São vários os espaços dedicados à história e à cultura em Macau. Por toda a cidade há pontos indispensáveis, desde os mais óbvios – como museus e monumentos – aos mais dissimulados – como casas e lojas que se tornaram património porque ajudam a construir a narrativa histórica da cidade
Texto Catarina Brites Soares | Foto Gonçalo Lobo Pinheiro
O Instituto Cultural (IC) refere que os locais e exposições abrangem as mais diversas áreas como história, arte, assuntos marítimos, telecomunicações, Grande Prémio, vinhos, religião e culto, e cultura portuguesa. O Museu de Macau, de Arte, das Ofertas sobre a Transferência de Soberania de Macau, a Antiga Residência do General Ye Ting, o Tesouro de Arte Sacra do Seminário de S. José, o Museu Memorial de Xian Xinghai, o de Zheng Guanying, e o da História da Taipa e Coloane, assim como a Antiga Farmácia Chong Sai são alguns dos pontos incontornáveis na cidade.
À lista o IC acrescenta as emblemáticas Ruínas de S. Paulo, a Casa do Mandarim, a Fortaleza da Guia, a Casa de Lou Kau, o Farol da Guia, a Sala de Exposições do Templo de Na Tcha e o Posto do Guarda-Nocturno no Patane. Outros dos locais sob a alçada do IC e parte do legado local.
A gestão compete aos organismos públicos e privados, dependendo do espaço. “O IC tem procurado manter a comunicação e coordenação com a Diocese, as associações responsáveis pelos templos e proprietários das restantes unidades. Sem poupar esforços, ambas as partes têm feito um trabalho constante no sentido de preservar o legado dos edifícios”, assegura o IC em resposta à MACAU.
A preservação e revitalização, realça o organismo, têm sido prioridades para a pasta da Cultura. A Biblioteca do Patane, o Centro de Arte Contemporânea de Macau – Oficinas Navais e a Cinemateca Paixão são alguns dos trabalhos recentes que o IC refere para ilustrar que a região tem procurado conciliar passado e presente.
A Vila de Nossa Senhora em Ká Hó, 13 edifícios no Pátio da Felicidade, a Fábrica de Panchões Iec Long e os Estaleiros Navais de Lai Chi Vun, em Coloane, serão as próximas investidas do IC. “O legado arquitectónico único e abundante de Macau é um ponto crucial para que a região se afirme como cidade de Património Mundial, e como centro mundial de lazer e turismo”, salienta. “A manutenção e revitalização apropriadas dos edifícios, de interesse histórico inquestionável, garantem a preservação de uma paisagem urbana única a Macau, assim como respondem à necessidade de mais espaços dedicados à história, cultura e lazer para usufruto da população, melhorando assim a qualidade de vida na cidade”, acrescentam os serviços.
A MACAU foi conhecer algumas das paragens obrigatórias no território.
Antiga Farmácia Chong Sai
Foi Sun Yat-sen quem abriu a farmácia no edifício número 80 da Rua das Estalagens, que remonta aos anos de 1890 e foi das primeiras a oferecer serviços de medicina ocidental em Macau sob a gerência de um médico chinês. Em 1892, quando veio para a região exercer medicina no Hospital Kiang Wu, Sun Yat-sen, que viria a ser o primeiro presidente da República da China, torna-se no primeiro médico de etnia chinesa a praticar medicina ocidental no território. Dava consultas diariamente na farmácia, entre as 7h00 e as 9h00, antes de ir para o hospital.
O espaço é emblemático pela história mas também pela estrutura típica de “loja-casa”, estando a parte comercial no piso térreo e a residência no andar acima. Foram várias as vidas deste edifício depois de ser farmácia. Foi arrendado, trespassado e vendido diversas vezes. Chegou a ser lugar de culto taoista e espaço comercial para venda e negócio de têxteis.
Em 2011, tornou-se propriedade do Governo, que adquiriu o edifício e realizou trabalhos de restauração e reabilitação. Depois das obras de conservação, terminadas em 2016, o edifício passou a ser local para exposições como as que acolhe agora: a do 150.º aniversário do nascimento de Sun Yat-sen e sobre processo de conservação e reabilitação. Há ainda uma área onde se podem ver vestígios e artefactos arqueológicos encontrados no local, e expositores relacionados com as técnicas de restauro implementadas no edifício, informação relacionada com a tipologia arquitectónica do imóvel e um espaço dedicado à vida de Sun Yat-sen e a Macau. No site do Instituto Cultural sobre o edifício refere-se que as “exposições permitem partilhar com os visitantes uma melhor compreensão sobre a relação que existe entre o Dr. Sun Yat-Sen e Macau, bem como uma interpretação mais aprofundada sobre as características arquitectónicas desta tradicional “loja-casa”.
Rua das Estalagens, n.º 80, Macau
Aberto todos os dias, excepto às terças-feiras, entre 10h00 e 18h00
Carpintaria do Mestre Lu Ban
O espaço foi recuperado para homenagear o artesão Lu Ban (500 anos a.C.), inventor e padroeiro dos carpinteiros na China. “As suas invenções e criações reflectem o intelecto e feitos da civilização humana, fazendo uso de técnicas de construção e estabelecendo padrões de construção para as gerações posteriores”, detalha o IC sobre o local.
Reza a lenda que Lu Ban inventou máquinas em madeira e outros artefactos para processar alimentos como a broca, a mó e o moinho. A visão e o jeito valeram-lhe o título na China de “Pai do Artesanato”. Deixou legado e hoje se aplicam muitas das técnicas que criou, como acontece com os os carpinteiros da Associação Seong Ká Môk.
Além do altar a Lu Ban, há no edifício uma sala de exposições sobre as técnicas tradicionais de carpintaria e obras de carpintaria tradicional de Macau. A área, com 172 metros quadrados, tem um salão principal com o altar, a zona de exposições e um pátio exterior.
No salão principal está um exemplo em grande escala da “Lu Ban So” ou “chave de Lu Ban” – utensílio de madeira que os mestres carpinteiros utilizavam para treinar os aprendizes. Composta por seis paus, a “chave” representa a base do sistema de encaixe do tipo “respira e mecha” inventado por Lu Ban. A sala de exposições alberga uma mostra de objectos e instalações multimédia, que no conjunto incluem mais de 80 ferramentas tradicionais de carpintaria como serras, plainas, brocas e marcadores de tinta, além de informações sobre a história de Lu Ban, as invenções e o uso de ferramentas de carpintaria por parte do artesão que marcou a história do ofício no território.
Também se podem ver partes de edifícios construídos com base na ligação tradicional de “respiga e mecha”, ou seja, tocando e experimentando as diversas ferramentas que se encontram no local. “Todos estes elementos ilustram a arte e a sabedoria transmitida ao longo de gerações no âmbito da carpintaria, permitindo aos visitantes conhecer melhor esta indústria tradicional e as respectivas técnicas”, realça o IC.
O edifício, no Grémio dos Carpinteiros ou Sede da Associação Seong Ká Môk Ngai de Macau, na Rua de Camilo Pessanha, terá sido construído no 20.º ano do reinado do Imperador Daoguang da Dinastia Qing (ca. 1840). Foi em conjunto com a associação, uma das mais antigas da cidade, que o IC recuperou e restaurou o edifício entre 2013 e 2014, acabando por abrir ao público em Julho do ano seguinte. “O plano era dar a conhecer esta actividade e o próprio Grémio aos residentes, e revitalizar um importante espaço cultural”, explica o instituto.
No local há ainda objectos, documentos e documentários sobre a arte e o mestre Lu Ban, facultados pelo Centro de Formação Contínua e Projectos Especiais do Instituto Politécnico de Macau.
Rua de Camilo Pessanha S/N
Sede da Associação Seong Ká Môk Ngai de Macau
Aberto todos os dias, excepto às quartas-feiras, entre 10h00 e 18h00
Tesouro Arte Sacra do Seminário de S. José
O Seminário de S. José foi fundado em 1728 por missionários jesuítas, e tornou-se num centro de formação de vários sacerdotes católicos. Nos últimos três séculos passaram pelo edifício, junto à Igreja de S. José, na Rua do Seminário, alguns dos sacerdotes mais notáveis. O edifício conquistou, em 2001, o Prémio para a Salvaguarda do Património Ásia-Pacífico da UNESCO e em 2005 foi inscrito na Lista de Património Mundial. O seminário, sublinha o Instituto Cultural, acompanha “a evolução da sociedade de Macau contribuindo positivamente para a sua elevação cultural, educacional, artística e social”.
Em 1758 é construída a igreja adjacente, a segunda instituição de ensino superior da Sociedade de Jesus para formação de missionários em Macau. O conjunto de edifícios ficou conhecido entre a população local como “Sam Pa Chai”. A partir de 1762, o Seminário “passou por diversas mãos e vicissitudes”, regressando à gestão das jesuítas em 1930. O IC sublinha tratar-se de um espaço “histórico que está intimamente ligado à evolução da sociedade em Macau, dando um grande contributo à cultura, educação, arte e actividades de beneficência da cidade”.
Na zona aberta ao público, está exposto um espólio vasto de relíquias religiosas como livros, documentos, pinturas a óleo, imagens de santos, objectos usados nas eucaristias e alfaias religiosas constituindo o que se denominou de Tesouro de Arte Sacra do Seminário de S. José, distribuído pelas sete salas do museu, que guarda os objectos trazidos por missionários de várias partes do mundo, incluindo Goa e Portugal.
Um dos espaços é dedicado a documentos e livros escritos pelos missionários, que testemunham a introdução do catolicismo na China e relíquias culturais de Macau protegidas, inscritos na lista “The Memory of the World Regional Register for Asia/Pacific da UNESCO” em 2010.
Igreja de S. José, Rua do Seminário
Aberto todos os dias, excepto às quartas-feiras, entre 10h00 e 17h00
Casa de Penhores Tak Seng On
É numa das esquinas da Avenida Almeida Ribeiro que se encontra a Casa de Penhores Tak Seng On, recuperada e mantida com objectivos turísticos numa tentativa de eternizar aquele que foi e continua a ser um dos principais negócios locais.
A Tak Seng On abriu portas em 1917 pelas mãos de Kou Ho Ning, um comerciante rico do território. “As lojas de penhores têm sido uma forma de comércio em todo o mundo e, na China, datam de há, pelo menos, 1500 anos”, contextualizam os Serviços de Turismo.
A loja, inaugurada em Janeiro de 2016 depois de um processo de reconstrução, procura dar a conhecer a história do negócio de penhores em Macau, que começou a decair no início dos anos 1990. É também nessa altura que a Tak Seng On – Casa de Penhores Virtude e Sucesso, em português, fecha as portas, não resistindo à queda do sector.
O trabalho de conservação, iniciado pelo IC em 2000, manteve a arquitectura da casa assim como a decoração. O local está como foi nos tempos áureos, com os instrumentos de registo e procedimentos do negócio de penhores, respeitando a disposição básica do início do período da República da China. Na loja, encontram-se também pequenos textos espalhados que explicam a utilidade dos vários utensílios e detalhes do negócio. Enquanto funcionou, a casa tinha dois blocos: um com uma loja de penhores e banco com três andares, e o outro onde estava um armazém com sete andares.
Além de ter recebido uma menção honrosa nos Prémios Ásia-Pacífico da UNESCO para a Conservação do Património Cultural 2004, a Casa de Penhores Tak Seng On também foi seleccionada como Zona de Boas Práticas Urbanas pela Expo Mundial de Xangai 2010.
O “Espaço Patrimonial: Uma Casa de Penhores Tradicional” é o primeiro museu da indústria operado pelo Governo e por uma entidade privada.
Av. Almeida Ribeiro nº. 396
Aberto todos os dias, excepto na primeira segunda-feira de cada mês, entre 10h30 e 19h00
Sala de Exposições de Na Tcha
Foi construída para divulgar e conservar os Costumes e Crenças de Na Tcha de Macau, parte da Lista Nacional do Património Cultural Imaterial desde 2014. Inaugurada dois anos antes, em 2012, a sala de exposições procura dar a conhecer os rituais que são transmitidos há gerações e contribuem para a diversidade cultural da região. “Esta iniciativa, orientada pelo Instituto Cultural e com o apoio da Associação do Templo de Na Tcha e de residentes da zona, tem permitindo ao público local e visitantes terem um entendimento mais aprofundado sobre as festividades, a história e as tradições dedicadas e associadas a este Deus”, realça o IC.
O espaço conta a lenda de Na Tcha através de oito gravuras, da autoria do cartoonista local Ah-Cheng, explica as festividades associadas, contém acessórios religiosos, dísticos e objectos usados em cortejos como a liteira de Na Tcha, o sombreiro cerimonial, cabeças de leão e panchões. Também há um vídeo sobre as festividades de Na Tcha e um livro digital com fotografias de actividades comemorativas das últimas décadas, que permite aos visitantes testemunharem a história e a evolução das tradições. “Através destes objectos, os visitantes poderão compreender melhor o significado das crenças e costumes de Na Tcha, bem como experienciar a atmosfera festiva das suas celebrações”, salienta o Instituto Cultural.
Em exposição estão também artefactos e vestígios de construções descobertos em escavações arqueológicas, que os especialistas consideram ter pertencido à ala Oeste da Igreja da Madre de Deus.
Pátio do Espinho, n.º 6
Aberto todos os dias, excepto às quartas-feiras, entre 10h00 e 18h00