Skaters aplaudem iniciativa do Governo de criar primeiro a primeira área dedicada exclusivamente à prática do skate, no novo espaço de lazer a ser construído nos quatro terrenos não aproveitados no centro da Taipa. Dizem que o espaço fará toda a diferença para quem anda, mas também para a população, e falam dos benefícios deste desporto radical
Texto Catarina Brites Soares | Fotos Gonçalo Lobo Pinheiro
Miguel Khan, Pedro Domingues, Diogo Silvério, Erik Wong e Marc Andrew são apenas uma amostra de uma comunidade que cresce e se rendeu aos skates. Deslizar sobre a tábua assente em quatro rodas, e com ela arriscar acrobacias, é uma paixão desde que se lembram. À MACAU explicam como é importante haver um espaço específico onde possam treinar sem constrangimentos e salientam o impacto que o desporto pode ter numa sociedade. O convívio entre pessoas de diferentes contextos e a dedicação a uma prática saudável são algumas das vantagens que destacam.
“Em muitos países e cidades de fora, os skate parks são concebidos com o objectivo de promover o espírito desportivo entre os jovens através da prática de modalidades alternativas”, salienta Miguel Khan. “É importantíssimo termos de novo skate parks na cidade. Nos anos de 1990, tínhamos um mini half-pipe no Espaço Sintra e um skate park no ZAPE. Não haver nada agora dá a sensação de que andamos para trás.”
Pedro Domingues recorda com nostalgia o espaço do ZAPE de que Miguel Khan fala. “Era como uma casa para mim”, descreve, indicando a grande quantidade de tempo que ali passou a andar de skate. Lamenta, por isso, que tenha sido substituído por outras instalações de lazer, e defende que a estrutura devia ter sido remodelada em vez de demolida.
O skater elogia a iniciativa do Governo em ter um espaço para a prática de skate na Taipa, e realça como é importante diversificar as áreas de lazer. “Não pode ser tudo igual. Os parques têm sempre o mesmo formato. Há seguramente mais de 30 miúdos neste momento a andar de skate em Macau. Precisam de uma zona que seja apropriada, que lhes ofereça condições para praticarem em segurança e poderem evoluir”, defende Pedro Domingues.
A ausência de um espaço próprio levou Diogo Silvério a mobilizar-se com amigos há uns anos, quando ainda era adolescente, para que fosse construído um parque de skates. Mais novo que Miguel e Pedro, já cresceu numa Macau sem estruturas específicas para andar. Restavam-lhe os espaços públicos como a Praça da Amizade, onde ainda hoje se reúne a comunidade de skaters. O ímpeto acabou por morrer por achar que ninguém jamais daria ouvidos a adolescentes. Já não acreditava que pudesse acontecer. “A ideia é fabulosa, sobretudo porque vai estar dentro de um parque público”, destaca.
Interpreta a decisão do Governo como um reconhecimento do desporto, que passou a ser considerado uma modalidade olímpica e que este ano estaria entre as competições dos Jogos Olímpicos do Japão, adiados por causa da pandemia.
Já Erik Wong enfatiza que à semelhança de outras modalidades, exige treino e facilita haver uma zona específica para andar. “A cultura do skate está a crescer de uma forma incrivelmente rápida , especialmente nos miúdos”, constata. “Não importa quantas vezes caiem, persistem. Levantam-se e continuam a tentar.”
Mark Andrew reforça a ideia: “Quem quer aprender, sabe que pode ir para ali. Claro que podemos andar em qualquer lado, é o que fazemos há anos, mas é muito mais seguro ter um espaço próprio.”
Mais do que um desporto
A segurança, para os que praticam e para os outros, é um dos principais benefícios que os skaters apontam com a criação de um espaço próprio na Taipa, já que deixa de haver a preocupação de poder aleijar terceiros. “Há pessoas que têm uma má impressão sobre o desporto e assumem que os skaters são mal-educados, e que só criam caos e barulho”, lamenta Diogo Silvério, que acredita que o novo espaço vai ajudar a mudar mentalidades. “Vai fazer com que as pessoas percebam melhor o que é andar de skate e que estejam mais receptivas a quem o faz.”
Ainda assim, ressalva que o desporto não deve estar limitado a uma área. “A melhor parte de andar de skate é a liberdade de circular, descobrir e explorar zonas distintas da cidade.”
Khan reforça que fará toda a diferença. “Temos muita falta de espaços recreativos de interesse, e os jovens precisam de áreas assim para interagirem e canalizarem as energias, para se divertirem através do desporto alternativo em vez de estarem sempre fechados dentro de quatro paredes em frente aos ecrãs”, afirma. Se já é bom o Governo estar a investir em mais espaços de lazer, continua, ter um skate park é um “grande bónus”.
Sabe do que fala. Andar de skate marcou-o e mudou-o. Não se esquece quando conseguiu convencer os pais a comprarem-lhe o primeiro skate, tinha 13 anos. “No início, adorava apenas a ideia de deslizar sobre superfícies e manter-me de pé sobre a tábua. Ultrapassando isso, como qualquer miúdo, já não pensava noutra coisa senão em dar saltos e desafiar a lei da gravidade”, recorda Miguel Khan.
Já lá vão quase 30 anos desde que o skate passou a ser um estilo de vida. “Tornou-se uma forma de criar e manter contactos com gente de todo o mundo. Como acontece em todos os desportos, andar de skate une as pessoas mesmo quando há limitações de comunicação.”
Marc Andrew, de 28 anos, é exemplo disso. Há mais de 10 anos mudou-se para Macau sem saber falar uma palavra de cantonês. O skate quebrou barreiras. “Basta uma tábua de madeira com quatro rodas para se ter amigos em qualquer lado. É por isso que tanta gente começa muito cedo e nunca mais deixa de o fazer.”
É uma forma de estar, concorda Pedro Domingues. “O que mais gosto é do perigo e da capacidade de vencer medos e desafios”, descreve. Aos 38 anos, as costas e os joelhos obrigaram-no a desacelerar, mas não para desde os seis, quando teve o primeiro skate. “Nunca mais me esqueço do momento em que o meu pai ofereceu-me o primeiro skate. Ficou selado na minha memória e ainda hoje consigo sentir a mesma alegria quando me lembro desse momento. Nunca mais deixei de andar.”
O skate é muito mais que um desporto, reitera Erik Wong. Aos 29 anos, após mais de 12 de prática, diz que não há nada que se assemelha ao prazer de rolar. “A velocidade, a satisfação de conseguir uma manobra que praticamos vezes e vezes sem conta até conseguirmos. Nada se compara. Obriga-nos a ter uma postura na vida, a não fugir dos problemas ou dificuldades quando surgem, mas a encará-los até que se superem.”
Para Diogo Silvério é uma terapia desde os 13 anos, quando se estreou. Depois de comprar a primeira tábua em Hong Kong, numa altura em que ainda não havia lojas em Macau que vendessem o artigo, nunca mais parou. Aos 26 anos continua a saltar para cima do skate quatro a cinco vezes por semana, sempre que tem um tempo livre. “Tenho conhecido tanta gente e feito tantos amigos ao longo destes anos. Mais velhos, mais novos, locais, estrangeiros. Conheci pessoas dos mais variados contextos e tudo se deve ao skate.”