Prevenir para não remediar

Macau tem adoptado novas medidas para estimular a economia sem correr riscos de importação de casos e de contágio local. Para já, a circulação de pessoas limita-se a cidadãos nacionais residentes nas nove cidades da Grande Baía e de Macau, mas com restrições. O sector económico ressente-se, mas o Governo enfatiza que a prioridade é a segurança da população  

Texto Catarina Brites Soares | Fotos GCS 

As regras mudaram. Macau e as restantes cidades da Grande Baía, com excepção de Hong Kong, decidiram abrir fronteiras aos nacionais. A quarentena deixou de ser obrigatória, mas há outras regras que visam impedir que o vírus reincida. Desde dia 15 de Julho, quem for de ou vier para Macau pela província de Guangdong deixa de cumprir os 14 dias de isolamento obrigatório, desde que apresente na fronteira o Código de Saúde de cor verde das respectivas zonas e um resultado negativo ao teste de ácido nucleico de Covid-19, que tem duração de sete dias.  

Hubei e Pequim também deixaram de fazer parte da lista de zonas de alta incidência epidémica, ou seja, quem vier do Interior do País fica isento de quarentena se não tiver estado noutras áreas de risco nos 14 dias precedentes. Quem entre em Guangdong terá, no entanto, de ter um número de telemóvel activo no Interior do País e o código de saúde respectivo da província.  

Excluídos das prerrogativas estão as pessoas diagnosticadas com Covid-19 nos últimos tempos, os casos suspeitos e quem tenha tido contacto próximo com pacientes infectados ou que apresentem sintomas. O mesmo acontece com quem esteve fora de Macau ou do Interior do País nos 14 dias anteriores. 

Apesar da abertura, continua a haver limitações nas entradas. A China ainda não emite novos vistos individuais para Macau e não permite a entrada de turistas ou residentes locais estrangeiros. Os residentes de Macau que não tenham nacionalidade chinesa não podem, por isso, entrar no Interior do País sem cumprir a quarentena. 

Também a partir de 15 de Julho, e na sequência do alívio da circulação na região, passou a ser obrigatório um teste negativo à Covid-19 para se entrar nos casinos, que tem de ser feito a cada sete dias. A obrigação abrange turistas e residentes. A Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos pretende estender a despistagem aos funcionários. O plano – que visa ser uma medida de prevenção adicional – é que todos os trabalhadores dos casinos sejam sujeitos a testes regulares. As análises serão gratuitas, feitas de forma faseada e por grupos, tendo prioridade os trabalhadores da linha-da-frente, como seguranças e croupiers

Alvis Lo Iek Long, médico-adjunto da direcção do Centro Hospitalar Conde de São Januário, explicou a decisão com o facto de o risco de contágio poder aumentar agora que o movimento entre Macau e Guangdong é mais fácil e acessível. 

Sobre as restrições de circulação entre os territórios, a secretária para os Assuntos Sociais e Cultura, Elsie Ao Ieong U, já tinha indicado, a 10 de Julho, que o Governo estava em comunicações com as autoridades do Interior do País e de Hong Kong, sobre medidas de facilitação da passagem fronteiriça. A governante garantiu que o Executivo continuava a acompanhar a situação da epidemia para aplicar, oportunamente, novas medidas adequadas, tendo como prioridade a segurança dos residentes de Macau. 

A secretária afirmou que, tendo em conta a terceira vaga que atinge agora Hong Kong, é necessário aguardar pelo momento apropriado para implementar novas medidas de circulação entre as duas regiões administrativas especiais. Elsie Ao Ieong U sublinhou que o Governo continua a dar atenção ao desenvolvimento do surto nas regiões vizinhas, especialmente através da ligação entre os Serviços de Saúde de Macau e os serviços homólogos de Hong Kong, no sentido de se decidir a altura certa para alterações. 

Alvis Lo Iek Long reforçou que o Governo está muito atento à situação de Hong Kong, e que já foram tomadas várias medidas preventivas. Para já, a actual mobilidade entre Macau e Hong Kong é extremamente baixa e todas as pessoas que entram no território são submetidas à observação médica de isolamento de 14 dias num local designado e sujeitas a dois testes virais de ácido nucleico. 

O médico-adjunto referiu que a primeira condição para a implementação de medidas para facilitar a deslocação transfronteiriça é que a situação epidémica em ambos locais seja semelhante. A saúde do público, garantiu, deve ser a primeira prioridade. 

Alvis Lo explicou que o regresso à normalidade está dependente de vários aspectos, incluindo de uma vacina eficaz contra a Covid-19, e deixou avisos sobre o alívio na prevenção. Lembrando os conselhos que o especialista em doenças respiratórias Zhong Nanshan deixou aos Serviços de Saúde depois da experiência com o SARS, sublinhou que prevenir é fundamental para impedir recaídas. “Ou seja, temos de guardar bem a nossa porta. Por um lado, temos de recuperar a economia, mas temos de ter em conta que a prioridade é a prevenção da epidemia em Macau”, realçou o especialista, em conferência de imprensa, em finais de Junho. Lo evitou fazer previsões sobre quando a cidade poderá voltar à normalidade, lembrando que ainda não há uma vacina e de que o vírus continua activo em várias partes do globo.  

Em resposta à terceira vaga que surgiu em Hong Kong, o Governo da região vizinha anunciou que os alunos das escolas primárias e secundárias e de jardins-de-infância iriam antecipar as férias de Verão para 13 de Julho. Em Macau, Wong Ka Ki, chefe do Departamento de Ensino da Direcção dos Serviços de Educação e Juventude (DSEJ), garantiu que o organismo “está muito atento à evolução epidémica das regiões vizinhas”. “Se houver emissão de avisos, de imediato, as escolas serão chamadas a executar o trabalho de prevenção de epidemia de acordo com as orientações relativas à prevenção de epidemia dos Serviços de Saúde e as orientações da DSEJ, possibilitando, a tempo, verificar se há omissões e deficiências no trabalho de prevenção de epidemias”, frisou em conferência de imprensa, a 11 de Julho. 

Já com Zhuhai o alívio das restrições deu-se logo a 29 de Junho. O Governo aumentou a quota diária de residentes que podiam cruzar a fronteira para a cidade vizinha sem cumprir quarentena de mil para 3000. A 6 de Julho, a medida foi estendida às restantes cidades da Grande Baía: Cantão, Shenzhen, Foshan, Huizhou, Dongguan, Zhongshan, Jiangmen e Zhaoqing. 

Desde 16 de Junho que os residentes de Macau podiam pedir a dispensa da quarentena mediante pedido prévio para a deslocação a Zhuhai por motivos específicos – missão oficial, comercial ou em casos especiais. Medida entretanto alargada a todos os nacionais.

De volta 

Entretanto, mais 1400 residentes regressaram a Macau através de um novo corredor especial criado entre o Terminal Marítimo da Taipa e o Aeroporto de Hong Kong, esteve em funcionamento de 17 de Junho a 16 de Julho. O serviço de transporte especial entre Hong Kong e Macau visou sobretudo estudantes locais e pessoas retidas em Macau que tinham de regressar a casa. A secretária para os Assuntos Sociais e Cultura disse que o Executivo local teve todo o apoio de Hong Kong para estabelecer a ligação assegurada por duas embarcações diárias. À semelhança do que já tinha acontecido da primeira vez, a reabertura de um canal especial permitiu que quem partisse ou chegasse a Macau não fosse obrigado a fazer quarentena no território vizinho, mas apenas em Macau.  

Após 78 dias sem novos casos, Macau registou mais um em Julho. Um residente de 57 anos, vindo das Filipinas, tornou-se assim o 46.º caso confirmado de Covid-19 em Macau. Alvis Lo Iek Long explicou, na altura, que era previsível haver mais casos, tendo em conta que o território voltou a receber residentes que estavam noutras zonas do mundo onde o vírus se encontra activo. O médico ressalvou, no entanto, que a probabilidade de infecção local era inferior a um por cento.  

Na mesma altura, o Governo decidiu que os residentes com partida de países como Índia, Paquistão, Bangladesh, Filipinas, Indonésia e Brasil tinham de apresentar um teste negativo à Covid-19. Só depois do teste – que tinha de ser feito por uma entidade médica qualificada do respectivo país – poderiam registar-se para usar o corredor marítimo especial.  

A obrigatoriedade foi estendida em meados de Julho a todos os passageiros de embarcações, de aeronaves que partam de Macau e que apanhem autocarros de transporte da Ponte Hong Kong-Zhuhai-Macau. Os passageiros devem apresentar o certificado de resultado negativo do teste de ácido nucleico de Covid-19 emitido nos últimos sete dias comprovado através da emissão dos respectivos certificados no Código de Saúde de Macau. 

O objectivo, segundo as autoridades, é de “proteger a saúde dos trabalhadores e dos passageiros” que utilizam os meios de transporte. 

“A nossa situação está neste momento muito bem controlada, mas não podemos ter a certeza de que não há casos ocultos ou algum infectado sem sintomas. Por isso, esta medida pode assegurar que, saindo de Macau, não há o risco de alguém levar o vírus, o que poderá trazer também riscos para os passageiros do mesmo barco ou avião assim como contaminar os tripulantes, que, por sua vez, podem depois transportar este risco de infecção para a sua comunidade”, afirmou a coordenadora do Núcleo de Prevenção e Doenças Infecciosas e Vigilância da Doença, Leong Iek Hou. 

Continua a ser obrigatório que os indivíduos que entrem em Macau, vindos do exterior, de Hong Kong e de Taiwan, cumpram a observação médica por 14 dias nos locais designados.  

Reaberturas 

Nos últimos meses, também foram reabertas mais instalações públicas, como os centros de acção social, de apoio à família e de convívio para jovens e idosos, num total de 90, no dia 1 de Julho.  A reabertura das instalações sob a alçada do Instituto de Acção Social foi faseada e todos os funcionários – cerca de mil – tiveram de fazer o teste de ácido nucleico. 

Também as creches subsidiadas retomaram a actividade a 22 de Junho. Tal como com os infantários, o objectivo foi o de garantir uma alternativa aos encarregados de educação que não têm quem tome conta das crianças, 800 segundo as estimativas do IAS.  

Apesar da abertura, estão proibidas as actividades educativas, o número de alunos é limitado e os funcionários terão de fazer regularmente o teste da Covid-19. 

As piscinas e os campos de futebol públicos também abriram portas, mas com um “ajustamento do número de acesso de utentes e do horário de funcionamento” para o reforço dos trabalhos da limpeza e da desinfecção. 

*** 

Governo Central agradece a Macau 

O Ministério dos Negócios Estrangeiros da República Popular da China, através do Comissariado do Ministério dos Negócios Estrangeiros em Macau, agradeceu, através de uma carta, ao Governo o apoio prestado na deslocação de uma equipa de profissionais de saúde a África para a luta contra a epidemia.  

Segundo uma nota publicada pelo Governo, a carta agradece a missão conjunta do grupo de peritos médicos antiepidémico do Governo da China, composta por elementos de Chongqing e de Macau, que entre 14 de Maio e 11 de Junho esteve na Argélia e no Sudão a ajudar na luta contra a epidemia. O comunicado refere que “o grupo de especialistas superou diversas dificuldades como amarguras da jornada, condições difíceis e uma severa situação da epidemia nos dois países”. “Com grande responsabilidade e espírito de missão, dedicaram todos os esforços ao trabalho, através de vários meios, como visitas in loco, realização de seminários e comunicações multimédia partilhando experiências anti-epidémicas com as autoridades locais de saúde, as instituições médicas e o escritório de representação da Organização Mundial de Saúde, o que ajudou efectivamente a comunidade local a melhorar o nível de prevenção da epidemia”, lê-se na nota. 

Foi a primeira vez que Macau enviou profissionais ao exterior para missões de resposta a emergências médicas internacionais. “No intuito de promover a cooperação de saúde entre a China e os países, aprofundar o desenvolvimento de relações bilaterais, Macau tem prestado todos o apoio possível”, sublinha o comunicado. “Com vista a destacar a imagem do nosso Estado como um grande país responsável, contribuir positivamente para a prática do conceito sobre a construção de uma comunidade de destino humano, a RAEM, ao mesmo tempo, conseguiu mostrar junto da comunidade internacional, a prática bem sucedida de “um país, dois sistemas” com características de Macau”, acrescenta-se.