Macau na Antártida: a viagem inesquecível

Liu Chien Yueh, Lam Hou Hei e Yinrong Zhang foram três dos oito alunos de Macau que pisaram a Antártida em Janeiro, numa viagem co-organizada pelo Fundo de Ciência e Tecnologia. Voltaram com a certeza de que é preciso agir já para evitar que as alterações climáticas destruam a beleza do que viram

Texto Catarina Brites Soares | Fotos K. Thompson

É o continente mais alto, seco, ventoso e frio. É lá que se concentra perto de 90 por cento do gelo do planeta e 80 por cento da água doce. Um deserto frio onde abundam espécies porque também abundam recursos. Liu Chien Yueh, Lam Hou Hei e Yinrong Zhang passaram a fazer parte do grupo reduzido de privilegiados que viram a fauna e flora do continente no Pólo Sul, depois de terem sido seleccionados para integrarem uma visita de estudo que juntou alunos de Macau, do Interior do País e de Inglaterra, numa expedição científica ao continente gelado no Hemisfério Sul.

Da viagem de 15 dias, organizada pela Association of Chinese Science Education Promotion e co-organizada localmente pelo Fundo para o Desenvolvimento das Ciências e da Tecnologia, trouxeram boas memórias, ensinamentos e uma lição: não há tempo a perder no combate ao aquecimento global.

“Temos a obrigação de proteger o ambiente e temos de começar já. Espero que os meus filhos ainda possam ver quão linda é a Antártida. Não quero que a humanidade desapareça porque não cuidámos da nossa casa”, alerta Liu Chien Yueh, em entrevista à MACAU.

Aos 13 anos de idade, sublinha a sorte de pertencer ao núcleo restrito de pessoas que pisou o continente do gelo. “Foi uma honra”, afirma a aluna que decidiu tentar a sorte dada a curiosidade pelo continente branco e a preocupação com a poluição associada ao plástico. “Queria descobrir se havia microplásticos na Antártida. Esta viagem ensinou-me muito. É de uma beleza incrível e fascinante”, descreve.

Igualmente deslumbrado voltou Yinrong Zhang, que reforça: “Só há um planeta Terra. Se não o protegermos, o mundo vai perder o cenário magnífico que vi. Gostava que fosse feito um esforço para proteger cada milímetro do planeta, cada céu, cada vida.”

O estudante da Escola Secundária Hou Kong, de 17 anos, realça que foi uma experiência marcante e reitera: “Proteger a ecologia, cuidar e respeitar a vida é a obrigação mais básica de cada um de nós. Espero que a minha investigação leve mais gente a prestar atenção e a ganhar consciência sobre a situação nas regiões polares”.

A experiência também mudou Lam Hou Hei, da Escola de Aplicação anexa à Universidade de Macau. O estudante de 16 anos recorda que pisar a única parte da Terra sem presença humana e ser testemunha de paisagens de uma paz indescritível, fizeram-no reflectir sobre a forma como o homem tem vivido. “Destruímos o nosso ambiente. Temos de usar menos plástico e energia”, vinca. “Se não o fizermos, a Antártida deixará de ser o que é hoje, o que implicará graves problemas ambientais.”

Lição aprendida

Foi importante ter ido, refere Lam Hou Hei, acrescentando que o que se aprende na sala de aula é tão significativo como o que se aprende fora, e neste caso em contacto com o meio ambiente. “Aprendi como se faz uma pesquisa científica e estive em contacto com vários cientistas”, exemplifica, acrescentando que viagens como a que fez ao continente do Sul são muito importantes. “É uma oportunidade de vermos como o mundo é espectacular. Uns mais, outros menos, mas tenho a certeza de que todos alunos vão sempre retirar aprendizagens destas experiências”, defende.

Yinrong Zhang, colega de viagem, comprova-o. “Durante a expedição aprendi muito com os investigadores que nos acompanharam. Vi o fascínio e a paixão que têm pela natureza. O espírito e a dedicação da equipa científica marcaram-me. Tornaram-se modelos. Foi uma experiência que me deixou fascinado com a natureza para sempre. Quero estudar mais para ter conhecimento e poder contribuir para o futuro através do meu trabalho”, afirma.

Sobre a importância de iniciativas como esta, Liu Chien Yueh volta a insistir na sorte dos alunos que fizeram a viagem e também na sorte que tem em viver no mundo onde não falta quase nada. “Os alunos de Macau vivem num sítio privilegiado. Temos comida, água, casa e podemos ir à escola. Há locais onde nada disto existe. Acho que é importante que os alunos de cá vão a outros territórios para verem o mundo e perceberem que a Terra apanhou uma doença causada por nós”, critica. “Precisamos de perceber como o planeta está a mudar”, sublinha a jovem da Escola Secundária Pui Cheng.

Além de consciência, Liu refere ter ganhado maturidade, depois de contar com orgulho o momento em que conseguiu cumprir um dos desafios com a equipa. “Tínhamos de filtrar 20 litros de água numa noite. Foi difícil e duro, mas conseguimos. Lembro-me que nem fomos ao restaurante jantar. Ficámos no quarto e comemos noodles embalados. Foi bom sentir o espírito de equipa.”

A tarefa teve em conta o projecto que um dos selecionados submeteu para concorrer à viagem de estudo, que decorreu de 17 a 31 de Janeiro. A pesquisa centrava-se no estudo dos microplásticos. “Recolhemos 40 litros de água da Antártida e agora vamos comparar em Macau. Ainda não concluímos o projecto. O objectivo é avaliar a presença de microplásticos na água do mar. É um projecto com significado porque é um alerta. Se continuarmos a destruir o planeta, acabaremos por desaparecer”, avisa.

Na memória, Lam Hou Hei guarda o momento em que mergulhou nas águas geladas do continente, com temperaturas negativas. “Estava mesmo frio, mas consegui. Nunca me vou esquecer”.

Já Yinrong Zhang não esquece quando viu uma baleia mesmo ali ao lado a espirrar água e quando um pinguim se sacudiu em frente dele. “Foi do mais bonito que vi.” E acrescenta outro. “Como a viagem foi durante um período especial, fizemos uma festa de Ano Novo Chinês e cozinhamos dumplings. Foi mesmo uma experiência inesquecível.”

Os testes

A iniciativa, aberta a todos os alunos do ensino secundário de Macau, obrigava a um processo de selecção tendo em conta o limite de vagas. Antes da formação, a última fase, os estudantes tiveram de fazer um exame e submeter uma pesquisa sobre a região polar.

Lam Hou Hei, por exemplo, foi escolhido com um trabalho sobre paleoclima. “O objectivo é perceber o clima e o ambiente predominantes num determinado período de tempo na Antártida em função da análise de fósseis e rochas”, pormenoriza. Observar a vida selvagem foi uma das partes da expedição, que ia estacionando em zonas históricas e pontos de interesse, como colónias de pinguins. “Recolhíamos amostras e fazíamos experiências no barco. Vi tanta vida selvagem: pinguins, baleias, albatrozes, focas, e paisagens tranquilizadoras como icebergues, gelo flutuante. Lindo”, realça.

Quando soube da oportunidade, percebeu que não a podia perder. “Não é fácil ir à Antártida e, no nosso caso, ainda tivemos a sorte de o fazer com cientistas e alunos de outras partes do Interior do País. Fomos numa expedição científica. Uma oportunidade rara”, enfatiza.

Depois da pesquisa individual sobre a Antártida ser seleccionada, os alunos tiveram de fazer testes de resistência física e formação relacionada com a expedição, que passou pela Ilha de Courville, Port Locroy, Jugla Point e a ilha Half Moon. “Por causa do tempo, não pudemos atracar na Ilha da Decepção”, lamenta Yinrong Zhang, seleccionado com um estudo sobre briófitas de líquen na Antártida e em Ushuaia, Tierra del Fuego. Uma pesquisa que implicou outra paragem no Instituto de Geoquímica de Cantão, para formação, e onde voltará para concluir o trabalho de análise.

À MACAU, o Fundo para o Desenvolvimento das Ciências e da Tecnologiaexplica que agora os alunos se encontram a trabalhar nas teses e pesquisas. “O Fundo vai avaliar a viagem e se os resultados forem excelentes, vamos considerar continuar a financiar este tipo de actividades”, refere o organismo, que garantiu praticamente a totalidade das despesas. Do custo total por estudante – 120 mil patacas – o Fundo assegurou 110 mil.

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Combater o desconhecimento

O aquecimento global e o desconhecimento generalizado sobre as regiões polares foi o que motivou a organização da expedição anual às regiões polares. A iniciativa da Association of Chinese Science Education Promotion (ACSEP) arrancou em 2011. Kevin Ding, na liderança da associação, explica que tudo começou um ano antes, quando um investigador chinês muito conhecido, o professor Dengyi Gao, do Institute of Atmospheric Physics, CAS, lhe explicou que a China tinha estabelecido quatro estações na Antártida e uma no Ártico desde 1984, e que tinha feito várias descobertas científicas, mas que a população sabia pouco sobre as regiões polares. Dengyi Gao sugeriu que se deveria investir em formação, especialmente junto dos estudantes para que entendessem a importância da Antártida e do Ártico, e que deviam ser criadas oportunidades para que visitassem as regiões polares. “Com o aquecimento global, a importância de concretizar estas ideias tornou-se ainda mais relevante. Foi por isso que criei o programa, com a ajuda de vários cientistas e do Governo Central, e que se realiza há 10 anos, com uma viagem anual à Antártida e outra ao Ártico”, explica.

O principal objectivo, continua Ding, é formar. “Explicar-lhes a importância das regiões polares para o clima e ecologia, e mostrar-lhes o impacto do aquecimento global na Antártida.”

Cada um dos alunos tem de concluir uma pesquisa durante e depois da viagem, e cujos tópicos foram escolhidos de acordo com os interesses dos estudantes. A expedição deste ano incluiu 19 pesquisas que, segundo o organizador, abarcam quase todas as ciências naturais relacionadas com a Antártida. “O plano é que os alunos venham depois aos laboratórios e às instituições para analisar as amostras que recolheram e terminem o ensaio no espaço de três a quatro meses”, acrescenta.

Kevin Ding quer repetir a experiência e continuar a incluir os alunos de Macau. “Gostei muito da participação deles. Espero que esta iniciativa se torne uma plataforma de investigação e comunicação para Macau, o Interior do País e mesmo para estudantes estrangeiros. Este programa permite aos alunos adquirir valências académicas, integrar actividades de investigação científica de ponta e também fazer novos amigos”, realça.

Esta ano, participaram 38 alunos e 16 adultos de Pequim, Tianjin, Cantão, Shenzhen, Macau e Londres.