Os Pixels, o DJ Marco Aurélio e a dupla Concrete Lotus são alguns dos artistas que actuam em espaços ao ar livre no âmbito do programa lançado pelo Instituto Cultural. A iniciativa tem como objectivo dinamizar a cidade com mais arte e cultura
Texto Catarina Brites Soares | Fotos Gonçalo Lobo Pinheiro
A cada esquina, a cada jardim, para cada pedestre que passa uma oportunidade de mostrar a sua arte. Assim são os buskers, termo em inglês usado para definir os artistas de rua, que cada vez estão mais presentes nos espaços públicos da cidade. À MACAU, o Instituto Cultural (IC) explica que o “Programa Excursionando pelas Artes”, lançado em Novembro de 2016, pretende incentivar os artistas a realizarem espectáculos em locais públicos, que são previamente definidos pelo Governo. “O programa tem permitido aos buskers interagir com o público através de actuações únicas ao vivo, proporcionando uma plataforma de criação artística, bem como um excelente espaço de intercâmbio cultural destinado a promover o contacto e a aprendizagem mútua entre os artistas locais e estrangeiros. O programa reúne assim todo o tipo de actuações criativas, contribuindo em grande medida para a atmosfera artística da cidade e para fazer da arte uma paisagem urbana diária”, realça o organismo.
Até Junho deste ano, 428 artistas de Macau e do exterior receberam um “Cartão de Busker”, que lhes permite actuar nos “Pontos de Busking” definidos pelo Governo: o Anim’Arte Nam Van, as Casas-Museu da Taipa, o Jardim da Fortaleza do Monte e o Largo do Pagode da Barra.
O programa está aberto a todas as artes performativas – teatro, dança, música, magia, artes folclóricas e malabarismo –, as artes visuais, com a criação ao vivo e exposição de todo o tipo de obras, e ao artesanato criativo, estando igualmente previsto a produção in loco e exposição.
O IC sublinha ainda que já houve actuações de artistas locais, do Interior do País, de Hong Kong, da Europa de Leste e da América do Sul. Até ao momento, aponta, as actuações atraíram cerca de 130 mil espectadores. “Através do programa, o Instituto Cultural espera construir uma plataforma artística mais ampla e criar uma paisagem cultural em Macau que evoque o espírito da arte de rua das cidades europeias.”
Artistas aplaudem
A dupla Concrete Lotus aprova a medida e defende que Macau precisa de mais palcos para os artistas locais. Kelsey Wilhelm e Joana de Freitas referem que a ausência de espaços de actuação faz com que, em geral, os artistas locais busquem reconhecimento além-fronteiras. “Com esta mudança de atitude abre-se e usa-se a cidade como palco. Macau tem locais espectaculares para servirem de palco: as ruas, os terraços. Isto torna não só a cidade mais viva, mais cultural, como também permite a quem é daqui sentir que pertence, que pode usar Macau”, afirmam.
O DJ Marco Aurélio também elogia a iniciativa. “Quando as coisas são bem feitas, existe um potencial benéfico enorme para todos. Do que vi, pelo menos no que toca à música, nota-se que tem havido um esforço para trazer várias referências musicais e em utilizar espaços públicos para o efeito, estratégia que na generalidade parece estar a surtir um efeito positivo”, realça o artista que já tocou duas vezes no âmbito do programa.
Actuar em espaços públicos, diz, acaba por ser mais libertador e proporcionar uma experiência diferente. “Num local público, não tenho expectativas. Tanto existem pessoas que se interessam pelo que estou a fazer como o oposto. Isso é bastante libertador, porque me permite trabalhar e experimentar outro tipo de sonoridade sem qualquer pressão em satisfazer um público, que é o que acontece num evento organizado, em que existem expectativas de ambas as partes e preocupação acrescida em proporcionar uma boa experiência.”
Marco Aurélio acrescenta que há mais margem para experiementar e de poder ganhar experiência. “Ao público possibilita um contacto próximo, sem compromissos, com uma experiência musical num espaço que não foi necessariamente pensando para esse efeito, o que pode resultar em algo bastante enriquecedor para ambas as partes”, acredita o DJ, que se lançou na electrónica ainda nos tempos em que estava na universidade. “Já há alguns anos que ouvia música electrónica e produzia sons próprios, e nessa altura decidi experimentar misturar música. Arranjei um pequeno controlador que se liga ao computador, que ainda hoje utilizo, e assim foi.”
Em Macau, costuma passar música em eventos de espaços privados, mas, mais recentemente, e ao abrigo do programa do IC, protagonizou concertos nos Lagos de Nam Van, no espaço Anim’Arte.
O palco dos Pixels foi do outro lado do rio, nas Casas-Museu da Taipa, onde actuaram ao fim da tarde num concerto que reuniu vários artistas. “Achamos espectacular haver estas iniciativas que promovem os artistas em Macau. De louvar e para continuar”, afirma Nuno Gomes, em nome do grupo local. O vocalista da banda diz que a experiência foi excelente. “A equipa de som, os apresentadores, a dinâmica gerada com a rotação das bandas e a linda paisagem por trás fez dos nossos dois concertos lá algo muito bonito, a recordar.”
A estreia marcou o grupo, que reinterpreta os originais da banda norte-americana Pixies, de rock alternativo formada em Boston, Massachusetts, em 1986. Nuno Gomes conta que a ideia de se juntarem surgiu “após a triste notícia” de que os Pixies tinham cancelado a vinda a Hong Kong para um concerto no dia 3 de Março. “Eu e o Marco [Man] íamos vê-los, e como são a minha banda preferida, senti que tinha de fazer algo e disse ao Marco: ‘Agarra no teu baixo e vamos trazer os Pixies a Macau. O Marco desatou a rir-se e adorou a ideia”, lembra.
À dupla juntou-se Pedro Lagartinho na bateria, que já tocava com Nuno Gomes no grupo Real Blood; Lisa Wong como back vocals; Daniel Ricardo e João Kruss Gomes nas guitarras. Assim nasceram os Pixels, que já deram vários concertos em bares e salas de espectáculos da cidade, como a associação cultural LMA, e, mais recentemente, no Festival de Música.
Nuno Gomes aponta duas diferenças na actuação ao ar livre: a qualidade do som – “que estava espectacular”, e o tempo limitado. “Quando tocamos num bar somos nós a controlar tudo e podemos estender o espectáculo. Num concerto no LMA devemos tocar 23 músicas. Nas Casas-Museu da Taipa só deu para tocar 11”, explica.
Gomes considera no entanto que a experiência é uma mais-valia tanto para o artista como para o público. “Estes eventos dão a oportunidade de ver bandas quer em família, quer num ambiente bastante descontraído.”
Os Concrete Lotus, que também actuam nas Casas-Museu da Taipa, concordam que a população só tem a ganhar. “As pessoas não querem estar entre quatro paredes ao fim-de-semana. Querem aproveitar a cidade. Quando os eventos são publicitados, até há muita adesão.” Com mais de 10 anos no activo, a dupla já actuou no Interior do País, em Hong Kong e em vários locais de Macau, como a associação LMA, o festival Hush e vários outros espaços privados. Kelsey e Joana, que se tornou vocalista em 2014, confessam ser difícil escolher entre a rua e o recinto fechado. “Gostamos de actuar. Isso acima de tudo”, vincam, com a ressalva: “Tocar em Macau tem sempre um sabor especial. Se for na cidade, no que se associa a espaço público, talvez tenha um significado maior porque somos daqui, Macau é a nossa casa. É a cidade que dá o mote à banda.”
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Passos para actuar nas ruas
Para se ter o cartão de busker (artista de rua, em português), que permite que se actue nos espaços designados, o Instituto Cultural (IC) explica que os interessados têm de ser maiores de 14 anos, sendo que até aos 17 anos deve ser entregue uma autorização assinada pelo encarregado de educação. As candidaturas podem ser feitas online, gratuitamente, através da página do Instituto Cultural ou pessoalmente no edifício do organismo. Os candidatos recebem um “Cartão de Busker” no terceiro dia útil a partir do dia seguinte após ser entregue a documentação necessária, detalha o IC. As actuações têm lugar todas as sextas-feiras, sábados, domingos e feriados, entre as 11h00 e as 21h00, com excepção do Largo do Pagode, que acolhe espectáculos de segunda-feira a domingo, entre as 14h00 e as 18h00. Os grupos não devem exceder os cinco elementos.