Se em pequeno lhe dissessem o que seria quando crescesse, dificilmente iria acreditar. Elvis Mok foi professor e chegou a considerar seguir Comunicação. Taiwan foi uma hipótese, mas optou por Macau para ficar, cidade onde também nasceu, cresceu e trabalha. O artista de 37 anos acabou por seguir as pisadas do pai – um dos mentores – e é hoje uma revelação nas artes da poesia e caligrafia chinesas, que nunca gostou em criança. À MACAU conta como uma levou à outra
Texto Catarina Brites Soares
“Partir do micro para entender o macro.” É o que Elvis Mok procura na poesia e na caligrafia, as artes das quais fez profissão e se afirmou no território onde nasceu em 1982. Hoje é apaixonado por ambas, apesar de não ter sido daqueles amores à primeira vista. “Venho de uma família muito ligada à educação. Sempre estudei em escolas nas quais os meus pais ensinavam, o que fez com que crescesse com os olhos postos em mim e isso fazia-me sentir uma grande pressão. Muitos dos meus familiares são professores ou estão ligados ao sector da educação. Portanto, venho de uma família bastante tradicional. Não tinha qualquer interesse em caligrafia quando era pequeno”, começa por contar.
Tudo mudou quando se cruzou na universidade com a professora Au Chung-to – outra das suas mentoras –, que o incentivou a escrever poesia quando estava na faculdade. “Senti que devia ter uma escrita bonita para escrever os meus poemas e foi assim que comecei a desenvolver o interesse pela caligrafia”, recorda.
Foi só na universidade que percebeu a importância de escrever bem, e que passou a olhar para a caligrafia como uma forma de preservar a origem da cultura tradicional e de a transmitir.
É por defender que a arte da caligrafia transporta o significado e a beleza da tradição que assume estar preocupado com o avanço rápido da tecnologia pelas consequências que poderá ter na forma como as crianças escrevem à mão. À MACAU esclarece que não é um crítico ao desenvolvimento, mas ressalva que as novas tecnologias de comunicação reduzem as capacidades de os mais novos usarem uma caneta para escrever e desfrutarem dessa experiência. “Podem acabar por deixar de saber como se exprimir de uma forma tão simples.”
Entende-se a preocupação quando pouco depois explica porque a poesia e a caligrafia se tornaram tão determinantes: “São formas que encontro para o meu enriquecimento espiritual, e ajudam-me a explorar a humanidade na vida real e a aprender com ela”.
A arte do ofício
O artista refere que há vários estilos de caligrafia chinesa. “Não é fácil. Dedica-se uma vida a um ou a dois géneros.” E volta a falar dos obstáculos que dificultaram que olhasse para a arte com entusiasmo. À ausência de interesse per si e pressão acrescida por estudar na escola onde os pais leccionavam, acrescenta que lhe faltavam boas bases. Foi quando teve contacto com o estilo “Slender Gold” (瘦金體) [ver caixa] no ensino secundário que passou a olhar de outra forma para a expressão artística. “Interessei-me a sério e comecei a estudar com toda a dedicação.” Foi durante esta fase que recuperou as tais bases que antes assumiu faltarem. “Graças aos dias incontáveis de trabalho árduo nos últimos anos percebi que, quando se trata de adquirir um talento ou conhecimento, as bases são importantes, mas a persistência, a percepção, a mentalidade, a nossa envolvência e a experiência de vida têm igualmente impacto na forma de pensar e no processo criativo”, enfatiza. “Se a infância é uma dádiva e uma condição inerente, agora tenho a noção de como a adolescência é crucial na vida de um artista.”
Obra feita
Foi precisamente quando estava no secundário e já embevecido pelo estilo de caligrafia “Slender Gold” que conheceu Justin, dono do Tealosophy Tea Bar, hoje grande amigo e cúmplice na dedicação à caligrafia. O interesse dos dois na cultura da Dinastia Song levou-os a investir em duas frentes que se afirmaram nesses tempos, especialmente no reinado do Imperador Huizong: o chá e a caligrafia. “Uma tradição que já leva mais de 900 anos. É incrível”, sublinha, salientando que beber chá, além do jazz e do ténis de mesa, é um dos prazeres que mais aprecia nos tempos livres.
No Tealosophy Tea – bar que serve chás de alta qualidade e com os utensílios profissionais –, o menu foi escrito por Mok e os copos de papel são ilustrados com poemas da sua autoria. O trabalho do artista também se encontra com frequência em exposições de arte e eventos públicos de marcas de luxo locais como a D&G, Burberry e Kiehls, por exemplo.
O gosto pela arte levou-o ainda a lançar-se noutro projecto, desta feita com a irmã. O Centro de Educação e Artes Hon Mak, onde ambos trabalham – ele como professor de cursos de caligrafia e ela como professora de pintura – foi criado com o intuito de explorar o interesse transversal pelo sector artístico.
A ideia de criar o Centro foi concretizada depois de Mok ter abandonado a docência no ensino secundário, há cerca de quatro anos. Agora continua a ensinar, mas crianças e adultos, na maioria professores, na arte da caligrafia.
“Além da minha carreira criativa, e fruto da influência do meu pai, tenho um forte sentido de missão no que respeita ao dever de formar estudantes e de transmitir artes tradicionais. O meu pai também é calígrafo. Ensina esta arte e promove-a há cerca de 40 anos e já formou muitos estudantes.”
Pelas aulas de Elvis Mok também já passaram vários talentos. O mestre destaca Amy Lam Hoi Leng, a quem diz ter ensinado toda a arte da caligrafia “Slender Gold” e que ganhou o Prémio Novos Talentos na categoria de Caligrafia Chinesa, em 2012, a maior competição em Macau dedicada a alunos até aos 18 anos, resume com orgulho.
Formar foi profissão durante sete anos, o tempo em que só era professor e até decidir seguir outro caminho e focar-se no trabalho artístico. Daí resultou o sucesso na caligrafia, mas também na poesia. The Gentle Exile, Narrative Poems, The Matters Confirmed, e Pretty Good to Live an Idle Life: A Three-line Poetry Collection são alguns dos títulos dos seis livros que publicou desde 2009, além dos poemas que vai divulgando em jornais locais. Mok é também um dos fundadores e actual presidente da Associação de Poetas de Macau “Outro Céu”, que começou por ser um grupo online de amantes de poesia, criado em 2002. “Todos gostávamos de escrever e queríamos ter um espaço onde pudéssemos publicar o que escrevíamos”, diz. Em 2014, oficializou-se como uma associação não lucrativa. Actualmente conta com mais de 40 membros, todos da geração pós-1980, faz questão de sublinhar. “A poesia é de facto um nicho quando comparada com outras formas de literatura, mas há definitivamente pessoas que gostam e a apreciam em Macau.” Prova disso foi o Festival Literário Rota das Letras do ano passado, cuja edição teve como enfoque a poesia. Elvis Mok foi um dos autores convidados.
O êxito que tem alcançado fazem pensar que o desfecho da carreira de Elvis Mok só podia ser este: o da arte. Mas não. Depois de terminar o secundário, seguiu Comunicação. “Mas percebi que tinha vergonha da câmara, e um enorme interesse em escrever e em literatura chinesa.” Foi então que optou por estudar Língua e Literatura Chinesas, na Universidade de Macau. Taiwan foi uma possibilidade que acabou por descartar por causa do terramoto 921, a 21 de Setembro de 1999 e um dos piores do século. “Mudei de ideias e escolhi ficar em Macau, e seguir os meus estudos aqui.”
Quando terminou a licenciatura, deixou então a cidade por três anos para fazer o mestrado em Xangai, na East China Normal University, seguindo o conselho daquele que aponta como o outro mentor – o seu orientador de tese, professor Li Guan-ding. “Recomendou-me e encorajou-me que seguisse o meu campo de estudos e continuasse na área da Língua e Literatura Chinesas, e eu fui. Queria passar por uma experiência que me enriquecesse e me inspirasse na escrita.”
“Desde que decidi ser calígrafo, há mais de 10 anos, que tenho acumulado experiência como professor. Aprendi com as tradições e penso no futuro da caligrafia enquanto forma de arte. Se durante o meu tempo de vida nunca conseguir afirmar-me como artista, tenho pelo menos de conseguir passar o conhecimento sobre esta arte a mais pessoas.”
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Voltar às origens
“Slender Gold” (瘦金體) é um estilo de caligrafia que remonta aos tempos de Zhao Ji, o Imperador Huizong (1082-1135), o oitavo e um dos mais famosos da dinastia Song. Ficou na História como um apreciador do luxo, da sofisticação e da arte. Foi poeta, pintor, músico e calígrafo, e inventou o estilo de caligrafia baptizada como “Slender Gold” pelo facto das linhas da escrita lembrarem os filamentos do ouro. Foi quando o meio-irmão mais velho, o Imperador Zhezong, morreu em Fevereiro de 1100 e sem descendentes, que Huizong – o 11.º filho do Imperador Shenzong – assumiu a sucessão, governando até 1126. Apoiou inúmeros artistas e coleccionou mais de 6000 quadros de reconhecidos pintores. Encontrar e formar mestres de arte foi um dos grandes motes da sua liderança. Criou a “Hanlin Huayuan” – a Academia Imperial de Pintura – onde os melhores pintores da China exibem as suas grandes obras. Além da paixão pela arte, era-lhe conhecido o gosto pela tradição do chá. Huizong chegou mesmo a dedicar um livro ao ritual, o célebre Treatise Tea – uma obra que descreve em detalhe a sofisticada cerimónia de chá ao estilo da dinastia Song.