Hortas urbanas em franco crescimento

As hortas e os jardins urbanos, assim como a arborização tridimensional, são uma tendência mundial. Encarados como mais uma via para ajudar à sustentabilidade do planeta e devolver às metrópoles o oxigénio que precisam, têm sido recursos tanto de governos como de cidadãos de forma a reabastecer as cidades com natureza. Em Macau, a ideia começa a dar os primeiros passos com iniciativas privadas e públicas

Texto Catarina Brites Soares | Fotos DR e Gonçalo Lobo Pinheiro

A Escola Oficial Zheng Guanying e a Escola Internacional de Macau (TIS, na sigla em inglês), com a ajuda da empresa Mighty Greens Macau, estão a iniciar uma revolução verde na cidade. As hortas e jardins urbanos que têm desenvolvido fazem-nas das entidades pioneiras na região.

Na Zheng Guanying, o projecto foi inaugurado há pouco tempo no terraço da escola pública. A ideia é criar uma horta de raiz pelas mãos dos alunos e assim levá-los a conhecer a origem dos vegetais que consomem, a aprender a plantar, cuidar e conhecer o processo de produção do início ao fim, quando já podem ser consumidos. À MACAU, a directora explica que há dois grandes objectivos com a actividade: criar oportunidades de usar a língua portuguesa em contextos reais e, ao mesmo tempo, complementar a formação pessoal dos estudantes. “A horta é um meio de valorizar a vida, de assumir responsabilidade por ela e de ter consciência da importância de uma alimentação saudável. Ao nível social, pretendemos sensibilizar para a protecção ambiental, bem como para a importância dos recursos e da sustentabilidade do planeta”, realça Carmen Chan.

Na TIS, a horta tem hoje o triplo do tamanho que tinha quando se plantaram as primeiras sementes, em 2020. Alojada num dos terraços da escola na Taipa, a horta tem estado ao cuidado de professores e alunos. “Começámos a pensar nesta ideia em 2019. Queríamos desenvolver novos projectos de sustentabilidade. Ao mesmo tempo, precisávamos de uma nova causa para o programa de activismo social, que organizamos anualmente e achámos que encaixaria bem. Decidimos que a temática seria sobre consumo responsável sob a pergunta ‘De que forma pode a produção e consumo alimentares ter impacto na sustentabilidade?'”, começa por explicar Lydia Mak. “Pensamos que seria um excelente meio para sensibilizar os estudantes sobre a necessidade de proteger o ambiente e desenvolver práticas de consumo responsável”, acrescenta a professora de Biologia da TIS, que esteve na origem da iniciativa.

Stephen Boyko, outro dos mentores do projecto, refere que a horta é uma forma de ligar os alunos à natureza, sobretudo numa cidade como Macau, muito urbanizada. “Se nos limitarmos a dizer que têm de proteger o ambiente, ouvem, mas acabam por desvalorizar. Não há nada mais eficaz do que cuidar e acompanhar o processo de crescimento de uma planta, porque se cria uma relação com a natureza, o que acaba por ter muito mais impacto”, defende o coordenador de “Service Learning”, responsável pelo desenvolvimento de actividades pedagógicas paralelas ao ensino.

Ajudar a comunidade

São várias as espécies nos canteiros e vasos distribuídos pelo terraço da TIS. A área, antes desocupada, está agora povoada por ervas aromáticas e vegetais como pepino, cenouras, espinafres, beringela, tomates, entre outros. A selecção foi criteriosa e teve em conta a região. Tudo orgânico, seguindo a preceito as regras da natureza, sem adição de adubos ou outros químicos, foram escolhidas as plantas que melhor se adaptam ao clima da cidade. “Aprendemos muito desde que começamos, por exemplo a semear de acordo com a estação ou a ajustar as regas atendendo ao clima”, detalha Lydia Mak.

Se no início eram Lydia e Stephan os principais responsáveis pelo canteiro, hoje já são os alunos. “Além de cuidarem da horta, vão todas as quartas-feiras aos mercados para recolher os vegetais que não foram vendidos e trazem-nos para a escola para depois distribuirmos por pessoas mais carenciadas. Também recolhemos as sementes desses alimentos para plantarmos. Conectar os alunos com a natureza é importante, mas também é importante este serviço comunitário que têm estado a fazer. Grande parte do que produzimos aqui é depois distribuído por pessoas que precisam”, salienta o professor.

A horta da Zheng Guanying repete o princípio pedagógico. A ideia é que o espaço esteja a cargo sobretudo dos alunos e que, a longo prazo, se estenda às diferentes faixas etárias desde o jardim-de-infância. “O caminho faz-se caminhando”, ressalva a directora.

Ensino alternativo

Carmen Chan sublinha que a Escola Oficial tem a preocupação de formar os alunos de forma global, como preconiza a lei de bases da educação de Macau, e, como tal, a horta servirá também os currículos das diferentes disciplinas. “Quer no ensino primário, quer no ensino secundário, temos disciplinas que abordam, especificamente, temas ligados à protecção ambiental e à sustentabilidade, procurando ensinar e explorar, em sala de aula, conteúdos que mostram aos alunos a importância destes aspectos na vida actual”, frisa.

Além disso, acrescenta a responsável, sendo uma escola com ênfase nas línguas e sendo a língua portuguesa uma disciplina valorizada no âmbito do currículo, há também a preocupação que as actividades extracurriculares reflictam esse espírito. “Porque as actividades são também uma parte importante da formação dos alunos, tentamos juntar a língua a esta actividade”, enfatiza a directora da escola trilingue.

Na TIS, a horta também serve de via de ensino e é um recurso sempre que o currículo da disciplina o permite. “O objectivo é ter um jardim-horta disponível para alunos e professores. Proteger o mundo é uma responsabilidade de todos. Como educadores, queremos dar-lhes a oportunidade de aprender e fazer algo. O jardim e a horta foram duas das formas que encontrámos para o conseguir”, sublinha Lydia Mak.

Mentores

Ambas as escolas contaram com a ajuda da Mighty Greens, empresa precursora da agricultura urbana em Macau. Além de outras iniciativas relacionadas com o meio-ambiente, sustentabilidade e qualidade de vida, a empresa organiza workshops de horticultura. Cintia Martins diz que a adesão tem sido muito positiva. “De momento, estamos focados nos mais jovens, mas estamos a planear fazer actividades também para adultos, devido aos inúmeros pedidos dos pais”, afirma.

A terra é o “início de tudo” e o que “sustenta”, acrescenta Cintia Martins para explicar porque decidiram apostar nas hortas e jardins urbanos. Tudo o que usam, realça, é orgânico, das sementes aos fertilizantes. A origem depende, mas garante que os fornecedores são sempre credíveis. “Além do que importamos, procuramos obter sementes de frutos e vegetais que consumimos. O objectivo é termos e ensinarmos as pessoas a desenvolverem um modo de vida mais sustentável. Temos de saber como produzir comida através do que nos rodeia”, alerta.

A empresa também funciona como fornecedora. De momento, vende uma gama extensa de micro-verdes e ervas aromáticas a restaurantes locais e outros clientes privados, oferta que vai adaptando em função do feedback, por exemplo, dos chefs de cozinha. O contacto com os clientes é aliás uma parte fundamental de uma economia circular que procura que origem e destino dos alimentos estejam cada vez mais próximos.

Ao público em geral vendem sementes, kits de semeio, terra, pesticidas orgânicos, composto e fertilizantes. “Temos clientes a encomendar sistemas de vermicompostagem. Para fazer uma planta sobreviver é necessário mais do que água. As plantas também têm de comer. A cura para muitos males está na terra e na vida que nela habita”, lembra a empreendedora.

Orgulhosa com o caminho percorrido, partilha que a ambição é crescer. “Temos de dar um passo de cada vez. A nossa visão é claramente criar uma cidade mais sustentável, e criar uma ‘Mighty Farmers Academy’. Quando ouvimos testemunhos de que já mudámos a vida de algumas pessoas, parte da nossa missão já está cumprida”, salienta Cintia Martins.

Outras vias

Já a arborização tridimensional tem sido a prioridade do Governo por ser uma forma de conservar energia, mitigar o efeito do aquecimento global, embelezar o ambiente urbano e dar maior biodiversidade à cidade, detalha o IAM à MACAU. “Devido à falta de terrenos e à alta densidade populacional de Macau, assim como aos condicionalismos das diversas vertentes, a procura de terrenos tem sido cada vez mais intensa, o que explica a inexistência de grandes áreas para proceder à arborização. Posto isto, o Instituto para os Assuntos Municipais tem vindo a promover a arborização tridimensional, desenvolvendo diversos projectos de arborização.”

Em Setembro de 2020, o IAM procedeu à arborização superficial de cerca de 79 depósitos de lixo , colocando plantas no topo e nas paredes. Foram igualmente colocadas plantas nos alpendres e na parte inferior das paragens de autocarros.

Como exemplos de projectos de arborização, o organismo enumera os alpendres do Carmo da Taipa e da Zona de Lazer da Bacia Norte do Patane; as paragens de autocarro do Estádio de Macau, da Rotunda Dr. Carlos D’Assumpção e da Rua do Almirante Sérgio. “A arborização vertical é geralmente feita com plantas trepadeiras, as quais crescem naturalmente ao longo dos suportes onde são colocadas, arborizando as paredes. Este sistema é adequado para aplicar nas instalações públicas”, reforça o instituto.

O organismo acrescenta que ainda chegou a ser planeada a construção de jardins no terraço em alguns mercados, iniciativa que não avançou por razões estruturais e devido às obras nos locais. “O IAM continuará a proceder à arborização tridimensional nos espaços em que as condições o permitam. Depósitos de lixo, alpendres, estações elevatórias e passagens superiores para peões são sempre objecto de consideração para projectos de arborização tridimensional.”