Eloi Scarva nasceu em Macau, mas cresceu a viajar o mundo por terra com os pais e a irmã mais nova. Brasil e Portugal foram os lugares onde poisou mais tempo e o ajudaram a decidir caminhar pela escultura, a arte que faz com prazer porque se não lho desse “nem valia a pena”
Texto Catarina Mesquita
Cedo as mãos disseram a Eloi Scarva que, na vida, as usaria para criar. Aos dois anos já tinha escrito um abecedário que os pais guardam como um tesouro. Na infância desenhava muito. Desenhava mapas, cidades e os lugares por onde passou em tantas viagens que fez com os pais e a irmã mais nova. Um desses lugares desenhados ao pormenor foi Hac Sá, em Coloane. Tinha seis anos e já se percebia uma noção natural do espaço arquitectónico.
Anos mais tarde sentado nesta povoação, Eloi Scarva conversa com a MACAU à mesa da casa que construiu com as próprias mãos e com o pai. Fala de arte, de história da arte, do estado da mesma nos dias que correm e de como se sente enquanto artista.
Não se considera então “artista”, mas afirma que para o ser “tem de se gostar do que se está a fazer”. “Às vezes gostava de só olhar e não fazer porque sinto que há pessoas com mais motivos para fazer do que eu.”
Aos 26 anos, Eloi Scarva considera que existe na sua geração quem queira tornar o seu lugar melhor através da arte sem que seja necessária uma grande base intelectual. “Basta irmos atrás na história. Quem esculpia de forma realista não tinha uma base intelectual: dedicava-se a esculpir ao detalhe algo. Hoje, as pessoas que também não têm grande base intelectual são aquelas que são criadoras de algo bem mais humano. Quem tem conhecimento torna-se fútil e dedicado a postar coisas no Instagram. Os jovens que hoje criam algo com significado são aqueles que não querem ir na direcção do resto do mundo.”
“Quando fazes arte não tem que ver com produzir ou inventar, mas sim em modificar a realidade”, afirma.
Isto de ser escultor
Eloi formou-se em Escultura pela Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa. A decisão, em parte, é responsabilidade do pai. “Vi-o calado durante uns dias e sabia que ele estava a pensar em algo. Numa conversa informal disse-me ‘porque não vais para escultura?’”, conta.
Saltou da vontade de ir para arquitectura – seguindo o desejo da mãe – para a ideia de estudar pintura, porque na verdade diz que não sabia nada sobre o que era a escultura. “Tudo começou com aquela ideia um pouco errada de que porque eu desenhava bem deveria seguir arquitectura ou pintura. A pintura também era moda: ia retratar coisas e conceitos e eu conhecia obras de escultura como o David e assim mas eu não sabia praticamente nada sobre o que é ser escultor mas fui na mesma”, explica.
“Não existem muitos escultores. Como esculpir uma pedra ou fazer uma peça em barro é um mundo que não tens noção. Na escultura tu tens de fazer tudo: desenhar, pintar e sair do plano para o tridimensional”, acrescenta o jovem escultor que se especializou durante seis semestres em pedra.
Para Eloi Scrava faz mais sentido que, para quem quer ser pintor, comece com a escultura do que o inverso. “As pessoas pensam que é mais lógico ir para pintura primeiro porque é uma espécie de base, mas isso já acontece no plano mental. As pessoas quando têm uma ideia já passam por esse processo evolutivo de desenhar na cabeça primeiro e depois passar para o plano real. Para esculpir directamente uma pedra ou desenhar na pedra não é preciso ser um mestre de desenho, mas é certo que se se praticar muito este talho directo, quando for para desenhar, desenha-se muito melhor que antes porque se ganha noção das formas, da realidade, das sombras, da tridimensionalidade e se percebe que se pode sair fora da linha.”
A faculdade foi o momento em que percebeu o que a escultura era realmente. “Não sinto que a faculdade me tenha educado de forma nenhuma, porque só o que procuras te educa realmente. Aprendi mais a observar como se fazia do que com o professor a dizer-me para fazer um determinada técnica de um determinado jeito. A educação nas artes é subjectiva. Tanto podes estar a aprender uma técnica que te será útil como a perder tempo e é ali, na faculdade, que tens de te provar se queres fazer aquilo ou não.”
Actualmente, apesar de ter um trabalho a tempo inteiro de produção artística do qual a sua escultura não faz parte, conta-nos que está sempre ligado a esta arte. “Eu estou sempre a fazer escultura porque ela é um processo: tenho de estar a idealizar, a pensar e só depois então a executar. Assim sinto que estou a pensar numa coisa a fundo.”
“No trabalho vendes o suor. Na arte vendes as tripas, vendes as tuas ideias. No dia-a-dia estou num lugar de inspirações porque não gosto de desperdiçar tempo, mas há um foco no trabalho mais relacionado com a sobrevivência enquanto que na arte prefiro fazer coisas que não sejam para sobreviver”, explica.
Em geral, o jovem escultor diz não ter um conceito para as suas obras: “o que o espectador encontrar, encontra. Mesmo que as pessoas não se relacionem com a peça ficam a pensar o que será aquilo. Mas a mim dá-me prazer fazer, se não desse então não valia a pena.”
“Sou escultor porque me sinto seguro na escultura no sentido em que ela não tem um valor qualitativo. Tem, sim, um valor intrínseco. A escultura é diferente da pintura que tem de retratar um sonho. Na escultura, mesmo sendo uma escultura má, tens a capacidade de olhar de vários ângulos para despertar a curiosidade. A verdade é que o espectador quase nunca pensa que a peça é má; mais depressa pensa que foi ela que não entendeu bem [risos].”
A infinitude da fotografia
Em Outubro de 2019, Eloi Scarva apresentou outra das suas paixões: a fotografia. Na mostra Not so recent work, que teve lugar na galeria de arte Casa do Povo, em Coloane, estiveram em exposição 12 fotografias que retratam pessoas e lugares de Macau, Hong Kong e lugares no Sudeste Asiático pelos quais Eloi passou nos últimos anos.
“Ao contrário da escultura, a fotografia é algo que não é pensado para mim. Até perderia o sentido se assim fosse. Com uma fotografia pode-se contar uma história ou não. Ela é infinita: não tem tempo e permite que sempre que se olhe para uma imagem captada se possam descobrir sempre coisas novas”, afirma.
Gosta de alimentar esta paixão e retrata a vida quase diariamente com as fotografias que vai tirando. A Not So Recent Work foi a primeira exposição a solo de Eloi enquanto fotógrafo tendo estado ligado a outras mostras, mas no papel de curador.
Já na escultura, está patente a exposição “Capsule Formation & Asymbiotic Seed Germination”, em parceria com Chan Un Man, na galeria do Creative Macau. Após a recolha de materiais em diferentes zonas do território, criou cápsulas que se encerram no interior de uma prisão de cimento (polímero e aço) de Macau em forma de objecto-metáfora da situação actual. “Sentindo que convivemos nesse espaço coletivo, resguardados de uma pandemia mundial, redescobrindo nosso lar com olhos diferentes daqueles que não têm liberdade – em uma cela aberta em escala absurda, redefinimos nossas prioridades, refletindo sobre nossa irmandade e questionando o futuro”, define o artista. A mostra fica patente até 27 de Fevereiro.