Texto Dalton Sitoe (Em Moçambique)
Foi durante a maior cimeira sino-africana de sempre, realizada em Pequim em Novembro de 2006, que um novo destino para os agricultores de Moçambique começou a ser delineado. O então Presidente Hu Jintao anunciou, no segundo Fórum de Cooperação África-China (FOCAC), oito medidas destinadas a reforçar a parceria entre a China e o continente africano. Na agricultura, um dos principais planos era a criação de dez centros de demonstração de técnicas agrícolas em África. Moçambique estava no topo da lista dos países a beneficiar destes centros. Depois da cimeira de Pequim, os ministérios chineses da Agricultura e do Comércio enviaram cinco equipas de especialistas para África com o objectivo de, conjuntamente com as autoridades locais, analisar as condições de implementação dos centros. Em Fevereiro de 2007, durante a visita oficial de Hu Jintao a Moçambique, foi anunciado que este país seria o primeiro em África a receber um dos centros agro-tecnológicos. Para a localização do centro, a escolha recaiu sobre o distrito de Boane (sudoeste de Maputo), devido a existência da Estação Agrária de Umbelúzi (EAU), pertencente ao Instituto de Investigação Agrária de Moçambique, e a proximidade da capital Maputo. O distrito de Boane situa-se na vizinhança da cidade da Matola, que alberga o maior parque industrial de Moçambique, com um pólo de produção de alumínio, um dos principais produtos de exportação do país. Além disso, Boane é um distrito em franco desenvolvimento devido à expansão de cidade de Maputo, tendo uma área de 815 quilómetros quadrados, cerca de 81 mil habitantes, a maior parte dos quais (mais de 60 por cento) dedicados à agricultura, base da economia do distrito. Os principais produtos agrícolas são legumes, milho, feijão e mandioca.
A Estação Agrária de Umbelúzi doou 52 dos seus 70 hectares para o estabelecimento do Centro, cumprindo assim o requisito de ceder sem encargos o uso da terra onde o projecto é executado e permitir a importação isenta de impostos, de materiais e equipamentos chineses. Nos termos deste acordo, coube à parte chinesa a concepção e construção do Centro, incluindo o sistema de irrigação, o fornecimento de maquinaria e equipamento e o envio dos especialistas chineses que coordenam o projecto.
A evolução do processo foi bastante rápida: o projecto foi aprovado em 2008; em 2009 os edifícios do centro começaram a ser construídos e, em Julho de 2011, a sua sede era oficialmente inaugurada. Nos dois edifícios que servem o Centro de Demonstração de Tecnologia Agrícola China-Moçambique (CDTACM), há salas de aulas, laboratórios de solo e de sementes, biblioteca, escritórios e residências para investigadores e trabalhadores chineses. Especialistas de Moçambique e da China decidiram dar prioridade às culturas de milho, arroz, mandioca e legumes no interior do complexo.
As culturas testadas são aquelas mais populares da região. Isso explica-se pelo facto de a cooperação se basear numa negociação das prioridades da população local, e de os projectos terem de se adaptar às exigências e às condições de cada país africano. Para além da agricultura, também está contemplada a transferência de tecnologia que permita o incremento da produção animal – já houve investigação com porcos, mas esta acabou por ser suspensa devido à ameaça da febre suína africana.
Quando o CDTACM foi inaugurado, o então presidente moçambicano, Armando Guebuza, frisou a importância deste projecto para o país não só em termos de uma maior produção agrícola. “O objectivo não é somente aumentar a produção, porque pode ser aumentada de várias formas. Nem sempre se aumenta a produção através do aumento da área de produção. Temos que ter em mente a outra componente do aumento da produção através do aumento da produtividade em áreas pequenas”, disse no seu discurso. Uma das grandes apostas foi a transferência de tecnologia chinesa capaz de aumentar a produção moçambicana de arroz, na altura estimada em cerca de três toneladas por hectare, para as actuais 10 toneladas por hectare. Objectivo cumprido Numa visita da MACAU ao CDTACM, o director-geral do projecto, Wang Huiping, reiterou que o grande objectivo tem sido cumprido, já que cerca de 3000 produtores moçambicanos já passaram pelo centro em formação. As aulas centram-se em novas tecnologias para semear cereais e vegetais e todo o ensino é feito tendo em conta as necessidades dos agricultores locais e das famílias camponesas.
“Os treinos são orientados por técnicos chineses. Parte deles são agricultores e outra são professores universitários. Há uma parte que é sazonal, vêm da China para dar as formações, e outra parte dos formadores fica em Moçambique por mais tempo”, explicou Huiping. Para a parte demonstrativa e experimental, os produtores são levados ao campo de 52 hectares, onde exploram uma determinada parcela do terreno agrícola para semear usando a nova tecnologia ao lado do formador. As sementes utilizadas para a demonstração são chinesas. Segundo Huiping, fazendo referência a um relatório disponível naquele Centro, o CDTACM tem-se esforçado activamente para realizar avanços tecnológicos e realizar experimentos, e nesse sentido explora a componente de investigação.
Com efeito, o Centro introduziu sucessivamente 159 variedades de arroz, 21 variedades de milho, mais de 20 variedades de vegetais e duas variedades de algodão para comparação e analisou mais de dez variedades de arroz, seis variedades de milho, mais de 20 variedades de vegetais e duas variedades de algodão. O director-geral do Centro avalia positivamente as investigações feitas, afirmando que os produtos agrícolas analisados têm elevado o rendimento e a qualidade da produção, tendo sido adaptadas ao ambiente local. Cabe à equipa de investigação moçambicana avaliar novas variedades a serem introduzidas. Toda a formação é dada de forma gratuita aos agricultores locais e a produção que resulta dessas acções é usada para consumo interno e para subsistência dos trabalhadores chineses. Também há um grupo de trabalhadores locais que são remunerados para manterem os campos produtivos.
Os excedentes da produção são vendidos na loja do Centro ou no mercado de Boane a preços mais baixos, de forma a que possam chegar às camadas mais carenciadas da população. Moçambique é um país com um potencial agrícola enorme. Aquele país africano tem 36 milhões de hectares aptos para agricultura, o suficiente para produzir comida para mais de 500 milhões de pessoas no mundo. No entanto, o país explora apenas 10 por cento do seu potencial. Os centros de demonstração agrícola são exemplos de uma fusão de ajuda ao desenvolvimento com negócio, tendo como principais funções a investigação e transferência de tecnologia, a extensão rural e a formação técnica. Resultados reconhecidos Segundo um relatório das Nações Unidas (ONU) do ano passado, os projectos de assistência externa agrícola da China resultaram no aumento da produção e da renda de alimentos para pequenos agricultores de Moçambique e da Guiné-Bissau. Na sua primeira visita à sede da ONU em Nova Iorque (EUA), em Outubro passado, a Agência Internacional de Cooperação para o Desenvolvimento da China (CIDCA, na sigla em inglês) uniu-se à Missão Permanente Chinesa na ONU e ao Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD, na sigla em inglês) para mostrar os resultados da parceria chinesa com os dois países africanos no desenvolvimento agrícola. Os programas criaram vínculos entre agricultores e funcionários locais com conhecimento chinês, tecnologia e sistemas inclusivos de mercado para impulsionar a produção de alimentos, aponta o relatório. O estudo avaliou as duas parcerias em vigor nos países africanos, nomeadamente o Projecto de Cooperação Técnica Agrícola na Guiné-Bissau e o Centro de Demonstração de Tecnologia Agrícola China-Moçambique, como exemplos do que a colaboração Sul-Sul pode alcançar. “O PNUD saúda essas avaliações conjuntas, que ilustram o compromisso da China com parcerias que apoiam o alcance das metas nacionais de desenvolvimento e as aspirações da Agenda 2063 e 2030 de África”, disse Ahunna Eziakonwa, administradora assistente do PNUD e directora regional para a África. “Congratulamo-nos com a tecnologia, experiência e investimentos financeiros da China, enquanto trabalhamos juntos para avançar com os nossos planos de desenvolvimento nacional”, disse o embaixador Antonio Gumende, representante permanente da Missão da República de Moçambique junto às Nações Unidas. Falando no evento, Deng Boqing, vice-presidente da CIDCA, disse que a promoção do desenvolvimento rural e agrícola e a erradicação da pobreza nos países em desenvolvimento, especialmente em África, sempre foram uma prioridade da ajuda externa da China.