A embaixadora de São Tomé e Príncipe em Pequim defende que o território, tendo em conta a sua localização, deve ser olhado como porta para um mercado de 350 milhões de consumidores. Em entrevista à MACAU, Isabel Mayza Domingos defende que o Estado africano só tem beneficiado da relação com a China, com quem pode aprender bastante
Texto Catarina Brites Soares
Que balanço faz da relação entre a China e São Tomé e Príncipe?
Extremamente positivo. Tem sido uma cooperação bastante activa e isso manifesta-se a vários níveis e em projectos que estão em curso, assim como nas conversações para avaliar outras áreas que podem ser exploradas. As trocas no âmbito da saúde, como a luta contra o paludismo, na agricultura e na geração de energia eléctrica são todos exemplos que acabam por demonstrar quão dinâmica é a relação.
As trocas que menciona são de recursos humanos, financeiros?
São de diferentes tipos. Por exemplo, no ramo da agricultura já houve várias missões. São Tomé é um país essencialmente agrícola, cuja produção já ganhou uma dimensão tecnológica que não se cinge à exploração rudimentar e tradicional da agricultura familiar. A vinda de técnicos à China permite criar know-how e criar outras formas de produção, levando à inovação. Quem diz na agricultura, diz no sector do turismo, da administração pública ou parlamentar. As áreas são diversas, e abrangem os sectores público e privado.
Quais são as prioridades na relação entre os dois países?
O essencial é o conhecimento e respeito mútuos, que vão permitir explorar as potencialidades que são várias em São Tomé, não obstante o seu tamanho, e na China, onde essa questão nem se coloca, tendo em conta a dimensão. O convívio e entendimento mútuos permitem que sejam exploradas várias áreas.
Como por exemplo?
Somos um arquipélago e a temática do aeroporto está sobre a mesa. Já demos passos significativos para a sua ampliação e transformação. A questão do paludismo, que durante muitos anos foi a primeira causa de mortalidade em São Tomé, deixou de ser graças ao apoio e colaboração que a equipa médica chinesa vai dando. A área da energia eléctrica também é um assunto bastante importante, e poderia continuar a elencar.
Mais uma vez, de que forma se materializa esse apoio, falamos de investimento, recursos humanos?
Em função dos projectos identificam-se as insuficiências que podem ser recursos humanos, know-how, investimento financeiro. Não é somente de uma ordem. Depende de cada projecto.
A seu ver, que importância tem a China para o seu país?
A China é uma das maiores potências mundiais, tem uma tradição milenar, a maior população do mundo e é o maior país em desenvolvimento. Fez o seu percurso demonstrando ao mundo os objectivos e as vicissitudes, e como os tem superado. Refiro-me, por exemplo, à redução da pobreza, melhoria das condições de vida e ao melhoramento da situação social, económica e tecnológica. São Tomé e Príncipe é um pequeno Estado insular, com cerca de 200 mil habitantes. É um privilégio poder aprender e ter acesso a esse gigante asiático, e de como esse processo de desenvolvimento tem decorrido.
De que maneira se tem reflectido essa aprendizagem?
Mais do que as condições materiais e financeiras, o conhecimento proporciona-nos uma mudança de vida e de comportamento. A relação com a China é uma mais-valia no sentido em que podemos interagir, partilhar e aprender com a sua experiência, e isso acontece um pouco com o resto do mundo. Veja-se agora, com a situação da pandemia da Covid-19. O mundo acaba por ter de aprender com a experiência chinesa no combate à doença. São Tomé só tem a ganhar no sentido de se apropriar da experiência da China, e de rentabilizar a formação e conhecimento para se ir desenvolvendo.
Que peso tem a relação com a China na economia do país? Quais são os valores e produtos ao nível das exportações e importações?
Muitas vezes pecamos por olharmos apenas para os números. É verdade que são indicativos, mas há um conjunto de aspectos que não são contabilizados. A relação foi iniciada em finais de 2016 e tornou-se bastante dinâmica. Hoje já temos empresários e turistas chineses em São Tomé. Essa troca nos vários sectores, antes dos números estatísticos, reflecte um relacionamento que vai paulatinamente acrescentar. Nestes três anos e pouco, alargou-se muito o interesse chinês em São Tomé ao nível comercial, turístico e técnico.
Quais são os produtos essenciais nas relações comerciais?
São Tomé exporta essencialmente cacau e café. Quando pensamos na nossa proporção e olhamos para o mercado chinês, parece quase nada. Numa perspectiva massiva, a produção de cacau de São Tomé poderia não interessar à China e é, por isso, que enfatizo que os procedimentos que implementamos são mais importantes que os números. Logicamente que São Tomé não estaria em condições de produzir e exportar para toda a China, mas está em cima da mesa a avaliação de exportações tendo em conta as condições e necessidades de cada um. O sector de infra-estruturas é outro ponto de interesse. Temos comerciantes chineses no país que têm intensificado as acções neste campo.
E ao nível de importações?
São essencialmente materiais de construção e tecnológicos.
Há mais empresas de São Tomé na China? Que vantagens e dificuldades encontram nesse mercado?
É uma relação bastante recente e qualquer questão empresarial precisa de tempo para se implementar. Mas existe um forte interesse do sector privado de ambos os lados. No ano passado, teve lugar o 14.º Encontro de Empresários para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa, em São Tomé, onde foram divulgadas as condições e potencialidades do país. No ano passado, também foi realizada a primeira Expo China-África, na qual São Tomé esteve representado pelo Governo e pelo sector privado. Têm-se procurado formas para o escoamento dos produtos.
Por exemplo?
Um dos nossos produtos de exportação é o cacau. Já se faz a produção de chocolate em São Tomé. Ainda não é uma produção massiva, mas há sensibilidade da classe empresarial chinesa em participar dessa produção e até escoamento. Há a preocupação de perceber o funcionamento de ambos os países para depois haver investimentos maiores.
E no sentido inverso, que dificuldades encontram os empresários chineses para entrar no mercado são tomense?
São Tomé ainda não é muito conhecido por parte da classe empresarial chinesa e é nisso que a Embaixada tem trabalhado. É um processo e não podemos almejar um resultado urgente.
Há áreas prioritárias?
Sendo São Tomé um país em desenvolvimento, o sector de infra-estruturas é fundamental e é uma área na qual já há investimento de empresários chineses. Os resultados são bastante satisfatórios. Os sectores do turismo e do comércio também têm sido bastante explorados. Sendo uma ilha, o nosso território marítimo é muito maior que o terrestre e, portanto, os recursos marinhos são uma mais-valia, que também têm atraído o interesse da classe empresarial chinesa. O sector energético é outro que está sobre a mesa. É uma necessidade para que o país possa continuar o seu caminho no sentido do desenvolvimento.
Quais são as perspectivas de crescimento dessas relações?
Muito prósperas. Estamos muito optimistas. Tem havido engajamento de ambos os lados em fortalecer esta relação. E isto não se limita às relações comerciais, de investimento ou construção de infra-estruturas. Falo também do relacionamento entre os povos. Hoje São Tomé tem mais de uma centena de estudantes na China, que além da formação também estão a aprender língua e cultura chinesas. Já foi aberto um Instituto Confúcio em São Tomé e é essa troca de conhecimento que conduz ao optimismo.
De que forma pode o país desempenhar um papel importante para a China no plano da política internacional e da lusofonia?
São Tomé é um Estado. Em função do momento político que se vive, vão-se fazendo engajamentos. Não obstante o tamanho, o país goza de uma posição geoestratégica importante. Estamos no Golfo da Guiné, na Costa Ocidental africana, e essa localização é um ponto estratégico para o país e os seus parceiros.
Como olha para a iniciativa “Uma Faixa, Uma Rota”?
Quando se trabalha em cooperação e coordenação só pode haver benefícios, ou pelo menos os benefícios predominarão. Esta iniciativa faz com que haja uma concertação conjunta para se poder explorar potencialidades económicas e empresariais, e identificarem-se as necessidades e limitações.
E que benefícios são esses?
Quando se conseguem erguer infra-estruturas que vão permitir uma maior ligação e exploração dos recursos existentes por todo o mundo, havendo partilha dos resultados, não pode prejudicar, antes pelo contrário. É uma forma de cooperação que permite que as grandes e pequenas nações colaborarem e se desenvolvam mutuamente, senão os gigantes acabariam por matar os mais pequenos. A iniciativa “Uma Faixa, Uma Rota” vem exactamente dizer que estamos todos juntos, não somos auto-suficientes e que vamos concertar posições, quebrar barreiras e limar arestas. A ideia é cada território poder caminhar ao seu ritmo, mas explorando as potencialidades, que de forma isolada não poderia.
Considera, portanto, que é uma política em que todos ganham?
É uma iniciativa bem conseguida, positiva e que permite o emergir de todos sem se estar numa condição de dependência ou inferiorização. Permite que cada nação possa programar o seu desenvolvimento sem ignorar a perspectiva global em que vivemos. Quem produz precisa de exportar, quem não produz precisa de importar. Não havendo conexões para isso, é preciso criá-las.
No que respeita à lusofonia, sente que tem havido da parte da China uma atenção especial?
Evidentemente que sim. Os países lusófonos têm sentido a participação chinesa no seu desenvolvimento e na colaboração para potencializar os seus recursos. Uma das vertentes do Fórum de Macau é o desenvolvimento da capacidade produtiva dos países. Tomo o caso de São Tomé. Sendo um arquipélago, é através de portos e aeroportos que podemos ser uma porta de entrada, e não estamos a falar apenas de transitar pessoas e bens nacionais, mas também do turismo, bens e serviços de outras partes, recursos que depois revertem para a dinamização da economia. A injecção e participação chinesa na edificação desses projectos demonstra essa atenção. Tenho a certeza de que todos os países lusófonos têm exemplos bastante pertinentes.
E ao nível da língua portuguesa, há um investimento notório?
É inegável o investimento da China nas línguas, e em particular na língua portuguesa. A China abriu-se ao mundo e nesse processo de reforma e abertura recebe, mas também sai em busca de novos horizontes, e a forma de o conseguir é também através da língua. Visitei, por exemplo, a Universidade de Estudos Estrangeiros em Pequim e fiquei maravilhada pela forma como os alunos chineses de língua portuguesa se expressam. Felicito a China por, entre outros investimentos, ter permitido que a população adquira este conhecimento, e o próprio esforço do cidadão chinês na dedicação à língua, facilitando assim a interacção com a comunidade lusófona. Temos um Instituto Confúcio no país e certamente que as autoridades e a classe universitária estão a estudar para ver onde pode haver colaborações ao nível do ensino do português. Mas esse conhecimento da língua não é apenas académico e escolar. Quando se fazem trocas juvenis, culturais, desportivas também se facilita a disseminação dos idiomas.
Sobre Macau, que importância tem no quadro das relações da China e São Tomé?
Macau, enquanto plataforma, é fundamental por várias razões, entre elas uma bastante forte: a língua. É um território onde o português também é língua oficial. Quando Macau se afirma como essa ponte de ligação efectiva, é um facilitador da relação entre os dois lados também por esse motivo. Macau tem feito o seu papel. Nos mais de 15 anos de existência do Fórum de Macau há resultados factíveis.
Qual é a dimensão da comunidade são-tomense na China?
Rondamos as duas dezenas, somando os cidadãos que estão em Macau. A nossa comunidade é essencialmente estudantil, temos mais de uma centena de estudantes na China. Depois temos alguns empresários em Macau. Mas queria deixar um apelo à classe empresarial chinesa para olhar para São Tomé como um possível espaço de investimento. Não vejam São Tomé como um Estado de cerca de mil quilómetros quadrados, com 200 mil habitantes e um arquipélago fechado em si mesmo. Essa não é, nem pode ser, a definição de São Tomé. Temos vários recursos e uma posição que nos permite ser uma porta de entrada para mais de 350 milhões de consumidores. Há que considerar a população da sub-região onde o país se encontra. Estar no Golfo da Guiné e na costa ocidental africana faz com que seja uma porta para o continente e mercado africanos.
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A primeira
Isabel Mayza da Graça Domingos é a primeira embaixadora de São Tomé e Príncipe na China em 20 anos. Até ser nomeada, a diplomata desempenhava o cargo de presidente de Mé Zochi, o segundo maior distrito do país. Foi em 2017 que iniciou funções em Pequim. À MACAU diz não ter sentido quaisquer dificuldades. “É fascinante perceber como somos tão diferentes, mas ao mesmo tempo tão parecidos. Não encontrei dificuldades, integrei-me muito bem e tem sido um desafio.”
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São Tomé e China em números
A produção de cacau representa mais de 20 por cento do PIB do país. Dados do Fórum de Macau referem que São Tomé exporta anualmente entre 3500 a 4000 toneladas de cacau, o que representa mais de 77 por cento do total de exportações. Estima-se que as reservas de petróleo atinjam 6 a 10 mil milhões de barris, ainda em fase inicial de desenvolvimento. Segundo o Fórum, as trocas comerciais entre a China e São Tomé atingiram 7,3 milhões de dólares norte-americanos em 2018. Dados mais recentes relativos ao comércio entre os dois países divulgados pelo Fórum de Macau indicam que os países comercializaram bens no valor de 5,43 milhões de dólares no período de Janeiro a Agosto do ano passado. O país asiático tornou-se, em 2009, o maior parceiro comercial de África. As estatísticas oficiais do Continente referem que, em 2018, o comércio China-África somou 204 mil milhões de dólares, representando um crescimento homólogo de 20 por cento.