, mas o neto recorda que os familiares mais velhos contavam que a opção tinha sido ditada pelo custo de vida mais barato e por ser mais perto da cidade-natal. Lei Kai Ioc já não pode confirmar. Faleceu e a mulher, com 83 anos, também não se recorda bem. Já lá vão mais de 50 anos e não o acompanhou o início da aventura.

Lei partiu já casado, com 18 anos, mas veio sozinho. No território, começou como pasteleiro e padeiro por conta de outrem. “Até a minha mãe vir, o meu pai trabalhava noutras padarias e pastelarias”, conta Lei Chi Iong, filho que herdou o negócio. Viu que levava jeito e arriscou. Já com a mulher em Macau, que chegou quatro anos depois, decidiu começar a confeccionar os biscoitos de amêndoa. Ele fazia e a mulher carregava os bolos numa vara ao ombro pela cidade.

Deu resultado e abriram uma loja. O negócio cresceu e foi passando de mãos em mãos até chegar às de Lei Chon Meng. Antes do mais novo, foi o tio que deu continuidade ao legado dos pais.

Durante a década de 1970, permaneceram na Rua do Barão de onde se mudaram em 1987. Na altura, loja e zona de fabrico estavam no mesmo espaço, agora são paredes meias, na Rua do Gamboa, onde se fixaram na década de 1980.

Em 2008, há outra viragem. Os pais, que tinham tomado conta do recado até então, decidem que está na altura de delegar. “Aos 80 anos, o meu pai quis reformar-se e foi quando me pediu para assumir o negócio. Deixei o trabalho num resort e comecei”, recorda Lei Chi Iong, que trabalhou no sector do jogo por 18 anos. “Tenho mais irmãos, mas tinham os seus empregos e fui o único que não se importou de mudar. No início foi difícil. Não tanto a parte de fazer os bolos, que eu sabia, mas gerir.”

A destreza na cozinha deve-se à experiência já que todos, sem excepção, aprenderam logo em pequenos. “Por volta dos 7 anos, já ajudava”, reforça Lei, agora com 57. Pior foi gerir, mas também se habituou. Hoje emprega sete funcionários, além dos membros da família que vão dando uma mão, como dois dos quatro irmãos. Do agregado familiar, destacou-se, no entanto, um que mostrou mais interesse e prazer em participar nas lides do negócio da família.

Lei Chon Meng cresceu, estudou fora, voltou passados quatro anos, trabalhou noutros sítios e, em 2014, decidiu que queria integrar a empresa. “Desde 2008 até há cerca de um ano, era eu que geria. Mas agora quero que o meu sobrinho vá fazendo mais coisas para se ir habituando. Continuo à frente do negócio, mas quero que vá aprendendo para depois me substituir”, explica o tio.

“Não tenciono passar já o negócio, mas quero que vá tendo consciência das responsabilidades. Aconteceu ser ele porque sempre mostrou mais interesse e manifestou que queria assumir o negócio”, sublinha.

Lei Chon Meng, de 33 anos, lembra-se de ser miúdo e de aproveitar o tempo livre da escola para ajudar os avós. O carinho pelo que construíram aliado ao ímpeto de investir, tornaram óbvio o passo a seguir: “Tomei a iniciativa. Disse ao meu tio e à minha avó que gostava de tomar conta da empresa. Quero ser empresário, ter o meu negócio”, vinca.

Ao contrário do tio, dá-se melhor com a gestão. Os estudos na área de Economia, em Taiwan, e os empregos no sector da banca e finanças ajudaram, mas garante que também percebe do resto: “Não sei fazer todos os bolos, mas sei alguns.”

As metas agora são sobretudo chegar mais ao mercado de Hong Kong, uma vez que são conhecidos entre os clientes locais, e expandir-se através do mercado online. A ideia é manter-se fiel ao que tem sido a prata da casa: a produção de biscoitos de amêndoa. Os mais famosos são os pequenos biscoitos de amêndoa, de noz com leite, e de amêndoa com gema e carne de porco. Além dos que confeccionam, também vendem bolos variados de outras marcas.

O título marca típica de Macau tem ajudado sobretudo à promoção do negócio.

Lei Chi Iong não se mostra preocupado com a concorrência, desvaloriza o aumento da oferta de lojas com produtos similares aos seus e afirma: “Fazemos tudo de forma artesanal. Além disso, os biscoitos são feitos em carvão, portanto temos algumas coisas que nos distinguem”.

Marcar pela diferença

A culinária indonésia, a fidelidade à gastronomia e tradições do país, e os mais de 40 anos de história fizeram do Medan uma das 12 Marcas Típicas de Macau. A longevidade do restaurante, quase a atingir o meio século, é o resultado da persistência de Lei Choi Chi, a fundadora a quem “a família deve muito”.

O negócio começou com a tia-avó. Lei Choi Chi nasceu e viveu na Indonésia até aos anos 1960, quando abandonou o país. Voltou à China, de onde a família era originária, e mais tarde mudou-se para Macau. Professora de Contabilidade enquanto viveu na Indonésia, viu-se obrigada a seguir outro caminho em Macau, já que essa possibilidade lhe foi vedada uma vez que não dominava a língua. Pensou ser alfaiate, mas desistiu da ideia por achar que não conseguiria sozinha.

Foi assim que meteu mãos-à-obra e aproveitou o que fazia há anos e bem: cozinhar. “A minha tia-avó era a mais velha de oito irmãos e era quem cozinhava para eles. O restaurante foi apenas a continuação do que já fazia em casa desde sempre”, refere Sugiarto Sou, sobrinho-neto e actual gerente do Medan, nome da cidade indonésia onde nasceu e viveu até aos dois anos.

É ele que conta a história do negócio de família. Em 1972, a tia Lei Choi Chi, abriu o primeiro restaurante na Rua de Silva Mendes, onde começou por servir comida para fora. Fazia tudo sozinha e a procura era tanta que muitas vezes deixava que pagassem depois para não parar. “Os clientes eram maioritariamente chineses, também eles retornados da Indonésia, e indonésios”, afirma o sobrinho-neto.

Três anos depois, em 1975, mudou-se para a Horta e Costa, mas o lucro modesto para pagar a renda e assegurar o sustento fez a dona alargar a oferta. Além das refeições, passou a vender pastéis e bolinhos típicos da Indonésia. “Começou a ter muito mais clientes com os pastéis, eram mais procurados do que as refeições”, realça.

O negócio correu de feição até 2007, quando o restaurante voltou a mudar de morada para a Coelho Amaral por impossibilidade de continuar a arrendar a loja da Horta e Costa. É também nesta fase que a fundadora dá lugar à geração seguinte. “Como nunca teve filhos, foram dois dos sobrinhos que assumiram o restaurante”, explica Sugiarto Sou, que haveria de substituí-los sete anos depois.

Lei Chi Kan e Lei Chi Him geriram o negócio até 2014, quando decidiram reformar-se e se colocou a hipótese de encerrar. A senhora Lei, inconformada, voltou a perguntar à família se havia interessados. “Nenhum dos sobrinhos mais velhos quis e eu disse que gostava de experimentar”, recorda Sou, filho de uma das sobrinhas directas.

Sugiarto Sou agarrou o legado familiar com 33 anos. Deixou o trabalho que tinha na indústria hoteleira e decidiu dedicar-se à gestão com o apoio da mãe, que se ocupou da cozinha. “Nunca gostei de cozinhar e a minha mãe ajudou-me”, justifica.

Licenciado em Gestão, em Taiwan, e com experiência na área, decide dar uma reviravolta ao negócio. Depois do balanço, deu-se conta que era o restaurante que estava a dar prejuízo pela escassa procura de refeições, e propôs à família fechar o espaço e manter apenas a zona para a venda dos pastéis, pelos quais a marca era mais conhecida. “Mas a minha tia discordou. Sempre quis manter o restaurante porque queria que houvesse uma opção para as famílias com ligação à Indonésia, que tivessem um local em Macau onde pudessem provar a comida típica de lá. Por isso, decidiu-se que era tudo ou nada, e que o restaurante ficaria aberto até ser possível aguentar.”

Manteve o restaurante, mas não desistiu da ideia de alastrar os pontos de venda de pastéis. Com o aval da família, com quem diz discutir tudo, avançou. Até hoje, abriu sete. Também abriu uma pequena fábrica no Centro Industrial Keck Seng, que passou a fazer a vez do restaurante que até então era onde se fabricavam os pastéis para as restantes lojas. “Recentemente, também comecei a apostar mais na venda online.”

A vontade de melhorar o negócio persistiu e Sugiarto Sou viu no concurso Marca Típica de Macau mais uma oportunidade de o fazer, já que poderia vir a beneficiar de serviços de consultadoria e apoios monetários, se vencesse. “Foi uma sorte porque coincidiu com uma altura em que estava a pensar fazer remodelações. O lucro estava a cair e reparei que as pessoas não vinham ao restaurante por causa da aparência. Achavam que era um cha chan teng (café típico e mais humilde onde se tomam refeições a um preço económico, equivalente a tasco em português) e, por isso, achavam os preços caros. Ou seja, tinham uma ideia errada”, explica.

Assim renovou o restaurante, mudou a imagem e incluiu novas formas de negócio, como cupões de oferta. Mudanças que não beliscaram a essência, garante. Admite ter feito adaptações aos gostos locais – como reduzir o picante e ter opções com porco, carne excluída da dieta indonésia pela predominância da religião muçulmana –, mas assegura que o Medan continua a respeitar o processo original de produção e a usar as matérias-primas do país. “Cozinhamos exactamente como na Indonésia.”

Satisfeito com o passo dado, agora alimenta outro sonho: que a tia, com 95 anos, possa assistir à celebração de meio século de negócio. “Mais do que orgulhoso por ter chegado até aqui, sinto-me aliviado por não ter terminado nas minhas mãos quando assumi a responsabilidade”, comenta, com humor. “Em 2022, cumprimos 50 anos e espero que a minha tia cá esteja para assistir. Quis continuar o negócio como forma de lhe agradecer e reconhecer o esforço que fez pela família, e por nos ter proporcionado uma vida melhor.”

Canja como antigamente

A Seng Kei Pak Chok passou de geração em geração até chegar a Leong Heng U. O avô começou o negócio. O neto fez dele uma rede de restaurantes espalhados pela cidade. Turistas e locais procuram a tradição da canja e outras iguarias da marca que está entre as 12 consideradas típicas de Macau.

É difícil passar despercebido a quem passa na Rua dos Cules, nas traseiras da Avenida de Almeida Ribeiro. A vitrina que permite ver os tabuleiros de massa frita, dim-sum e sobremesas, além do cheiro e do fumegar que sai dos fogões logo à porta, são um convite a entrar no Estabelecimento de Comidas de Canja (Loja de Sopa de Fitas) Seng Kei Pak Chok. Local habitual para residentes e uma curiosidade para turistas, a afluência contínua confirma que Leong Heng U conseguiu o que temia não ser capaz: manter e fazer crescer o nome que o avô criou.

Leong Seng foi o pioneiro do negócio de família, que iniciou em 1922, depois de trocar a actividade de carpinteiro pela gastronomia. A “culpa” foi de um amigo da indústria da restauração, com quem aprendeu a cozinhar. Iniciou-se como vendedor ambulante na década de 1920, na zona do Patane, onde circulava de vara ao ombro com vários petiscos.

Depois de mais de uma década, com 45 anos, reúne condições e decide abrir o primeiro restaurante. Em 1937, instalou-se na zona do San Kio, e é quando o filho – pai do actual dono – começou a ajudar com 15 anos. “Ainda me lembro deste restaurante. Tenho muitas memórias”, refere Leong Heng U, com 58 anos, a apontar para a ilustração a preto e branco alusiva à primeira casa da marca pintada numa das paredes.

Leong não conheceu o avô, nem assistiu ao período de desenvolvimento do negócio ainda com ele na liderança, mas sabe que a oferta foi crescendo com o facto de passar a ter um espaço físico. Os cozinhados e sobremesas típicas do Ano Novo Chinês, por exemplo, passaram a fazer parte do menu mais vasto.

Pai e filho trabalharam sempre juntos, à semelhança do que viria a acontecer também com a terceira geração. Após a Segunda Guerra Mundial, o filho Leong Iong Kan, herdou o estabelecimento e, em 1980, foi a vez do neto. Passaram-se cerca de 30 anos. De um restaurante passou a ter seis, além da pequena fábrica no Fai Chi Kei que alimenta o grupo.

O pouco que sabia de culinária limitava-se ao que tinha aprendido em criança, quando já ajudava, mas a servir à mesa. “Uma das maiores dificuldades foi perceber as quantidades necessárias de cada ingrediente. Fazíamos tudo à mão. Aprendi a cozinhar com um funcionário, mas sempre com o meu pai ao lado, a supervisionar. A maioria dos produtos era feita de forma artesanal. Se a comida não tinha o nível de qualidade que o meu pai entendia, deitava-a fora”, lembra.

Olha para o passado e assume que a inexperiência o levou a tomar decisões erradas. “Como a de achar que conseguia gerir o negócio sozinho. Só mais tarde é que contratei uma pessoa para me ajudar nessa área”, diz.

No restaurante da Rua dos Cules, onde dá a entrevista à MACAU, refere que 60 por cento da clientela é turista, principalmente de Taiwan, do Interior do País e de Hong Kong. Na loja da Taipa também se notam os visitantes, mas nos restantes espaços os clientes são principalmente locais. “É verdade que muita gente conhece a marca, mas não consigo dizer que é famosa. Conhecem-nos, pronto”, desvaloriza.

Em lugar dos adjectivos, opta por explicar que a Seng Kei Pak Chok se tornou o típico restaurante onde os clientes vão repetidamente porque se sentem em casa. “É daqueles sítios onde se vai sempre e se torna rotina. Os clientes vêm cá, gostam da comida, conversam com os empregados. É como um hábito enraizado que depois passa de pais para filhos, e assim se vai perpetuando a tradição de vir aqui comer”, sublinha.

A antiguidade e o respeito pelas origens foram factores decisivos para que lhe fosse atribuído o selo Marca Típica de Macau. O reconhecimento ajudou em várias frentes, afirma Leong, que constatou o aumento do número de clientes.

Além dos produtos tradicionais – como a sopa de fitas, a canja, o bolo de nabo, os pastéis com recheio de carne picada de peixe, o rolo de arroz, o bolinho de massa com carne de porco salgada e a massa frita –, o estabelecimento desenvolveu e lançou uma variedade de novos produtos. A sobremesa de coalho de soja e de manga, a sopa de sagu e a gelatina de grama compõem a ementa que também inclui bebidas tradicionais como o chá verde.

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A Direcção dos Serviços de Economia e Desenvolvimento Tecnológico

(DSEDT) e a Macau Chain Stores and Franchise Association assinaram um acordo de cooperação em 2017, para atribuir o selo de Marca Típica de Macau aos negócios que satisfaçam uma lista de oito critérios. É à associação que que compete a coordenar, procurar e classificar as marcas com características típicas de Macau, para que depois lhes possa prestar o apoio adequado, como ao nível da remodelação, introdução de novos elementos de desenvolvimento e competitividade. O trabalho de levantamento das marcas decorreu entre Julho de 2018 e Março de 2019. Foram tidos em conta oito requisitos: a marca estar registada em Macau; ter direito ao uso exclusivo ou direito de utilização de marca registada em Macau; ter pelo menos 40 anos; o período acumulado de desenvolvimento das operações comerciais através do respectivo estabelecimento comercial ou da respectiva marca exceder os 30 anos; ter um espaço e estar ainda no activo; ter produtos, técnicas ou serviços singulares, herdados e que têm sido transmitidos; ter uma identidade própria com características identitárias de Macau; não ser devedor dos cofres da RAEM, e gozar de boa reputação, prestígio e ser reconhecida pela sociedade. Durante o período de avaliação, o Centro de Serviços das Marcas Típicas de Macau recebeu um total de 29 requerimentos. Destes foram aprovados, 12. Dez estão ligados à área de restauração – sendo que metade vende sobremesas. A Ourivesaria Che Lee Yuen, Pastelaria Ng Teng Kei, Restaurante Solmar, Luk Kei Noodle, Pastelaria Fong Kei, Fábrica de Conservação de Frutos e Produtos Hortícolas (Achares) Tong Iec Pak Fa Fui, Pastelaria Chui Heong, Mercearia Mok Yi Kei, Restaurante Indonésio Medan, Seng Kei Congee, Companhia de Produtos da China e Sorvetes e Doces Lai Kei foram as marcas seleccionadas.