Mais de 20 mil famílias residentes nas zonas rurais de Moçambique já têm acesso à televisão digital por satélite, fruto do projecto “Acesso à TV via satélite para 10 mil aldeias africanas”, uma iniciativa do Governo chinês no âmbito da amizade e cooperação com os povos africanos
Texto Dalton Sitoe | Fotos Salvador Sigaúque
Tudo começou quando o Presidente chinês Xi Jinping se reuniu, em Dezembro de 2015, com presidentes dos países africanos no Fórum de Cooperação China-África (FOCAC), realizado na África do Sul. Naquele evento, Xi Jinping anunciou 10 projectos para elevar o nível de cooperação entre a China e o continente africano. Um desses compromissos é a emancipação das famílias rurais africanas, dando-lhes acesso a informação de qualidade.
Em Moçambique, um dos países beneficiários do projecto de televisão digital via satélite, a implementação da iniciativa começou em 2018. Numa primeira fase, entre Abril e Setembro de 2018, foram abrangidas 500 aldeias; na segunda etapa, cuja execução decorreu de Outubro de 2019 a Maio de 2020, foram beneficiadas outras 500 aldeias. A implementação técnica do projecto esteve a cargo da empresa chinesa Startimes.
O gestor operacional da Startimes e supervisor da equipa técnica do projecto naquele país africano, Dário Cossa, explicou que após a concepção da iniciativa houve necessidade de produzir os equipamentos com as especificidades do plano. Justificou também que acabou por se escolher a Startimes como braço tecnológico da iniciativa porque, já na altura, era a operadora de televisão digital chinesa com forte presença em África, tendo iniciado a sua actividade em 2007/2008, no Ruanda.
Com o financiamento do Governo chinês, a Startimes produziu descodificadores, antenas parabólicas, projectores, painéis solares e televisores de 32 polegadas com descodificadores embutidos.
Os descodificadores e as antenas parabólicas foram entregues a 20 famílias em cada aldeia seleccionada; o televisor de 32 polegadas com descodificador embutido e acompanhado de um painel solar foi alocado em cada administração da vila beneficiária; e os projectores com colunas bluetooth foram oferecidos aos centros de saúde e escolas das aldeias.
Quem fez a lista das aldeias beneficiárias foi o Governo moçambicano. Para a selecção da comunidade rural, o requisito era ter acesso à energia e ter três instituições públicas como escola, hospital e a sede da administração responsável pela localidade. Por seu turno, as 20 famílias eram escolhidas pelo chefe da localidade, porém a família escolhida tinha de ter televisor e corrente eléctrica para receber o kit.
“Numa localidade vivem muitas famílias e tínhamos de dar a 20 casas apenas. O chefe local é que era a pessoa indicada para apontar, segundo o que lhe convier, quem pode receber. Desde que preenchessem os requisitos exigidos estava tudo bem”, sustentou Cossa. “Quando estamos a implementar algo do género em Moçambique, é preciso considerar que existem regras do projecto e há questões tradicionais do próprio país. Não há regra sem excepção, houve um e outro caso em que o chefe local apontava uma pessoa que não preenchia na íntegra os requisitos. E tínhamos de dar. Quem encontra tais casos precisa entender que se trata de alguém muito relevante naquele meio e que se você lhe exclui, vai ser difícil trabalhar nessa localidade. Contam-se a dedo esses casos, e tem mesmo a ver com questões tradicionais”, acrescentou o supervisor do projecto.
O equipamento instalado nos locais públicos (escolas, centros de saúde e administração) permite que todos possam assistir aos programas de televisão gratuitamente. As 20 famílias beneficiadas tiveram acesso gratuito aos canais nacionais e internacionais no primeiro mês, e criou-se um pacote especial de baixo custo, de 180 meticais por mês (cerca de um avo de pataca), para os meses subsequentes. Contudo, quando as famílias não têm condições financeiras para pagar, fica com acesso a um grupo essencial de canais nacionais. As famílias que quiserem podem ainda assinar pacotes superiores que a operadora oferece.
“Nos locais públicos, como escolas, centros de saúde ou hospitais, bem como na administração da localidade, a ideia é garantir que não tenham despesas por conta desta iniciativa. Por isso, o televisor de 32 polegadas e o projector vão acompanhados de painel solar. Os descodificadores embutidos estão programados para não serem recarregados. Há um grupo de canais que se avaliou como essenciais para estes lugares e o acesso é facultado gratuitamente. Assim, assegura-se que há disciplina no uso”, esclareceu Dário Cossa.
Houve casos em que uma e outra aldeia não tinha as três instituições, nessas situações seleccionava-se uma outra instituição pública. “Entendemos que não é justo reprovar a zona e 20 famílias não serem beneficiadas porque falta uma das três instituições públicas previstas na regra. Se uma localidade não tem escola, por exemplo, dávamos ao posto policial. O nosso esforço era não reprovar aldeias, mas houve algumas que tivemos de trocar porque de facto não reuniam condições”, subsidiou o supervisor.
Além de instalar os kits nas casas, no âmbito do projecto, foram formados técnicos nas zonas rurais abrangidas para darem assistência aos beneficiários. Dário Cossa revelou que todo o movimento da iniciativa impactou pela positiva os técnicos da Startimes. “Lidar com a população rural foi uma experiência única, porque grande parte dos técnicos vive na cidade. Sempre que chegámos na localidade, fomos bem recebidos, porque estávamos a levar algo novo para eles. Até questionaram porque é que só 20 famílias por aldeia teriam direito ao kit. Mais do que essa vontade, mexeu connosco ver que a população rural despertou e começou a acreditar que é possível ter televisão digital via satélite”, declarou Cossa.
Famílias beneficiadas manifestam gratidão
A equipa de reportagem da MACAU visitou duas comunidades rurais beneficiárias do projecto “Acesso à TV via satélite para 10 mil aldeias africanas”, nomeadamente, a aldeia do Mulotana e do Mahubo, ambas no município de Boane, na província de Maputo.
Salvador Langa, de 84 anos de idade, vive sozinho em Mulotana. É camponês e cultiva milho, feijão e amendoim. Ficou satisfeito por ter sido abrangido pelo projecto, porque veio dar-lhe opções para fazer alguma coisa depois das suas actividades agrícolas. “Quem criou este projecto está de parabéns. É um bom projecto. Eu gostei. É importante agora que aumente a abrangência, para que os outros irmãos também possam ter”, pediu.
Carla Fabião reside em Mulotana com o marido e os três filhos. Ela conta que recebeu de bom grado a televisão por satélite, pois antes assistia a canais utilizando a “antena normal,” que lhe dava acesso apenas a canais nacionais com uma fraca qualidade de imagem e agora os seus filhos têm mais opções de canais para assistir, principalmente os ligados à programação infantil.
A televisão por satélite fez ainda nascer novas preferências de entretimento em Mulotana. Lizete Pelembe, por exemplo, confessa já estar “apaixonada” pelos filmes chineses. Na casa de Augusto Matola também surgiram novas preferências. Aliás, a sua mulher, Adelaide, revelou que agora já estão a pagar pacotes superiores para ter acesso à uma maior diversidade de canais para o casal e os seis filhos. Para além de canais que já viam com a “antena normal”, agora passaram a assistir telenovelas mexicanas.
Em Mahubo, onde a televisão por satélite chegou ainda em 2018, a MACAU visitou três instituições públicas: a Escola Secundária Eduardo Mondlane, o Centro de Saúde de Mahubo e a Secretaria da Localidade de Mahubo. O director da Escola Secundária, Paulino Guambe, disse que a iniciativa veio responder a uma necessidade da escola. “Já estávamos a precisar de uma televisão para acompanhar o que está a acontecer dentro e fora do país. Antes da Covid-19, o projector era colocado na biblioteca e ficava a disposição de todos. Algumas vezes projectávamos no pátio da escola e muita gente de Mahubo vinha cá assistir. Aconteceu muito no período dos jogos do Mundial de Futebol de 2018. O melhor de tudo é que, mesmo quando a energia eléctrica falha, podemos assistir porque temos o painel solar”, enalteceu Guambe.
António Gumende, responsável pelo Centro de Saúde de Mahubo, comentou que a iniciativa é útil para a unidade sanitária que dirige, porque através do projector os pacientes internados e os funcionários têm a possibilidade de assistir a algo enquanto estiverem na unidade sanitária, fora o facto de a comunidade, também, ter acesso quando quer.
Entretanto, nem tudo é um “mar de rosas”. O grande desafio da iniciativa tem a ver com a manutenção, porque os técnicos formados nas localidades, por inúmeras razões, não estão a dar seguimento ao trabalho para qual foram capacitados. Depois de um dia de vento forte ou por alguma necessidade de assistência na reconfiguração, alguns beneficiários acabam ficando sem utilizar a televisão via satélite.
No Centro de Saúde e na Secretaria da Localidade de Mahubo não estão a utilizar, porque o vento forte danificou o painel solar, no caso da unidade sanitária, e na Secretaria provocou o movimento da antena, causando a perda de sinal. Como os técnicos formados em Mahubo para garantir a manutenção e assistência na localidade já não estão disponíveis, as instituições têm de esperar os técnicos da sede da Startimes, que estão baseados numa cidade distante do local.
Dário Cossa reconhece que a manutenção é um dos “calcanhares de Aquiles” da iniciativa. Porém, assegura que uma vez que os técnicos locais estejam indisponíveis tem de ser feita visitas às localidades beneficiadas de um modo faseado. Aliás, o responsável pelo Centro de Saúde de Mahubo revelou que dias antes da ida da MACAU à localidade tinha passado por lá um técnico enviado da sede da Startimes, a fim de verificar o problema do painel solar para depois enviar a solução.