Texto Paulo Barbosa
Virada para o mar e a pouca distância de Macau, a Ilha de Hengqin (ou da Montanha, como é conhecida pelos portugueses) tinha apenas 4000 habitantes espalhados por esparsas aldeias e explorações de ostras em 2009. Foi em Janeiro desse ano que o então vice-presidente, Xi Jinping, visitou a ilha e anunciou planos para a desenvolver, criando sinergias com Macau e com toda a sua área envolvente. Começou nessa altura a ser planeada uma mega-cidade com amplas áreas turísticas e espaços de inovação científica e arquitectónica. No cruzamento entre o Rio das Pérolas e o Mar da China Meridional, Hengqin é a maior ilha do município de Zhuhai, com uma área total de 106 quilómetros quadrados e uma população de 7909 pessoas, segundo dados estatísticos de 2017. Em 14 de Julho de 2011, o Conselho de Estado aprovou a criação da Nova Área de Hengqin. De acordo com o Instituto para a Promoção do Investimento de Macau (IPIM), Hengqin tornou-se numa área “ainda mais especial do que as outras zonas económicas especiais da China”, com o Comité Administrativo de Hengqin a anunciar que estavam em curso um total de 75 projectos de grande escala no fim do ano passado, no valor de 219,9 mil milhões de yuans. Com a RAEM a braços com escassez de espaço, foi arrendado à Universidade de Macau um terreno na ilha vizinha, onde espaço disponível não é problema. Ali, em frente aos estaleiros de Lai Chi Vun e à vila de Coloane, foi construído o seu impressionante campus, com acesso a Macau via túnel. As componentes principais do gigantesco projecto foram praticamente concluídas em finais de 2012 e o campus encontra-se em pleno funcionamento. Macau tem vindo a participar no desenvolvimento da ilha vizinha de outras formas, com vários empresários locais e o Executivo de Macau a investirem no local, como o Parque Científico e Industrial de Medicina Tradicional Chinesa para a Cooperação entre Guangdong-Macau.
Alguns particulares têm feito investimentos imobiliários na ilha vizinha, uma tendência que se prevê crescente à medida que as barreiras fronteiriças sejam atenuadas para a circulação de pessoas e veículos. A última novidade aconteceu em Abril deste ano, quando a Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma lançou oficialmente o “Plano de Construção da Ilha Internacional de Turismo e Lazer de Hengqin”. O documento refere que a ilha deverá dar prioridade a promover a diversificação económica de Macau, ser uma base para turismo internacional de primeira classe e uma área nacional de demonstração turística. Alguns passos nesse sentido já foram dados, tais como a abertura do Parque Temático de Chimelong em 2014. Depois do anúncio do novo plano em Abril, o jornal National Business Daily reportou que a empresa Chimelong está agora a considerar a construção de um teleférico que ligaria o parque temático a atracções próximas em Macau. Um outro parque temático, este dedicado ao cinema e promovido pela Lionsgate Entertainment World, deverá abrir ainda este ano. Já o Hengqin Port, em fase final de construção, será o novo nódulo de transportes na ilha, com as previsões oficiais a apontarem para uma capacidade de aumentar o número diário de travessias entre Macau de 70 mil para 222 mil.
Outras infra-estruturas facilitarão o transporte inter-regional: no ano passado foi aprovado o novo terminal de Hengqin, que deverá estar a funcionar em 2022. A ligação de comboio rápido entre a metrópole de Cantão e Zhuhai vai ser estendida a Hengqin, com espaço reservado para uma futura ligação com o metro ligeiro de Macau. Durante um seminário organizado para apresentar o plano em Macau, a directora dos Serviços de Turismo, Helena de Senna Fernandes, referiu que Hengqin e Macau “poderão explorar em conjunto um novo modelo de cooperação para o desenvolvimento da ilha internacional de turismo e lazer de Hengqin, agarrar as oportunidades trazidas pelo ‘plano de construção’ e fazer bom uso de medidas de benefício relevantes para alargar o espaço de desenvolvimento do turismo de Macau”. Tal permitirá promover o desenvolvimento diversificado da economia da RAEM, impulsionando o desenvolvimento integrado da indústria turística de Hengqin e Macau, de acordo com Senna Fernandes. Desmond Lam, professor da Universidade de Macau (UM) com especialização em gestão turística e resorts integrados, refere que as transformações em curso em Hengqin trarão benefícios para Macau “se ambas as cidades trabalharem juntas em diferentes níveis, nomeadamente diversificação turística (tipo de ofertas e suas diferenças), desenvolvimento comunitário e colaboração empresarial”.
Em declarações à MACAU, Lam coloca o cenário mais ideal que poderá resultar do plano apresentado em Abril: “Cada cidade pode oferecer algo diferente e único no tipo de acomodação, atracções, entretenimento e equipamentos disponíveis. Terá que haver uma cooperação entre as duas cidades. Num certo sentido, mover alguns turistas para Hengqin poderá libertar espaço em Macau para outros desenvolvimentos”. Lam explica que, dessa forma, se poderiam criar espaços ainda mais luxuosos na RAEM, atraindo outro tipo de turista para a região. Outro aspecto relevante para o professor da UM é que “residentes de Macau e Hengqin possam viajar, viver e trabalhar – embora com uma capacidade limitada – em cada cidade, para facilitar a mobilidade da força de trabalho”. Desmond Lam diz que o novo plano vem criar condições para que as pequenas e médias empresas locais possam estabelecer joint-ventures em projectos que sejam benéficos para ambas as cidades. Pensando a médio-longo prazo, Lam diz que a “plena mobilidade” [o conceito inglês de ‘seamless travel’] na área da Grande Baía pode tornar-se uma realidade, mas lança algumas objecções: “Pode ser difícil encontrar um chão comum para que [as regiões] trabalhem para atingir benefícios mútuos, por várias razões, incluindo políticas. Acredito que vai levar algum tempo.”
As vantagens de investir ou trabalhar na ilha vizinha
Para além da proximidade a Macau, Hengqin apresenta muitas vantagens estratégicas no âmbito da área da Grande Baía. Está localizada a apenas 34 milhas náuticas de Hong Kong, o que representa apenas uma hora de barco. Com a abertura da Ponte Hong Kong-Zhuhai-Macau, a deslocação de Hengqin a Hong Kong por carro foi encurtada para cerca de meia hora.
Dentro do raio de 100 quilómetros quadrados, existem cinco aeroportos internacionais e domésticos, nomeadamente, os aeroportos de Hong Kong, Macau, Cantão, Shenzhen e Zhuhai. O Instituto para a Promoção do Investimento de Macau (IPIM) realça que “com o avanço dos projectos de transporte, incluindo a Ponte Hong Kong-Zhuhai-Macau, o metro ligeiro Cantão-Zhuhai, o comboio Cantão-Zhuhai e a Ponte Jinhai, a Ilha de Hengqin está prestes a tornar-se o novo hub de transporte entre a província de Guangdong, Hong Kong e Macau”.
Na apresentação que faz de Hengqin a potenciais investidores, o IPIM cita ainda “vantagens ecológicas”, indicando que 90 por cento dos terrenos da ilha não estão ainda urbanizados e que 70 por cento destes são classificados como áreas com proibição de construção ou de construção limitada. Nas construções, é obrigatório o uso de materiais ecológicos e a maioria da ilha é “constituída por oceano, florestas e zonas húmidas”.
A facilidade para atrair recursos humanos é outra vantagem citada na apresentação do IPIM, já que há muitas instituições de ensino superior frequentadas por milhares de alunos em Hengqin ou nas suas proximidades, incluindo a Universidade de Macau, a Universidade de Zhongshan, o Hong Kong Baptist College e o United Internacional College em Zhuhai.
A Nova Área de Hengqin implementa também uma série de políticas fiscais preferenciais, com as empresas ali estabelecidas a beneficiarem de uma redução de 15 por cento nos impostos sobre rendimentos. Outras medidas estipulam que as trocas de mercadorias entre as empresas da área são isentas de imposto de valor acrescentado e/ou de impostos de consumo.
Na tentativa de atrair mão-de-obra de Macau e Hong Kong, os residentes de Hong Kong e de Macau que trabalham na Nova Área de Hengqin apenas necessitam de pagar impostos sobre o rendimento pessoal auferido igual ao que pagam em Hong Kong ou Macau.
Alguns veículos com matrícula de Macau foram autorizados a circular na ilha, embora o sistema de quotas estabelecido faça com que poucos veículos sejam elegíveis e ainda se esteja longe do desiderato inicialmente anunciado de abrir Hengqin à circulação generalizada de carros de Macau.
Aterros equivalem a metade de Macau
Os planos para a de aterros em Macau são ambiciosos, mas o Comité Administrativo de Hengqin pretende expandir a ilha vizinha numa área equivalente a metade da península de Macau. Os planos foram publicados no ano passado e irão demorar uma década ou mais a concretizar-se. Irão servir para servir de alavanca para a economia azul (ligada ao mar) e o sector turístico, entre outros. Segundo os planos, uma parte dos novos aterros ficará disponível para desenvolvimento de parcerias entre Hengqin e Macau.