Doutores ‘made in Macau’

Em Macau, das 10 instituições de ensino superior há cinco que oferecem cursos de doutoramento. Eric Chan, Alexandre Lebel, Rachel Li e Ikram Saadaoui contam porque escolheram Macau para estudar na fase mais exigente da carreira académica

Texto Catarina Brites Soares | Foto Gonçalo Lobo Pinheiro

Eric Chan, Alexandre Lebel, Rachel Li e Ikram Saadaoui são uma ínfima parte dos 3020 alunos que frequentavam doutoramentos no ano lectivo 2019/2020. Os dados mais recentes da Direcção dos Serviços do Ensino Superior (DSES), referentes ao ano lectivo passado, mostram que a maioria (1206) estudava na Universidade de Macau, seguida da Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau, com 1096 doutorandos. Do total, 323 eram estudantes locais e 2697 do exterior.

Se os estudantes locais têm vindo a diminuir, o mesmo não acontece com os de fora, maioritariamente os que chegam do Interior do País. Em 2010/2011, os alunos de Macau matriculados em instituições locais em todos os níveis do ensino superior eram 17.295; no ano lectivo passado ficaram-se pelos 15.969. Já os do exterior, eram 15.248 em 2010/2011, mas depois de uma queda significativa no ano subsequente, voltaram a aumentar. No ano lectivo de 2019/2020, eram 20.138.

Em resposta à MACAU, a DSES explica que há cinco instituições que oferecem o grau de  doutoramento: a Universidade de Macau, a Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau, a Universidade da Cidade de Macau, a Universidade de São José e o Instituto Politécnico de Macau. Os cursos oferecidos cabem a cada entidade, em função das áreas que priorizam. “As instituições do ensino superior de Macau têm as suas características, os seus rumos de desenvolvimento definidos e posicionamentos de ensino claros. Há instituições que privilegiam o ensino integrado, combinando a pedagogia com a investigação, e as que se concentram nas disciplinas aplicadas e no ensino com orientação profissional”, explica o organismo.

A DSES salienta que há áreas que têm tido mais protagonismo, em resposta ao posicionamento de Macau como ‘Um Centro, Uma Plataforma’, como é o caso dos cursos de Português, Tradução em Chinês/ Português, Turismo, Convenções e Exposições, Gestão do Património Cultural, Artes, Design, Criatividade Cultural, Gestão Culinária, Gestão de Indústria de Serviços, e de Resorts, Estudos de Países de Língua Portuguesa e Relações Económicas e Comerciais Sino-Portuguesas. “Entre estes cursos, estão vários na área do Turismo, ministrados por algumas instituições do ensino superior, que já obtiveram a credenciação de educação turística de qualidade TedQual, da Organização Mundial do Turismo das Nações Unidas.”

O organismo acrescenta ainda que se tem apostado na diversidade e sublinha que muitas instituições do ensino superior locais foram certificadas por entidades internacionais de avaliação ou organizações profissionais nas áreas de Gestão Empresarial e Direito, Arquitectura e Engenharia, Tecnologia da Informação e Comunicação, Ciências Sociais, entre outras.

A par da oferta, a DSES refere também a criação de laboratórios de referência como os de Estado em Circuitos Integrados em Muito Larga Escala Analógicos e Mistos, para Investigação de Qualidade em Medicina Chinesa, de Internet das Coisas da Cidade Inteligente, e para a Ciência Lunar e Planetária. “Pode afirmar-se em pleno que as instituições do ensino superior de Macau têm um nível superior de ensino e investigação nestas áreas profissionais, podendo também ajudar a promover o futuro desenvolvimento das instituições na inovação e criatividade das respectivas áreas.”

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Ikram Saadaoui

Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau

Recém-doutorada em Engenharia dos Sistemas

Ikram Saadaoui diz que não escolheu Macau, mas foi Macau que a escolheu a ela. A cidade não estava nos planos da tunisina que planeava seguir os estudos em França, por ser fluente em francês, a sua segunda língua e por estar mais perto de casa. A região caiu-lhe no colo por sugestão de um antigo professor, que insistiu que devia fazer o doutoramento na China, mais especificamente em Macau. Depois de pesquisar sobre o território – que desconhecia por completo –, decidiu que era o destino perfeito para prosseguir os estudos. “O que me atraiu mais foi a mistura entre as culturas portuguesa e chinesa. Nunca tinha viajado, e foi o principal motivo”, conta-nos na biblioteca da Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau (MUST, na sigla inglesa), onde estudou depois de conseguir uma das bolsas para o grau de doutor.

Além de poder conhecer as culturas europeia e chinesa no mesmo lugar, salienta outro ponto que pesou a favor: “Enquanto muçulmana, era determinante encontrar um sítio que fosse seguro, com diversidade cultural e que respeitasse pessoas de diferentes contextos. Aqui sempre me senti acolhida e respeitada.”

O doutoramento foi mais um passo na carreira, que iniciou há 10 anos. Depois da Licenciatura e Mestrado em Engenharia Informática, na National Institute of Applied Sciences and Technology (INSAT), em Tunes, e de dois anos a trabalhar numa empresa internacional na capital da Tunísia, percebeu que queria voltar a estudar. Foi assim que iniciou o doutoramento em Engenharia dos Sistemas, no Macau Institute of Systems Engineering da MUST.

“Antes de se implementar um sistema na vida real, temos de criar um modelo. O processo é semelhante ao da construção de infra-estruturas. Para serem construídas, tem de haver um desenho feito por um arquitecto e só depois, caso esteja tudo bem, é que se avança. O mesmo acontece com os sistemas. Fazemos um modelo, que não é o real, simulamos como se comporta num computador e só depois, se tudo estiver bem, é que se pensa em implementar”, explica.

Ikram Saadaoui, de 29 anos, dedica-se sobretudo à segurança de sistemas complexos. “O meu trabalho é garantir que a informação pessoal recolhida pelos diferentes sistemas não fica exposta, nem acessível”, detalha. Uma sociedade cada vez mais informatizada realça a relevância do que faz e mostra como está presente no dia-a-dia. Dá o exemplo das caixas multibanco – que identificam o utilizador através da informação do cartão – e do voto online,cada vez mais usado nos processos eleitorais. “São sistemas muito complexos. Ao mesmo tempo que devem ser transparentes ao público, têm de conseguir preservar a privacidade dos eleitores, ninguém deve saber em quem se votou. Ou seja, temos de nos assegurar que é transparente e confidencial.”

A parte criativa é outra das aliciantes que a cativa na área das novas tecnologias, na qual sente interesse desde pequena e que escolheu por ser tão necessária nos tempos de hoje. “Quando o sistema não existe, temos de o imaginar, conceber e testar em diferentes cenários. Acaba por ser um processo criativo e eu gosto dessa componente artística.”

A paixão e a experiência facilitaram esta fase na academia, que começou em 2017. No primeiro e segundo anos do doutoramento ainda teve aulas, mas só aos fins-de-semana – horário pensado para permitir que estudantes-trabalhadores também frequentem os cursos. A organização do curso acabou por lhe ser favorável ainda que não trabalhasse, porque permitiu que avançasse com a sua investigação durante a semana. Dedicou-se a fundo ao seu trabalho de pesquisa no terceiro e último ano da formação. 

O receio de não conseguir dominar a língua chinesa – que antecipava ser um dos principais obstáculos – também acabou por se dissipar, já que o doutoramento foi todo em inglês e tanto professores como colegas tinham bom nível do idioma. “Publiquei três artigos académicosem inglês. Não houve qualquer problema.”

Ainda assim, lamenta ter aprendido pouco de chinês. Chegou a tentar, mas o doutoramento consumia-lhe o tempo que a língua também exige. “A experiência foi fabulosa. Integrei-me bem. Tinha colegas de vários sítios, incluindo da minha zona, como da Tunísia e Argélia”, sublinha. Durante a estadia de três anos do curso que concluiu em Julho, viveu em Macau e na Taipa, e dedicou-se sobretudo a conhecer a cidade e Hong Kong. Gostava de ter viajado mais, mas nunca conseguiu o visto para ir ao Interior do País e nas vezes que pensou em viajar pelo Sudeste Asiático acabou por ser desencorajada por amigos mais medrosos.

“O que me chamou muito atenção aqui foi a presença da herança portuguesa”, refere. Aponta como maior desvantagem a distância do país natal, onde só ia uma vez por ano, nas férias de Verão. “Períodos como o Ano Novo Chinês, em que todos os meus colegas voltavam a casa e eu ficava praticamente sozinha na universidade, eram bastante duros.”

Ainda assim Macau marcou-a, e tanto que, a concretizar-se o que deseja, o futuro passará por esta parte do mundo. “Quando passamos tanto tempo num sítio, acabamos por nos habituar. Talvez procure trabalho no Interior do País. A longo prazo quero voltar para a Tunísia, mas a curto prazo gostaria de ficar, quero descobrir e conhecer mais da cultura chinesa. Há muito mais que gostava de saber. Quero prosseguir a vida académica e quem sabe tornar-me professora.”

Alexandre Lebel

Universidade de São José

Doutorando em Linguística

O patuá, crioulo de Macau em vias de extinção, foi a escolha de Alexandre Lebel para o doutoramento na Universidade de São José (USJ). Curioso e interessado na origem das coisas, acabou por ser uma escolha natural. A licenciatura em Antropologia na Universidade de Montreal (2002 a 2009), e o mestrado em Ambiente, que também completou na USJ entre 2015 e 2017, não deixavam adivinhar que a linguística fosse a opção seguinte, mas Alexandre salienta as semelhanças. “Há um ponto comum: todas procuram perceber a origem de fenómenos através da pesquisa, de mergulhar num assunto. A arqueologia foi o que me atraiu na antropologia, que implica escavar o solo para se perceber um fenómeno. O mesmo se passa com a linguística, na qual temos de mergulhar nos arquivos e escavar, escavar, escavar para perceber a língua. Além disso, a vertente cultural da antropologia sempre foi a que mais me interessou.”

Desconhecia o patuá antes de chegar – ou melhor dizendo, regressar mais tarde – a Macau, onde nasceu em Julho de 1982. Foi na USJ que teve um conhecimento mais profundo do idioma depois de ter sido desafiado pelo actual orientador, Alan Baxter – especialista na investigação do português afro-brasileiro, dos crioulos de Malaca e de São Tomé e Príncipe e com vasta obra feita no estudo e na divulgação do patuá – a integrar a investigação sobre o tema. Como queria voltar às humanidades, decidiu aceitar a proposta. Começou em Janeiro de 2016, e espera terminar em breve.

“A grande mais-valia do doutoramento é o tema. A política cultural de Macau é algo muito particular. É uma cidade desenvolvida, com um estilo de vida moderno. O inconveniente de estudar aqui é que é muito pequena e acaba por ser limitada na oferta e troca de experiências. Não há tanta especialização e diversidade como nos EUA ou na Europa.”

Além da estrutura gramatical da língua, a pesquisa que tem em mãos centra-se sobretudo na parte histórica. “Através de documentos que remontam ao século XIX, estamos a fazer a comparação do patuá com outros crioulos da zona. O império colonial português abrangeu locais na Índia, Timor, Malásia e havia uma comunicação entre esses portos. As línguas que as pessoas usavam para o comércio assim como os colonos estão interconectadas”, afirma.

“A ideia que vinga é que o patuá resulta de uma mistura entre as culturas chinesa e portuguesa, mas é muito mais complexo e envolve outras comunidades asiáticas na Índia, Sri Lanka, Malásia. A origem do patuá é muito interessante. Apesar de ser normalmente representado como um resultado da mistura entre o português e o chinês, é muito mais que isso.”

Admite que é um campo difícil, especialmente devido à escassez de documentos escritos em e sobre o patuá, por ser uma língua pouco falada e porque tem sofrido mutações em função da época e de quem a usa. Exemplifica com o grupo de teatro local Dóci Papiaçám di Macau e dos textos do actor e professor macaense Carlos Coelho, que também moldaram o dialecto.

O obstáculo acaba por ser também a riqueza do campo de investigação que escolheu, já que essas alterações reflectem características de períodos e comunidades, que acabam por ser reveladoras de pontos importantes sobre a sociedade e o indivíduo. “Quando se pensa numa nação, pensa-se numa língua. A comunidade macaense, por exemplo, comprova que nem sempre tem de ser assim. Sente-se confortável com diferentes idiomas, nações e culturas, e continua a ter um sentimento de identidade. A evolução do patuá mostra inclusivamente que uma língua não tem de ter regras rígidas e acaba por se tornar no que os falantes fizerem dela. No caso do patuá, o que vai sendo acrescentado nunca é encarado como errado ou que desrespeita o original”, argumenta. “Este aspecto é muito interessante porque no mundo, e falando nos casos de Macau e Hong Kong, que nos são próximos, há questões linguísticas. Há a percepção de que é a língua que nos define. O que a comunidade acaba por nos ensinar é que não é assim tão importante ter uma visão monolítica da mesma.”

“Macau tem uma componente especial e única no que respeita ao contexto cultural porque é uma mistura interessante de vários horizontes e influências”, realça, como mais um argumento que o convenceu a enveredar pela especialização num assunto relacionado com o contexto cultural da cidade.

Apesar do interesse com que fala da tese, confessa que o futuro pende mais para o Ambiente, que nunca abandonou totalmente. Entre 2009 e 2015, trabalhou na área no Canadá, onde cresceu e viveu antes de voltar a Macau.

Na cidade, esteve envolvido em projectos como o “Nature-based Solutions for a Cleaner and Safer Macao”, financiado pela Clean the World Foundation; e o “Bringing science to the schools in Macao: from genes to ecosystems”, do Fundo para o Desenvolvimento das Ciências e da Tecnologia (FDCT) – projecto da USJ relacionado com a recuperação das florestas de mangais, desenvolvido há cerca de 10 anos e seleccionado para uma série documental da BBC. Ainda sem planos concretos, sabe que por enquanto quer ficar em Macau depois de terminar o doutoramento.

Rachel Li

Universidade da Cidade de Macau

Doutoranda em Estudos dos Países de Língua Portuguesa

O doutoramento não estava nos planos. Seguiu a carreira académica por conselho dos pais. Passados três anos e na recta final, diz que foi das melhores experiências que teve. O passo que nunca pensou dar mudou-lhe o rumo. A concretizarem-se os planos, para o ano estará em Portugal para fazer um pós-doutorado no Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE), a convite da Universidade de Lisboa. “Não tinha a ambição de fazer o doutoramento, mas agora sinto-me feliz por ter tomado esta decisão. Tenho muito claro que quero continuar a minha investigação mesmo depois de terminar o doutoramento.”

E assim será, mas em Portugal, onde quer conciliar o curso no ISCTE com outro sobre a China e os países de língua portuguesa na Universidade de Coimbra. O desfecho foi o resultado da investigação que tem em mãos: parcerias chinesas no âmbito da iniciativa “Uma Faixa, Uma Rota” com a tónica nas relações com os países lusófonos. Diz que a sorte lhe caiu no colo. O que era para ser só um trabalho para uma disciplina se tornou no tema da tese.

Licenciada em Direito pela Universidade de Nanjing e mestre na mesma área pela Universidade de Macau, achou que fazia sentido enveredar agora pelo âmbito das Relações Internacionais. Decidiu-se pelo programa de Doutoramento em Estudos dos Países de Língua Portuguesa, da Universidade da Cidade de Macau (CityU, na sigla em inglês), por causa do enfoque na lusofonia.

“Há um grande interesse dos alunos chineses neste instituto, mas a maioria julga que se limita ao ensino do português. Diria que o mais importante é o que aprendemos sobre as relações entre a China e os países de língua portuguesa”, vinca.

Acrescenta às vantagens as oportunidades que teve na cidade. Salienta as diversas conferências em que participou e os simpósios anuais organizados pela CityU, dos quais resulta um livro com os trabalhos dos participantes. Para o ano, será publicado o que também assina por ter sido uma das intervenientes da última conferência. Há mais dois detalhes a acrescentar à lista: em 2019 ganhou o prémio de melhor artigoacadémico, e este ano a bolsa do Instituto de Estudos Europeus.

“A última fase de investigação da minha tese é sobre a resposta a problemas, ou seja, o potencial e vantagens do centro de arbitragem em Macau no que respeita às relações entre a China e os países de língua portuguesa”, detalha. “Basicamente, quero seleccionar diferentes centros de arbitragem na China, Portugal, Macau entre outros, talvez de Hong Kong e Singapura, e conduzir um estudo comparativo. Espero que a minha investigação contribua para reforçar o papel de Macau.”

Além da parte académica, cativa-a o ambiente. Cada turma do doutoramento tem por norma 15 alunos, e apesar da maioria ser do Interior do País há sempre alguns estudantes de outras partes do mundo. Desde que iniciou a formação, teve colegas de Cabo Verde, Portugal, Moçambique e Índia. As aulas são em chinês e inglês, em função da cadeira, mas Rachel acabou por aprender cantonês e português. Dedicou-se à língua portuguesa por iniciativa própria. Depois de um curso na Universidade de Macau e outro online de Verão na Universidade do Porto, já diz em português que consegue falar “um pouco”. Quanto ao cantonês, conta que sempre percebeu, mas não falava. Hoje é fluente graças à ajuda do colega com quem partilha casa e aos cinco anos que já leva na cidade. “Na altura de escolher um mestrado, submeti candidaturas em Macau e no Interior do País. Acabei por escolher Macau. Já tinha feito a licenciatura em Nanjing, cidade próxima da minha terra natal, e Macau era novidade”, refere.

“A vida em Macau é muito agradável. O que mais me tem marcado são as pessoas, muito acolhedoras e simpáticas. Fascina-me como são prestáveis e dedicadas mesmo quando não há uma relação próxima.”

Eric Chan

Universidade de Macau

Recém-doutorado em Engenharia Electromecânica

Nasceu, cresceu e foi em Macau que cumpriu o percurso académico. O doutoramento no território foi um passo óbvio para Eric Chan, que queria aprofundar ainda mais  conhecimentos na área da Engenharia Electromecânica, a que se dedica desde a licenciatura (2005-2009). Fez todo o seu percurso na Universidade de Macau – o mestrado entre 2009 e 2011, seguido do doutoramento e agora, mais recentemente, tornou-se investigador da instituição.

Nunca interrompeu a vida académica. Começou o doutoramento logo depois do mestrado, em 2011, e concluiu-o em finais do ano passado.

Ao longo da última década, o tempo foi consumido entre o curso e o trabalho na faculdade. “Uma das grandes lições do doutoramento é aprender a ser independente. Temos um orientador que nos aconselha, mas a maioria das vezes estamos por nossa conta e somos nós que temos de procurar a solução para o problema. É de um grau de exigência muito elevado que nos obriga a sermos determinados se queremos cumprir as metas a que nos propomos. Ter o diploma é muito importante, mas o caminho é ainda mais.”

Confessa que não foi fácil, e agora que estava prestes a terminar, quando falou com a MACAU, só pensava em dedicar mais tempo aos hobbies, como a música e a fotografia. “Estudar e trabalhar foi bastante complicado. Passava praticamente todos os fins-de-semana e férias, como o Ano Novo Chinês, encerrado no quarto a escrever a tese”, recorda Eric, agora com 33 anos.

Não o lamenta. Está convicto de que acertou na carreira. Quer continuar a trabalhar na Universidade de Macau e na área que elegeu, sobretudo pelos benefícios que os estudos que tem levado a cabo podem representar para a sociedade. “A tecnologia é fundamental hoje em dia. Está em tudo na nossa vida e está-se sempre a inventar novas formas de a usar. Na minha linha de investigação procuro criar vias alternativas na área da electromecânica usando a tecnologia para reduzir a poluição.”

Em jeito de balanço, fala das vantagens e desvantagens de estudar em Macau. Diz que para quem quer trabalhar na cidade é sem dúvida fundamental, sobretudo na licenciatura, já que é a melhor forma de se conhecer a sociedade local e também de se ganhar uma rede de contactos que podem depois abrir portas. “Conhecem-se várias pessoas da área e que estão em boas empresas e em cargos importantes. É a melhor forma de se entrar no mercado”, salienta. Já sobre o doutoramento, aponta como grande mais-valia o apoio da universidade para tirar o maior proveito de outra componente inerente à academia: o contacto com outras universidades e investigadores. “Já estive nos Estados Unidos, Japão, Xangai, Hong Kong. Assisti a inúmeras conferências. Ao mesmo tempo, ter estudado aqui também me permitiu continuar com outros interesses que tenho, como a música e a fotografia.”

A ausência de alunos de outras partes do mundo é a desvantagem que encontra em escolher Macau. “Há alguns estudantes de fora, mas não há assim tantos como noutros locais. No caso da licenciatura, a maioria são locais. No doutoramento, são sobretudo do Interior do País”, afirma.

Já os professores são maioritariamente de Macau, do Interior do País e de Hong Kong, mas o doutoramento é lecionado em inglês. “Não houve problema nenhum. Aliás, seria muito mais difícil em chinês porque já estava habituado ao idioma uma vez que a licenciatura e o mestrado já foram em inglês”, realça.

Cristina Yang Shu

Instituto Politécnico de Macau

Doutoranda em Português

Foi no curso de Linguística, na Universidade de Estudos Estrangeiros de Tianjin, na China (2005-2009), que Crisitina Yang Shu despertou para a língua portuguesa. O caminho que começou por traçar há quase uma década trouxe-a a Macau e conduziu-a ao doutoramento em Português do Instituto Politécnico de Macau (IPM), onde também dá aulas há quatro anos. “Senti a necessidade de formação mais aprofundada. Depois de contactar com várias universidades e de conhecer os currículos, achei que o programa do IPM era o ideal para mim”, começa por dizer.

O curso está dividido em três áreas de especialização: ensino de língua portuguesa, literatura e cultura dos países e regiões de língua portuguesa e estudos de tradução, e inclui, entre outras, as cadeiras de Didáctica, Gramática e Tradução. “Também temos literaturas e culturas de Portugal, do Brasil e de outros países lusófonos. Combinando todos os factores, achei que era perfeito”, acrescenta a professora de 33 anos, originária da província de Jiangsu.

O passo foi natural depois de 10 anos de carreira como docente, tanto em Macau como no Interior do País, tendo leccionado português na universidade onde se licenciou, em Tiajin, até 2016.

Antes passou ainda por Portugal, onde fez um ano de intercâmbio no terceiro ano da licenciatura e voltou para fazer o mestrado, entre 2012 e 2014, na Universidade do Minho. “Gosto do ensino e acho importante dedicar-me a um estudo relevante enquanto professora. Ainda existem muitas lacunas na área do ensino do português como língua estrangeira para chineses. Acho que é pertinente a investigação nessa área e o IPM tem professores para me orientar.”

O currículo e a facilidade de contactar com docentes e orientador por ser também a cidade onde vive e trabalha foram outros dos factores que a convenceram a optar pelo IPM. “Acho fundamental o contacto presencial”, frisa, lamentando, por outro lado, a ausência do mesmo contacto com insitituições e alunos da área lá fora. “Aqui somos só nós, um grupo pequeno. É difícil chegar ao outro lado do mundo, Portugal ou Brasil. Falta-nos um contacto mais próximo com outros lusófonos.”

Escolheu a área da línguistica incialmente por interesse, mas também por achar que pode contribuir para a política e relações entre países, neste caso entre Portugal, os países lusófonos e a China.

Com o doutoramento, que iniciou em 2019 e que deverá concluir em 2022, Cristina Yang espera consolidar a formação, mas também ajudar à consolidação de Macau como plataforma entre a China e os países de língua portuguesa – objectivo que diz ser transversal aos colegas, maioritariamente professores universitários em Macau e no Interior do País. “É um motivo comum a todos os doutorandos deste curso. O português é uma língua que nos traz vantagens no campo profissional. Podemos aproveitar o doutoramento e conhecimentos adquiridos para formar mais tradutores e intérpretes para os governos de Macau e da China.”